terça-feira, 23 de abril de 2019

Num saudoso tempo em que "a escola era risonha e franca"

(Fachada da Escola Industrial de Lourenço Marques)

Meu artigo de opinião publicado hoje no "Diário as Beiras": 


A saudade é o que faz as coisas pararem no Tempo”. 
Mário Quintana (poeta e jornalista brasileiro)

Em memória de um tempo em que “a escola era risonha e franca” (1.º verso de um poema de Acácio Antunes), escrevi estas sentidas palavras para serem lidas, no passado dia 13 deste mês de Abril, num restaurante repleto de uma centena e tal de antigos alunos da Escola "Industrial Mouzinho de Albuquerque" de Lourenço Marques. Reproduzo-as, na íntegra, em singela homenagem aos alunos que nela se formaram sob o ponto de vista intelectual, físico e moral: 

“Minhas Senhoras e Caros Alunos da Escola Industrial: 
Ameaçado, pelo meu dedicado e bom amigo Godinho, de que teria de vos dirigir a palavra nesta efeméride, embora julgue desenvencilhar-me na palavra escrita, falar em público, ademais em situação emocional, não é bem a minha praia. Mas como dizem os nossos jovens: “bora lá!”. 
Começo por cumprimentar, com muito agrado e respeito, as Senhoras aqui presentes mostrando, contudo, a minha admiração por aturarem, anos a fio, os vossos maridos, os "bons malandro” da nossa saudosa Escola Industrial de Lourenço Marques. 
Aliás, rapaziada ladina e irreverente quanto baste que nada tem a ver, portanto, com o título de um livro de Mário Zambujal, “Crónicas dos bons malandros”, que nos dá conta de estórias de um grupo de amigos que se reuniam por razões nem sempre honestas! 
Depois, envolvo esses “bons malandros” num grande abraço de gratidão por me terem dedicado uma amizade que justifica o facto de não dizerem basta de o convidarmos. Ao contrário, insistindo na minha presença no nosso/vosso convívio anual que começou, qual pequena bola de neve rolando da Serra da Estrela para a Lusa Atenas. 
Reporto-me a um almoço promovido, anos atrás, por quatro alunos da nossa Escola Industrial (Godinho, Adolfo, Carvalhinho e Jack, em ordem de nomes aleatória) que resolveram generosamente presentear-me e honrarem-me em Coimbra, deslocando-se do Norte e Sul de Portugal. Almoço que a vossa persistência transformou numa avalanche de “industriais” aqui presentes! 
Seja-me permitido, apenas, um pequeno reparo. A minha presença justificava que deixasse de ser chamado ao nosso encontro um almoço de cocuanas [velhos respeitáveis ] mas, sim, um repasto de cocuanas e de um mufana [rapaz], que sou eu com os meus 87 anos de idade, a dias, de se transformarem, se Deus quiser, em duas bicicletas, que esse era o nome que os cábulas da minha geração davam aos oitos valores das classificações escolares que, por vezes, mereciam uma palmada (só?) dos nossos progenitores ou o castigo de não ir às matinés de cinema, aos sábados e/ou domingos. 
Afirmou Einstein que o génio possui 1% de inspiração e 99% de transpiração. Parafraseando-o, a vossa amizade por mim tem 1% de razão de ser e 99% de indulgência por eu não feito por vós tanto quanto devia e, apesar disso, ter tido um retorno que muito me comove, tanto que não encontro palavras para dizer quanto! 
Como é meu uso costumeiro, evoco Eça, meu escritor de mezinha de cabeceira de noites insones, pela sua crítica impiedosa aos políticos do seu tempo por si ridicularizados em “As Farpas”. Políticos, ou melhor politiqueiros actuais que tudo fazem para perdurar essa podridão como herança pecaminosa para nossos filhos e netos numa época em que a honestidade se tornou excepção excepcional, passe a redundância! 
Num dos seus livros, a imortal pena queirosiana citou o filósofo francês, Proudhon, que disse que “em todas as decadências o primeiro sintoma é a depravação do sentimento da amizade”. 
A nossa presença nestas reuniões académicas é prova que desse mal não fomos achacados por estarmos vacinados por uma Escola que inculcou, entre docentes e discentes, vírus inactivados de desrespeito e malsã amizade e, porventura, outros valores negativos. 
Finalmente, saúdo-vos estimadíssimos alunos e familiares da nossa gloriosa EIMA, verdadeira génese de gente de excelente cepa aqui reunida, ano após ano! Envolvo todos num abraço “ex corde”!”

