domingo, 28 de abril de 2019

LEONARDO DA VINCI: DA CIÊNCIA NA ARTE À ARTE NA CIÊNCIA




Início do meu longo ensaio sobre Leonardo da Vinci no Público de hoje: Para ler o resto vejam por favor o jornal (que agora tem alguns conteúdos, como este, reservados a assinantes):

O Renascimento começou por ser uma revolução na arte para depois ser uma revolução na ciência. Revolução na arte porque do mundo plano que aparecia na pintura da Idade Média passou-se para um mundo tridimensional, proporcionado pela perspectiva. A ciência entrou na arte, pois a perspectiva, a técnica de representar um mundo cheio de volumes numa folha plana, não é mais do que um produto da geometria, uma das ciências mais antigas. Para além disso, a perspectiva implicou também uma mudança conceptual: o ponto de fuga, o sítio para onde é conduzido o olhar no desenho em perspectiva, implica a existência do infinito, uma ideia inquietante na época. 

O palco da dupla revolução foi o norte de Itália. Em 1435,  Leon Battista Alberti, um dos primeiros homens do Renascimento,teorizou a perspectiva no seu tratado de pintura (Della Pittura). Em 1609, Galileu Galilei desenhou a Lua que observava na sua luneta, representando um relevo até então desconhecido, isto é, a Lua não era esférica e perfeita como se dizia, mas sim rugosa tal como a Terra (Sidereus Nuncius). O olhar humano, servido pelo telescópio, passou a reconhecer os astros tal como eles verdadeiramente eram e não como as “autoridades” diziam que eram: a representação visual passou a ter um papel central na ciência, tal como há muito tinha na arte. Entre Alberti e Galileu, mas temporalmente mais perto do primeiro, viveu o mais célebre homem do Renascimento: Leonardo, natural de Anchiani, em Vinci, na Toscânia (1452-1519).

O triunfo da perspectiva

O livro de Alberti apresentava uma ciência da arte. Para ele, a arte destinava-se a imitar a Natureza, e tal devia ser feito da forma mais exacta possível. Para o autor, os pintores e escultores deveriam tornar as suas obras, para quem as via, semelhantes aos objectos reais da Natureza. Para isso a perspectiva era absolutamente essencial. Leonardo, filho bastardo de um florentino (tal como Alberti), aprendeu-a quando, aos 15 anos, entrou para a oficina do pintor Andrea del Verrocchio, em Florença, onde também estagiaram Sandro Botticelli e Pietro Perugino, por sua vez mestre de Rafael. Se se acrescentar que Michelangelo, arquirrival de Leonardo, também viveu nessa época e nessa cidade, será fácil perceber o ndrome de Stendhal, experimentado pelo escritor francês em Florença: a prostração do espectador diante de uma beleza excessiva.

Uma das primeiras obras de Leonardo, embora apenas como colaborador do seu mestre, A Anunciação, pintada entre 1472 e 1475 e exposta hoje na Galleria degli Uffizi, em Florença, ilustra bem a perspectiva nessa altura já prevalecente na pintura. Um outro exemplo é a famosa Última Ceia, o grande fresco pintado por Leonardo no Convento de Santa Maria delle Grazie, em Milão, de 1495 a 1498. A fronte de Jesus Cristo está no centro, sendo também o ponto de fuga da composição. Um terceiro exemplo de boa perspectiva é a famosíssima Mona Lisa, pintada por Leonardo entre 1503 e 1506, hoje no Louvre, onde uma paisagem natural acidentada serve de fundo ao enigmático sorriso.

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