"O tempo em que o outro existia passou.
O outro como um mistério, o outro como sedução, o outro como eros,
o outro como desejo, o outro como inferno, o outro como dor (...).
Hoje, a negatividade do outro dá lugar à positividade do idêntico.
A pressão destrutiva não provém do outro, provém do interior.
A depressão como pressão interna desenvolve a auto-agressão.
A expulsão do outro põe em marcha um processo destrutivo
totalmente diferente: a auto-destruição".
Byung-Chul Han, 2017, p. 9 (aqui)
Num livro publicado há quase dois anos (2017), em Espanha e em Portugal, Byung-Chul Han continua a sua reflexão sobre a (con)vivência na contemporaneidade, que se tornou global (ver aqui e aqui). Assenta substancialmente essa reflexão nos filósofos alemães clássicos, que tem estudado e que o levaram a deixar a Coreia do Sul, de onde é natural.
Sendo a relação eu-outro(s) a essência de todo o acto educativo, incluindo o escolar, a leitura deste breve ensaio só pode causar inquietação.
Perguntamos com o autor: no auge do neo-liberalismo, potenciador da hipercomunicação, da hipervisibilidade, da hiperprodução, e do hiperconsumo, que lugar fica reservado para a fala e para a escuta, que concretiza, em grande medida, essa relação?
Escutar tem sido, até mais do que falar, uma atitude proscrita na "narrativa" da educação escolar do século XXI, sobretudo se solicitada ao aluno, torna-o "passivo", diz-se.
O aluno cansa-se e desmotiva-se quando tem de ouvir o professor, tanto mais se a sua fala transporta conhecimento. Por seu lado, o professor deve ouvir o aluno quando quer falar e deve levá-lo a falar, porque ele tem algo a dizer sobre o que descobre, o que lhe interessa.
No capítulo com o título "Escuta", há uma passagem particularmente interessante sobre a atitude de "escuta":
"Escutar não é um acto passivo. Caracteriza-se por uma actividade particular. Primeiro, tenho de dar as boas-vindas ao outro, quer dizer, tenho de reconhecer o outro na sua alteridade. Logo, atendo ao que diz. Escutar é um prestar, é dar, é um dom. É o único que ajuda o outro a falar. Não segue passivamente o discurso do outro. Em certo sentido, a escuta antecede a fala. A escuta convida o outro a falar, libertando-o para a sua alteridade. O ouvinte é uma caixa de ressonância na qual o outro, ao falar, se vai libertando" (pp. 113 e 114 da edição espanhola).
Há um imperativo ético na escuta: dar ao outro a possibilidade de falar. E acrescento, para que o eu possa também falar e seja escutado. Esta é, sempre foi, a matriz da relação pedagógica, com o conhecimento a dar-lhe substância. É essa matriz que se tem quebrado noutros momentos e se vê mais uma vez quebrada.
Quando se retira o conhecimento dessa matriz, alegando-se que está algures na internet, no google, retira-se o sentido e a especificidade da fala e da escuta na escola, tanto de professores como de alunos. Quando não se ensina a atitude da escuta e da fala resta deixar as crianças e os jovens abandonados à "totalização do eu, do tempo do eu" e da "uniformidade e uniformização da comunidade do gosto (like)".
Perguntamos com o autor: no auge do neo-liberalismo, potenciador da hipercomunicação, da hipervisibilidade, da hiperprodução, e do hiperconsumo, que lugar fica reservado para a fala e para a escuta, que concretiza, em grande medida, essa relação?
Escutar tem sido, até mais do que falar, uma atitude proscrita na "narrativa" da educação escolar do século XXI, sobretudo se solicitada ao aluno, torna-o "passivo", diz-se.
O aluno cansa-se e desmotiva-se quando tem de ouvir o professor, tanto mais se a sua fala transporta conhecimento. Por seu lado, o professor deve ouvir o aluno quando quer falar e deve levá-lo a falar, porque ele tem algo a dizer sobre o que descobre, o que lhe interessa.
No capítulo com o título "Escuta", há uma passagem particularmente interessante sobre a atitude de "escuta":
"Escutar não é um acto passivo. Caracteriza-se por uma actividade particular. Primeiro, tenho de dar as boas-vindas ao outro, quer dizer, tenho de reconhecer o outro na sua alteridade. Logo, atendo ao que diz. Escutar é um prestar, é dar, é um dom. É o único que ajuda o outro a falar. Não segue passivamente o discurso do outro. Em certo sentido, a escuta antecede a fala. A escuta convida o outro a falar, libertando-o para a sua alteridade. O ouvinte é uma caixa de ressonância na qual o outro, ao falar, se vai libertando" (pp. 113 e 114 da edição espanhola).
