Por Eugénio Lisboa
Meter Eça no Panteão, para o amaciar, é o mesmo que ter metido Santana Lopes no governo para o calar. Aos reguilas, é costume querer domesticá-los, dando-lhes presentes, sinecuras, ministérios, academias e penduricalhos.
Meter o Eça no Panteão é querer fazer crer que ele não escreveu A RELÍQUIA ou A CAPITAL (talvez a obra-prima do “roman noir”, em Portugal).
Panteonizar Eça é intrujar as pessoas, fingindo que o Eça não é o Eça. É querer enterrá-lo, definitivamente, numa falsa “respeitabilidade”, que ele nunca teve nem quis ter (não me perguntem onde ele “diz” isso, toda a sua magnífica obra O DIZ por ele).
Não concebo nem um Juvenal nem um Jonathan Swift, num Panteão romano ou inglês, caso estes existissem.
Há escritores, músicos, pintores que não são misturáveis com a pompa solene dos Panteões. Não se trata de se não merecerem uns aos outros: trata-se tão só de não serem COMPATÍVEIS, tal como a água e o azeite não serem miscíveis, mesmo sem se discutirem os seus méritos).
Eu não vejo o intemerato Swift a ser benzido por um cardeal aparatoso, como não vejo um gato a obedecer a um cão. E gosto muito de gatos e de cães.
Molière nunca entrou na Academia e Stendhal também não. A “vieille guarde” de Napoleão disse “merda” ao general Wellington e preferiu ser trucidada a render-se.
Eça, diplomata nunca vendido ao discurso suave, jamais se rendeu ao bempensismo.
Querem capturá-lo agora, depois de morto.
Querem fazer dele “pessoa de bem”, segundo os códigos de comportamento da gente de extrema-direita. A mesma gente a que Bertrand Russell chamava “nice people”, da qual fez o mais demolidor diagnóstico de que tive conhecimento.
Eça não era “pessoa de bem”, selon Ventura, como não eram “pessoas de bem” Aristófanes, Juvenal, Voltaire, Molière (sobretudo o de TARTUFO), Bocage, António Vieira, entre outros.
O que um escritor “diz” não é só ou não é, sobretudo, o que ele diz explicitamente. O que ele realmente diz é o que toda a sua obra inculca.
Eça não diz ostensivamente que não quer ir para o Panteão, mas toda a sua obra o grita.
Isto, que não tem validade jurídica, devia tê-la para os seus herdeiros, se, improvavelmente, tivessem lido, com mão diurna e nocturna, a obra do seu antepassado.
Conversei um dia com um descendente de Eça, que tinha Eça de Queirós no seu apelido, o qual descendente me confessou, com toda a candura, não ter lido um único livro do seu ilustre antepassado.
Não seria interessante fazer um miúdo escrutínio às leituras dos dezasseis bisnetos favoráveis à trasladação?
Aqui fica, grátis, a sugestão.
Eugénio Lisboa
1 comentário:
Eça é, sobretudo, um escritor cheio de estilo! Soube, como mais ninguém, esculpir as palavras da língua portuguesa.
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