Por Eugénio Lisboa
Há livros que são interessantes.
Há livros que são instrutivos.
Há livros que são importantes.
Há livros que nos deliciam, porque nos dão uma visão cândida da vida, numa escrita ágil, viva, culta, matreira, inovadora, mas despretensiosa e atraente.
Há livros que nos enriquecem e nos entretêm, ao mesmo tempo, e não têm vergonha de o fazer. Há livros que não gostam de ser chatos e por isso não são chatos.
Há livros que nos falam de lugares que muito bem conhecem e de que outros livros falam sem os conhecer, não sabendo portanto do que falam.
Há livros que, mal acabados de ler, nos apetece logo recomendar urbi et orbi.
Este livro que aqui vos trago – CRÓNICA DE ÁFRICA – é isto tudo e mais alguma coisa em que não reparei.
É aquilo que um livro deve ser para ser um livro procurado, lido e recomendado.
É um daqueles livros que ensinam o gosto de ler, além de ensinarem um número prodigioso de outras coisas.
É um livro em que o autor diz que teve uma infância e adolescência felizes, em lugares onde é costume as pessoas mentirem, dizendo que foram ali muito infelizes, porque é isso que se DEVE dizer.
É um livro em que o autor consegue não ser reacionário e, ao mesmo tempo, não ser mentiroso.
É um autor a quem a vasta leitura e cultura não entupiram. Que gosta de dizer o que viu, o que fez e o que viveu, sem cuidar muito do que se espera que ele diga, para maior conforto de todos os hipocondríacos da literatura.
E é o autor de um livro, tão divertido como a TORTILLA FLAT, obra por ele citada com o carinho que temos pelas coisas gostosas. Um autor que viveu com pretos, nos musseques de Luanda (como eu vivi com pretos, no Xipamanine, de Lourenço Marques), que brincou com pretos, de quem ficou amigo (como eu) e que até teve um pai (como eu), que não era racista nem colonialista.
Sim, porque houve gente desta em Angola e Moçambique, como houve muito capitalista, racista e colonialista que viveu confortavelmente em Lisboa, Leiria, Viseu ou Porto, sem nunca ter ido experimentar o cheirinho africano.
Dizer estas coisas até não costuma render em nenhuma das frentes em que se colectam esses rendimentos. Mas eu gosto de as dizer, até porque nasci em Moçambique, onde deixei muitos amigos e o patrocínio de um prémio literário, e, sendo moçambicano, de nascimento, faço como eles, de quem costumávamos dizer que “o moçambicano não tem ronha”. Não ter ronha é não dizer hipocritamente que não existiram certas coisas que realmente existiram.
Este livro de Manuel Fonseca é um livro de alguém que sabe não ser ingrato para com um continente onde teve uma infância e adolescência gostosas, onde viu coisas esplendorosas e coisas feiíssimas que o colonialismo produziu, sem esquecer, sendo embora discreto, as coisas igualmente feias que a independência trouxe. Porque trouxe, porque muito da elite independentista matou à toa e saqueou despudoradamente os cofres da nação (isto sou eu que digo e não o autor desta saborosa CRÓNICA DE ÁFRICA).
Recomendo, pois, este livro, porque é uma esbeltíssima narrativa, um documento precioso de um lugar e de uma época e porque, encarando a realidade com destemor, nada escondendo, não é um livro hipocondríaco nem hipocritamente autoflagelador. É um daqueles livros raros, dos quais, após a leitura, apetece dizer o que dizia Montherlant dos livros da grande Colette: “C’est ça!”
Neste recomendável livro encontrei um único erro: quando Manuel Fonseca faz um comovente elogio ao seu Liceu Salvador Correia de Sá, considerando-o o melhor Liceu do mundo, vejo-me obrigado a corrigi-lo, visto que é do conhecimento universal que o melhor Liceu do mundo foi o Liceu que frequentei em Lourenço Marques – o Liceu desafortunadamente apelidado de Liceu Salazar. Mais: é também sabido que o segundo melhor, tenha ele sido qual fosse, ficou a grande distância do melhor.
Perdoe-me o meu amigo, autor deste belíssimo livro, corrigir este lapso mínimo. Bairrismo com bairrismo se paga!
Eugénio Lisboa
1 comentário:
Um livro que me transportou à terra onde ele e eu vivemos e onde fomos muito felizes!
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