Início do meu longo ensaio sobre Leonardo da Vinci no Público de hoje: Para ler o resto vejam por favor o jornal (que agora tem alguns conteúdos, como este, reservados a assinantes):
O Renascimento começou por ser uma revolução na
arte para depois ser uma revolução na ciência. Revolução na arte porque
do mundo plano que aparecia na pintura da Idade Média
passou-se para um mundo tridimensional, proporcionado pela perspectiva. A ciência entrou na arte, pois a perspectiva, a técnica
de representar um mundo cheio de volumes numa folha plana, não é mais
do que um produto da geometria, uma das ciências
mais antigas. Para além disso, a perspectiva implicou também uma mudança conceptual: o ponto de fuga, o sítio para onde é conduzido o olhar no desenho em perspectiva, implica a existência do infinito, uma ideia inquietante
na época.
O palco da dupla revolução foi o norte de Itália. Em 1435, Leon Battista Alberti, um dos primeiros “homens do Renascimento,” teorizou a perspectiva no seu tratado de pintura (Della Pittura). Em 1609, Galileu Galilei desenhou a Lua que
observava na sua luneta, representando um relevo até então desconhecido, isto é, a Lua
não era esférica e perfeita como se dizia,
mas sim rugosa tal como a Terra (Sidereus Nuncius). O olhar humano,
servido pelo telescópio, passou a reconhecer os astros tal como eles verdadeiramente eram e não
como as “autoridades” diziam que eram: a representação visual passou a ter um
papel central na ciência, tal como há muito tinha na arte. Entre Alberti e Galileu, mas
temporalmente mais perto do primeiro, viveu o mais célebre “homem do Renascimento”: Leonardo, natural de Anchiani, em Vinci, na Toscânia (1452-1519).
O triunfo da perspectiva
O livro de Alberti apresentava uma ciência da arte. Para ele, a arte destinava-se a imitar a Natureza, e tal
devia ser feito da forma mais exacta possível. Para o autor, “os
pintores e escultores deveriam tornar as suas obras, para quem as via,
semelhantes aos objectos reais da Natureza”. Para isso a perspectiva era absolutamente
essencial. Leonardo, filho bastardo de um florentino (tal como Alberti),
aprendeu-a quando, aos 15 anos, entrou para a oficina do pintor Andrea del
Verrocchio, em Florença, onde também estagiaram Sandro Botticelli e
Pietro Perugino, por sua vez mestre de Rafael. Se se acrescentar que
Michelangelo, arquirrival de Leonardo, também viveu nessa época e
nessa cidade, será fácil perceber o “síndrome de Stendhal”, experimentado pelo
escritor francês em Florença: a prostração do espectador
diante de uma beleza excessiva.
Uma das primeiras obras de Leonardo, embora apenas
como colaborador do seu mestre, A Anunciação, pintada entre 1472 e 1475 e exposta hoje na
Galleria degli Uffizi, em Florença, ilustra bem a perspectiva nessa altura já prevalecente na
pintura. Um outro exemplo é a famosa Última Ceia, o grande fresco pintado por Leonardo no Convento de Santa Maria delle
Grazie, em Milão, de 1495 a 1498. A fronte de Jesus Cristo está no centro, sendo também o ponto de fuga da composição.
Um terceiro exemplo de boa perspectiva é a famosíssima Mona Lisa, pintada por Leonardo entre 1503 e 1506, hoje no
Louvre, onde uma paisagem natural acidentada serve de fundo ao enigmático sorriso.
(...)
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