3 comentários:

Ildefonso Dias disse...

Professor Rui Baptista, eu no fim de semana de páscoa fui á terra, Serpa... andava eu pelas "portas de Sevilha" e reparo no nome de uma rua, era uma homenagem a um seu natural, inscrito numa placa de pedra, dizia que tinha sido reitor da Universidade de Coimbra, do outro lado, uma outra rua, uma outra placa idêntica, outra homenagem a um outro serpense, também ele tinha a categoria de ter sido igualmente reitor da Universidade de Coimbra... há em Serpa tambem o "Abade", o Abade Correia da Serra, fundador da Academia das Ciéncias de Lisboa... é uma terra com gente ilustre, que hoje já não se "fabrica"... o que não me deixa de ter uma certa inveijazinha de Mértola, pelo seu natural José Sebastião e Silva.
No domingo, o cortejo histórico e etnográfico, sempre com o desfile de, a alusão à "Geracão de 70" e "Vencidos da Vida"(1887-1894) - Eca de Queirós apartir de 1889.

Ao ler o seu post, e o significado do que foi a Escola e o que é no presente, atrevo-me a ver nele um sentimento de renuncia, tal como a do grupo "Vencidos da Vida".


Cordialmente,

Rui Baptista disse...

Prezado Engenheiro Ildefonso Dias:

Admirador incondicional de Eça de Queiroz, por sem a verrina de camiliana, ter farpeado como ele próprio escreveu, a "Velha Tolice Humana que tem cabeça de touro” . Na sua monumental obra “As Farpas”, escrita em conjunto com Ramalho, revemos o passado transposto para este princípio de século.

Aliás, eu, seu leitor dedicado, tanto ou mais que um benfiquista fanático pelo seu "Glorioso", foi com agrado que, uma vez , acerca disso, um conceituado crítico literário, meu estimado amigo, disse-me que a minha escrita acusava influência queirosiana.

Perante o caos que se instalou no ensino os homens com espírito crítico sentem-se como que "Vencidos da Vida", sem nada poderem fazer, que não seja não pactuar com este estado de coisas. E com tantos talentos que têm passado pela pasta da Educação, evoco o autor de “Os Maias” que, perante o descalabro da educação do seu tempo, com a elegância de quem prefere o florete à espada, fez a seguinte proposta: ”Como os talentos sempre falham, experimentem-se uma vez os imbecis”. Mas mesmo esses têm hoje falhado, como prova a entrada e saída de ministros tidos por talentosos que se deixam enredar pela mediocridade contagiosa da 5 de Outubro.

Obrigado, portanto, pelo seu comentário numa época em que os indivíduos estão, cada vez mais, acomodados a um silêncio conveniente que lhes possa garantir um lugar no meio dos poderosos habituados aos aplausos de quem quer subir na vida à custa de um silêncio cúmplice, de preferência, emoldurado com um vistoso diploma com o “imprimatur” do Estado ou a duvidosa chancela de ensino privado.

E se for um lugar de deputado será ouro sobre azul, pese embora o “sacrifício” de dádiva à “res publica” que isso implica!

Rui Baptista disse...

Na 1.ªlinha do 1.º § do meu comentário anterior, onde escrevi "verrina de camiliana", corrijo: verrina camiliana.

"A escola pública está em apuros"

Por Isaltina Martins e Maria Helena Damião   Cristiana Gaspar, Professora de História no sistema de ensino público e doutoranda em educação,...