segunda-feira, 1 de abril de 2019

LEONARDO: CIÊNCIA E ENGENHO



Meu artigo saiu no n.º 1 da VISÃO - BIOGRAFIA:

Para o historiador inglês David Wootton em A Invenção da Ciência,a ciência moderna foi inventada entre 1572, quando Tycho Brahe avistou uma nova estrela (uma supernova) e 1704, quando Newton publicou a sua Óptica, onde demonstrava que a luz branca é composta por luz de todas as cores do arco-íris.” No meio está Galileu, que em 1609 observou pela primeira vez o céu com o telescópio. E, muito antes de Galileu, está Leonardo da Vinci (1452 - 1519). Por ter sido extremamente multifacetado – além de artista, foi engenheiro, inventor, arquitecto e cientista, que se multiplicou por áreas como a física, a botânica e a anatomia – ele é considerado um modelo inigualável do homem do Renascimento.

Tendo nascido 112 anos antes de Galileu, Leonardo foi um precursor da ciência moderna. A observação e a experimentação, duas das componentes do método científico, estão omnipresentes nos seus livros de apontamentos, dos quais só um quarto chegou até nós e que não vieram a lume em vida do autor. Eles mostram o artista, o cientista e o engenheiro. O seu olho era de uma precisão incrível, como revelam os desenhos e as notas nesses livros. Com a sua perícia experimental, Leonardo bem poderia ter sido um Galileu prematuro. Mas faltou-lhe a terceira e não menos importante componente do método científico, o raciocínio teórico. De facto, Leonardo, que se considerava um “homem sem letras,” só na maturidade se dedicou a aprender matemática, tarefa em que foi ajudado por Frei Luca Pacioli, autor de A Divina Proporção (1509). A sua matemática era sobretudo a geometria e não tanto os números. Quando Leonardo se apercebeu do poder da matemática, vislumbrou o poder da ciência. Escreveu no Tratado da Pintura, só publicado em 1651: “Nenhuma investigação humana pode ser considerada verdadeira ciência se não for capaz de uma demonstração matemática. Se se diz que as ciências que começam e terminam na mente são genuínas, tal não é aceite e é negado por muitos motivos e principalmente porque o teste da experiência se encontra ausente destes exercícios da mente e sem ele nada pode ser certo.” Esta crítica a Aristóteles, muito antes de Galileu, é de uma modernidade extraordinária. Leonardo chegou ao método da ciência, só não a exerceu de modo sistemático. Mas, em contrapartida, foi ímpar na engenharia.

A geometria serviu a Leonardo tanto na arte (vejam-se os seus sólidos platónicos na Divina Proporção ou o “homem de Vitrúvio”, já para não falar da sua pintura, escassa, mas superlativa) como na ciência e engenharia. Nos dois domínios serviu com igual eficiência, num tempo que não era de “duas culturas” como hoje, mas de uma só. De facto, tendo a arte do Renascimento explodido no início do século XV com a descoberta da perspectiva, a técnica de representar o espaço tridimensional num plano, tanto as pinturas de Leonardo como as suas representações naturais e os desenhos mecânicos  mostram como ele dominava na perfeição a perspectiva: por exemplo, um torniquete do Codex Atlanticus (1478-1519) parece um desenho assistido por computador (CAD), dos que se fazem hoje (Fig. 1). Graças à precisão dos seus esboços foi possível fabricar réplicas funcionais de alguns engenhos, que têm sido admiradas em exposições internacionais, como as que já estiveram em Lisboa e Porto.

Os desenhos de máquinas proliferam nos cadernos de Leonardo. Algumas são máquinas voadoras, como o parafuso aéreo que faz lembrar um helicóptero. Outras são máquinas de guerra, como um carro armado que faz lembrar um blindado, outras são máquinas hidráulicas, como uma ponte giratória, outras são máquinas mecânicas, como um guindaste para escavar canais, outras são máquinas para espectáculos teatrais, como um carro autopropulsado, e outras ainda são máquinas musicais, como um tambor mecânico.
O parafuso aéreo não poderia voar, mas Leonardo concebeu uma máquina, baseada no voo dos animais, que talvez pudesse. Leonardo observou cuidadosamente as aves para estudar o seu voo, como mostra o seu Codex sobre o Voo dos Pássaros (1505). e dar ases ao homem.  Partiu para esse projecto de homem-pássaro como um discípulo da experiência: “a minha intenção é consultar em primeiro lugar a experiência e só depois pelo raciocínio mostrar como essa experiência tem de funcionar”. Usando a referida máquina o homem poderia, segundo o visionário engenheiro, voar alto. Tal como muitas outras, essa máquina não foi construída na época, mas o sonho de voar cumprir-se-ia.
Einstein disse que o seu maior dom era a “curiosidade apaixonada”. A curiosidade de Leonardo não era inferior à de Einstein. Einstein disse também que a “imaginação era mais importante do que o conhecimento.” Leonardo já sabia isso, pois deixou voar a sua imaginação. Ao observar com rigor a Natureza e ao descortinar nela padrões descolava para analogias surpreendentes. Para ele, se um pássaro era uma máquina, uma máquina poderia ser um pássaro. Nos dias da robótica, alguns descendentes de Leonardo defendem que, se um homem é uma máquina, uma máquina pode ser um homem. Ontem como hoje a imaginação continua a voar.

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