domingo, 12 de fevereiro de 2023

DA GRANDE VANTAGEM DE SER TOTALMENTE IGNORANTE

Por Eugénio Lisboa
Quando não tiveres nenhum
fundamento para argumentar,
insulta o teu adversário.
Cícero

O valor da educação tem sido absurdamente exagerado, para não dizer mitificado. A educação funciona ao contrário de certos venenos. Há venenos que, aplicados em pequenas doses, são benéficos para a nossa saúde. Mas, ministrados em grandes doses, são letais. 

Com a educação dá-se o inverso: administrada em doses razoavelmente grandes, é benéfica em várias frentes, mas administrada em doses residuais, é catastrófica. É melhor, para a sociedade, o indivíduo totalmente ignorante do que o indivíduo com um reduzido teor de conhecimento. O ignorante total conhece a humildade. O ignorante com um conhecimento residual, torna-se arrogante e malcriado. 

Costumo dizer que pior do que um ignorante, só um ignorante diplomado. O ignorante diplomado apoia-se somente no seu diploma e falta-lhe a ferramenta que o aguente, numa discussão ou debate. Furioso, recorre ao insulto, como recomendava, ironicamente, Marco Túlio Cícero. Não é bonito mas é humano. 

Infelizmente, ignorantes diplomados é o que mais abunda na nossa sociedade, mesmo entre os da assim proclamada “geração mais preparada de sempre”. É que anda por aí um perigoso equívoco: a referida geração poderá ser a mais diplomada, o que não faz dela necessariamente, a mais preparada. Basta passearmo-nos desenfastiadamente pelas redes sociais, para nos inteirarmos da iliteracia funcional que grassa por aí, quase sempre aliada ao contentismo parolo, à boçalidade mais desprotegida, à incapacidade de pensar com alguma higiene e à total impreparação para a escrita. 

E são estas pessoas, diplomadas mas não preparadas, que vão, um dia, governar este país, porque o “diploma” lhes dá esse direito e essa ambição. São estes diplomados, destituídos de conhecimentos sólidos, de uma mínima capacidade de pensar e armados até aos dentes com “slogans” e “clichés” mal digeridos, que vão “formar” as gerações futuras. 

Perguntava o grande cientista Thomas Henry Huxley, da família extraordinária dos Huxleys (junte-se-lhe Aldous Huxley e Julian Huxley): 
“Se uma pequenina quantidade de conhecimento é perigosa, onde é que se vai encontrar um homem com tanto conhecimento que o livre do perigo?” 
Boa pergunta, com efeito. A origem principal deste desastre deve ir procurar-se, não tanto, nos próprios “ignorantes diplomados”, como no sistema educativo congeminado pelos donos de novos dogmas da educação, tão falsos como destrutivos. Vende-se facilitismo, conforto e “alegria de viver”, em troca de verdadeiro conhecimento que, alegadamente, “faz doer”. 

Parafraseando James Northcote, eu concluiria, dizendo que o nosso sistema educativo está a transformar os seus “clientes”, não em fontes de saber, mas em cisternas de saber. 

Eugénio Lisboa

13 comentários:

Alberto disse...

Este magnífico texto de Eugénio Lisboa, que eu nunca vi, mais magro ou mais gordo, devia funcionar como um estridente sinal de alarme que despertasse as nossas autoridades governativas, na área da educação, para a tragédia que é substituir, por exemplo, o estudo da filosofia socrática, da Grécia Antiga, por wokshops em filosofia ubuntu, nas nossas escolas EB 1,2,3 + JI + S. Os senhores que mandam dirão que nunca promoveram uma tal substituição de filosofias, mas a realidade feita de escolas EB 1,2,3 + JI + S, com os seus professores e alunos, aí está para os desmentir. Já não há liceus nem escolas industriais; agora, somos todos iguais, diplomados, e tendencialmente ricos!
Muitos já não sabem que o filósofo Sócrates disse que só sabia que nada sabia!

Anónimo disse...

"Ensinai aos vossos filhos o trabalho, ensinai às vossas filhas a modéstia, ensinai a todos a virtude da economia. E se não poderdes fazer deles santos, fazei ao menos deles cristãos."

Salazar, também sempre comprendeu que é melhor, para a sociedade, o indivíduo totalmente ignorante do que o indivíduo com um reduzido teor de conhecimento.

Rui Ferreira disse...

Agradeço a clareza, a assertividade e, acima de tudo, a partilha.

Anónimo disse...

"foi o querer saber que fez o homem pecar (...) insisto: não preconizo o analfabetismo sistemático; digo que a instrução é um instrumento perigoso que não pode circular em todas as mãos como um explosivo. Como um veneno. Só num carácter são, ela é util ou pelo menos inofensiva." Alfredo Pimenta (Salazarista)

Helena Damião disse...

