"E Ulisses, existiu? E Homero, existiu? E o Sol, existe? E a lua, existe? E o mar, existe?
Há muitos milhares de anos, um poeta grego, Homero, contou-nos no seu livro Odisseia a história de Ulisses que andava no mar, gostava de Sol, desejava a Lua.
É esta história que eu vos vou contar. Quem conta, é bem certo que acrescenta um ponto. Oh, mas quando eu conto, são tantos os pontos sempre a acrescentar, que mesmo com esforço não conseguiria nunca tais pontos ... bem, todos os pontos contar!" (Ulisses, p.7).
Maria Alberta Menéres, autora das palavras acima reproduzidas, foi professora e escritora. Teve outras actividades profissionais, mas é a partir da sua condição de professora e escritora que deixo o apontamento que se segue.
Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas no início dos anos de 1950, tempo em que a cultural e as línguas clássicas, como componente do currículo escolar começavam a sofrer uma forte e alargada contestação, veiculada por elites da educação, a que se seguiram as políticas, não apenas no contexto internacional, mas também, e em consequência, no contexto nacional.
De qualquer maneira, em Portugal, nessa década e nas seguintes, elas eram estudadas na universidade, nos cursos de Humanidades, e no liceu, na área de Letras. Como bem sabemos, num passado mais recente esta situação alterou-se: a cultural e as línguas clássicas são, agora, residuais, no sistema educativo público, tanto na universidade como no ensino secundário.
Trata-se de uma situação irreversível? Não, se as escolas quiserem que não o seja. Numa política de continuidade, o Ministério da Educação, ao abrigo da figura de "autonomia e flexibilidade curricular", permite que as escolas decidam vinte e cinco por centro do seu currículo, disponibilizando componentes curriculares/projectos que tenham significado no seu contexto.
Ora, nessa margem, podem optar por ofertas verdadeiramente educativas (no sentido de terem o poder para formar os alunos intelectualmente com base em conhecimento substancial) ou por ofertas deseducativas (ainda que sedutoras, oferecidas, ou mais do que isso, por "parceiros" que estão muito longe de serem educativos). Mais: em 2016 o Ministério acolheu a proposta designada por Introdução à Cultura e Línguas Clássicas (aqui) que oferece uma estrutura de base para o trabalho dos professores. E, sim, falamos de uma componente curricular/projecto com significado no contexto dos alunos: a cultura e as línguas clássicas, constituindo uma parte substancial da matriz contemporânea de pensamento, estão, obviamente, entre nós.
Voltando a Maria Alberta Menéres, percebendo isto mesmo, sem dúvida muito melhor do que eu, já perto do final da carreira, como professora singular, colocada na ingrata função de substituta, decidiu levar o Ulisses aos mais miúdos. Nas suas palavras:
(...) a certa altura tinha de fazer aulas de substituição de cada vez que uma professora faltava. E, então, como não eram meus alunos e não os conhecia, comecei a contar o Ulisses e isto durou o ano inteiro. Às tantas, todos queriam ouvir a história e acabei numa sala polivalente enorme a contar o fim. Escrevi-o em cinco dias e foi escrito tal e qual como foi contado. Tem uma grande oralidade, mas resulta muito bem porque as crianças quando o lêem é como se estivessem a ouvir a história. Mas tudo começou de uma tentativa de captar a atenção dos miúdos e fazê-los interessarem-se pelo que estava a contar (in Notícias Magazine, 30 de Maio de 2010).Homenagear Maria Alberta Menéres, como outros nomes que dignificam o ensino, é sobretudo inspirarmo-nos no seu legado, no que fizeram de melhor em prol dos "miúdos".
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Livro citado: Menéres, M.A. (1989). Ulisses. Lisboa: Asa [Ilustrações de Isabel Lobinho].
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