Há um imperativo ético na escuta: dar ao outro a possibilidade de falar. E acrescento, para que o eu possa também falar e seja escutado. Esta é, sempre foi, a matriz da relação pedagógica, com o conhecimento a dar-lhe substância. É essa matriz que se tem quebrado noutros momentos e se vê mais uma vez quebrada.
Quando se retira o conhecimento dessa matriz, alegando-se que está algures na internet, no google, retira-se o sentido e a especificidade da fala e da escuta na escola, tanto de professores como de alunos. Quando não se ensina a atitude da escuta e da fala resta deixar as crianças e os jovens abandonados à "totalização do eu, do tempo do eu" e da "uniformidade e uniformização da comunidade do gosto (like)".
5 comentários:
Vem a propósito o que escreve Lamberto Maffei no seu recente livro "Elogio da Palavra": "... a tarefa principal da escola continua a ser a de preparar cidadãos com espírito crítico além de cidadãos informados, conscientes do seu direito de usar a palavra para exprimir o seu pensamento num debate civil com o pensamento dos colegas. A sala de aula é o ginásio ideal para desenvolver esta consciência" E, mais adiante, continua " ... o pensamento deve ser formado e cuidado na escola, na escola da palavra." "Só a escola pode ensinar que falar, discutir, abrir-se ao debate de ideias, revoltar-se pacificamente deve ser fruto da razão e não apenas da zanga."
A falar é que a gente se entende!...
Atualmente, o papel fundamental do emissor (professor), no processo de comunicação em contexto de sala de aula, está completamente desacreditado pelos grandes teóricos do eduquês em Portugal. Eles defendem, num discurso eivado de neologismos incongruentes, que os alunos não devem escutar atentamente as lições do professor, porque isso os transformaria nuns seres passivos e sem espírito crítico. Mesmo admitindo que o conhecimento necessário na escola está todo na internet, quando o aluno interage com a máquina nunca está a falar diretamente com uma pessoa, mas a falar é que a gente se entende...
Para haver escola, nem os professores podem ser absolutamente iguais aos alunos, nem estes podem ser todos iguais entre si. A escola faz-se com uns e com outros!
A escola nada mais é do que um armazém com o caos em prateleiras cada vez maiores e mais altas...
E esta plena impunidade da reinvenção do desmembrado Pinóquio é desenvolvimento e liberdade.
Falta-nos a capacidade de zanga e, sem tal, continuaremos, assim, razoáveis, até aos 69 anos... com a acéfala democracia do relativismo fundamentalista a enrolhar-nos na "escola da palavra."
Estimado Leitor Anónimo
Subscrevo o que diz com uma excepção: não são apenas (nem principalmente) os "grandes teóricos do eduquês em Portugal" que veiculam as ideias que critica e, no meu entender, bem.
1. Há teóricos das Ciências da Educação (que muitos designam indistintamente como "teóricos do eduquês) a defender tais ideias, mas também há teóricos das Ciências da Educação a defender ideias contrárias. Neste blogue, escrevo como representante das Ciências da Educação, mas incluo-me entre estes últimos.
2. Não são apenas os teóricos das Ciências da Educação a defender tais ideias: empresários, políticos, pais e encarregados de educação, psicólogos, académicos das mais diversas disciplinas e, também, directores de escolas e professores. Isto significa que são muitos os "agentes educativos" da sociedade que defendem tais ideias.
3. O problema da cisão entre os que defendem umas ideias e as ideias contrárias não se restringe a Portugal, é global. Portugal não é, pois, mais nem menos afectado pelas ideias em causa. E isso ainda nos deve preocupar mais.
Cordiais cumprimentos,
Maria Helena Damião
Prezada Isaltina Martins
Não sei se será "só a escola" que "pode ensinar que falar, discutir, abrir-se ao debate de ideias, revoltar-se pacificamente deve ser fruto da razão e não apenas da zanga".
Isto porque muitos que não frequentaram a escola ou que frequentaram uma escola que não ensinava essa atitude conseguiram aprendê-la.
Mas esta nota não retira, de modo algum, importância à escola na perseguição do mencionado propósito, que é um propósito de paz.
A escola é aí absolutamente crucial: mesmo que não consiga concretizar o propósito por inteiro ou não o consiga concretizar de todo em alguns daqueles que a frequentaram, ele constitui uma das razões da sua existência.
E, por isso, não se pode dispensar a relação entre adultos e aqueles que o hão-de ser, focados em conhecimento que potencia o pensamento e forma a consciência, num espaço - a sala de aula como "ginásio ideal para desenvolver esta consciência".
Cordialmente,
Maria Helena Damião
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