O caro anónimo toca uma questão que nos deveria fazer pensar: se é certo que nenhum regime político totalitário, seja ele de esquerda ou de direita, gosta dos resultados que a educação (no seu verdadeiro sentido) possa ter nas pessoas (que é torna-las mais capazes de pensar), as democracias também deixam muito a desejar. Sobretudo, se se trata de democracias dependentes de financiamentos externos. É, sobretudo, muito inquietante perceber a aproximação dos discursos: o elogio da ignorância (que o Professor Eugénio Lisboa nao faz!) nao é apanágio desse tipo de regimes, ele ve-se propagado por todo o ocidente, nas democracias mais consolidadas. Publicitam-se escolas maravilhosas em que nada se ensina, em que nao há conhecimento a atrapalhar a criatividade, em que os professores desaparecerem porque nao sao precisos, etc. Saberá que algumas dessas escolas estao em Portugal e sao especialmente vem vistas, pelo menos a avaliar pelos clientes que tem e pelos elogios que conseguem na comunicação social. Qual é a grande vantagem de estarmos numa democracia? É podermos debater e escolher. Logo, por acréscimo, somos responsáveis, somos todos responsáveis, pela educação das novas gerações e pelas suas consequenciais. Cumprimentos, MHD

Anónimo disse...

Só um esclarecimento: como muito bem sublinhou a Professora Helena Damião, eu não faço o elogio da ignorância. O que faço é, parecendo que a elogio, torná-la grotesca. É o tipo de humor negro praticado pelo grande Jonathan Swift (que Pessoa tanto admirava), quando fez a sua "modesta proposta", para acabar com a fome na Irlanda: os pais passarem a cozinhar os filhos. Por outro lado, disse, muito a sério, que mais vale uma ignorância total do que um teor muito residual de conhecimento O humor negro usei-o sobretudo no título do meu texto. Peço pois o favor e a gentileza de me não atirarem com Salazar ao caminho. Esse não se importava nada com a ignorância total, para muitos, e o conhecimento residual para o resto.
Eugénio Lisboa

Alberto disse...

Eu sou pelos indivíduos com alto teor de conhecimento. O anónimo que escreveu "E se não poderdes fazer deles santos" devia ter escrito "E se não puderdes fazer deles santos".

Helena Damião disse...

Prezado Leitor, as democracias deveriam pugnar precisamente por isso: por se conseguir que as pessoas tivessem, como diz, um "alto teor de conhecimento", mas guiado por valores éticos. Daí serem tao incompreensíveis certos discursos, bem aceites em democracia, e tao desconcertantes as praticas a que conduzem. Cumprimentos, MHD

Anónimo disse...

Prezada MHD, outro guru da confraria dos altos conhecimentos, além de Eugénio Lisboa, é António Barreto, que advogou aqui que "o Ensino Superior não dever ser um direito, pelo seu custo".
Pelo destaque que a sra. Professora, tem dado a este personagem, é de admitir que concarda com isso, ou pelo menos que deve ser considerado pessoa justa.
E concordando com isso, deve compreender que V. não é uma voz autorizada para falar em nome da democracia.
É antidemocrático dizer que o ensino superior nao é um direito, pelo custo.

Anónimo disse...

Ó ALBERTO, tu que és pelos indivíduos de altos conhecimentos, tu por eles foste abandonado... mas deixa lá que o ignorante vai te salvar:
Primeiro, trata-se de uma citação do Salazar pelo que o anónimo não tem que alterar.
Segundo, além do mais não é incorreto o uso da palavra "poderdes" (investiga para perceberes o porquê).
ALBERTO votos de boa sorte no clube dos indivíduos de altos conhecimentos.

Helena Damião disse...

Prezado Anónimo que escreveu em 13 de fevereiro de 2023 às 17:37, nao sei se percebi bem o sentido do seu comentário: sugere que devamos "dar voz", como agora se diz, publicar, ouvir, ler, etc. apenas é só quem defende o que defendemos? Esse princípio é, como bem explicou Karl Popper, devastador de uma sociedade plural, aberta. Mas, como disse, posso ter entendido mal as suas palavras. Cordialmente, MHD

Anónimo disse...

Também acho que este debate não tem qualquer interesse, sobretudo quando visitado pelo anónimo do verbete anterior, que vem dar razão a Cícero, o qual recomendava ironicamente o insulto, quando faltam os argumentos. Gostava de saber em que local, alguma vez, me intitulei de sábio ou mesmo o sugeri.. Mas é infelizmente fácil, mesmo a um não sábio, descodificar a ignorância, quando ela é tão notoriamente patente e atrevida, como a que se exibe, com despudor, nas redes sociais. E é importante combatê-la, porque é nefasta e desorienta quem a frequenta. Se eu fosse maldoso, deduziria, das palavras do verbete anterior,, que o seu autor se sentiu atingido. É um bom sinal, depararmos com a possibilidade da nossa ignorância. É um bom começo. Por mim, assusta-me, na minha já avançada idade, a imensidão do que não sei e devia saber. Mas a diferença entre mim e um ignorante é que eu sei que o sou e ele não sabe que é . E esta diferença faz tudo.
Eugénio Lisboa

Anónimo disse...

É portanto a sua pujante ignorância que lhe permite distinguir-se do ignorante. Ou seja, a sua ignorância é ´sábia´. Parabéns, ó autointitulado, distingue-se da ralé por uma ignorància de élite. Muito fixe.

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