"Entre 2007 e
2009, a enfermeira aposentada e reikiana Zilda Alarcão conduziu um projeto de
investigação no Hospital de S. João do Porto, intitulado “O Impacto da Terapia de Reiki na
Qualidade de Vida dos Doentes Hemato-Oncológicos”, no qual participaram 100
pacientes, divididos em dois grupos, um integrando doentes submetidos àquela terapia complementar e os
restantes num grupo de controle. Ou, na terminologia da autora, “Reiki verdadeiro” e “Reiki placebo”. Mais tarde, um research
paper foi publicado
no European Journal of Integrative Medicine, em 2015, mas o estudo teve eco na
comunicação social portuguesa na altura inicial da divulgação dos seus
resultados, em 2011. De acordo com as notícias de então: “A investigação comprovou que os
pacientes que recebiam Reiki duas vezes por semana tinham maior qualidade de
vida do que os que não eram tratados com esta terapia” e “as conclusões do estudo e a vontade
dos doentes levaram a que a administração aprovasse a continuação da aplicação
da terapia por profissionais de saúde, em regime de voluntariado, no hospital”.
Para Zilda Alarcão, então citada, “O terapeuta, ao permitir que a energia flua no ser humano irá
diminuir a ansiedade, o sofrimento, a dor, a fadiga e todos os estados de
dependência física.
Favorece os sentimentos positivos, o sono e repouso, a concentração e
aprendizagem e valoriza a autoestima”. Por seu lado, Fátima Ferreira,
hematologista no mesmo hospital e à época presidente da Associação de Apoio aos Doentes com
Leucemia e Linfoma, declarou à Agência Lusa, no decurso de uma mesa-redonda sobre o tema “Contributo
da medicina holística no
tratamento dos doentes hemato-oncológicos — Reiki, uma resposta credível” que
“os doentes que se
submeteram a esta terapia complementar conseguiram ultrapassar melhor do que os
outros os aspetos, quer fisiológicos quer psíquicos, da situação em si”. Fátima
Ferreira referiu ainda que estudos efetuados demonstraram que “os ratos com cancro submetidos a
Reiki obtiveram também uma melhoria da imunidade celular”. Como tal, considerou que “existem algumas evidências
científicas
experimentais que nos dizem que o Reiki pode ser benéfico. Tudo isto ainda não
está cem por cento
experimentado, mas há evidências nesse sentido e há o testemunho dos doentes”.
Após uma análise conjunta do mencionado research
paper, e respondendo
a uma solicitação do autor deste livro, os cientistas e ensaístas Carlos
Fiolhais e David Marçal teceram severas críticas ao seu conteúdo. Concluem os
investigadores que se trata “apenas de um ensaio clínico com uma amostra bastante pequena
(total de 100 pacientes). Independentemente dos seus resultados, nunca seria,
por si só, suficiente para tirar qualquer conclusão substancial acerca da eficácia
de um tratamento. Existem muitos artigos científicos que estão, pura e
simplesmente, errados, não necessariamente por má-fé, mas sim por insuficiências metodológicas ou outros erros involuntários.
Para se ter confiança na eficácia e segurança de qualquer tratamento é preciso muito mais do que um ensaio
clínico com uma amostra de 100 pacientes. São precisos vários, de preferência realizados por grupos de
investigação independentes, com amostras bem maiores. Têm de ter uma certa qualidade metodológica e ser analisados conjuntamente
em revisões sistemáticas da literatura médica e meta-análises de dados”.
Segundo ambos
os cientistas: “O
artigo aqui discutido está muito longe, ‘a anos-luz’, de, por
si só, justificar a eficácia
do tratamento descrito. Num contexto de medicina baseada na ciência não basta,
por si só, para fazer
aprovar pelas autoridades de saúde um tratamento de medicina convencional. Além disso, o artigo foi publicado numa
revista especializada em combinar medicinas alternativas com medicina
convencional, que tem um factor de impacto de apenas 0,769. Isto significa que
cada artigo publicado nesta revista é citado, em média, menos do que uma vez. Ou seja, é uma revista não muito influente na
comunidade científica. Mais do que isso: uma revista sem grande credibilidade.
Boa parte da bibliografia citada no artigo, e que apoia as suas ideias
centrais, é também publicada em revistas “de
nicho” das terapias
alternativas (Complementary Therapies in Clinical Practice, Holistic
Nursing Practice)”.
Quanto às cura pela imposição das mãos, Fiolhais e Marçal consideram
que “A introdução do
artigo menciona um processo de healing (cura). Neste processo, as mãos do
curandeiro são colocadas a alguns centímetros do corpo do paciente, de modo a ‘harmonizar
o bem-estar físico, emocional, mental e espiritual’. Este conceito, apesar de
ser sustentado com uma serie de citações de revistas no campo, repetimos um
campo “de nicho”, das
teorias alternativas, não passa de uma ideia da medicina pré-científica. Mas não nos cabe a nós demonstrar a sua inexistência. A ciência funciona ao contrário, cabe aos
seus proponentes apresentar provas da sua existência”.
“De
facto, os seres humanos e os outros seres vivos são ‘máquinas eléctricas’, isto é, são feitos de partículas
carregadas, muitas delas em movimento (como no sistema nervoso), existindo
naturalmente campos eléctricos e magnéticos, de fraca intensidade, em volta dessas cargas. Por exemplo, o corpo
humano é emissor
de ondas infravermelhas (o corpo é quente!). Mas a afirmação de que ‘os órgãos pulsam a certas frequências’ carece de conteúdo: não indica que órgãos e que frequências. E, de resto, não
há qualquer associação
provada entre mudanças de frequências de órgãos, seja lá o que isto for, e doenças desses órgãos. Muitos defensores de medicinas
alternativas falam de energia e até de aura em torno do corpo humano, mas usam palavras da física
fora do contexto para designar conceitos, ou vazios ou, quando concretos, bem
conhecidos. O Reiki, por exemplo, usa e abusa da palavra energia, mas quase
nunca indica quantidades de energia. Ora a energia é uma grandeza física
que pode ser medida: a unidade no SI é o ‘Joule’ e não encontramos valores
nessa ou noutra unidade em escritos sobre o Reiki. Os campos electromagnéticos também têm unidades, que também nunca são referidas. Tudo é apresentado de uma forma vaga”.
Mais ainda, consideram que “O estudo não é de facto duplamente cego, uma vez que
os terapeutas sabem que estão a fazer Reiki ou Sham Reiki, ao contrário do que
afirmam os autores. A abordagem é aparentemente inspirada na que é usada para fazer ensaios clínicos de
acupunctura, em que são usadas agulhas retrácteis que simulam a inserção na
pele. Parece à primeira
vista razoável, no caso de as pessoas que avaliam a condição clínica do
paciente não saberem em que grupo estão os pacientes. Neste caso, trata-se de
uma auto-avaliação, feita através das respostas dos pacientes a um conjunto de questionários
acerca da sua percepção de qualidade de vida.
Mas o que é Sham Reiki? Ao contrário do método correspondente usado pela
acupunctura, bem descrito na literatura, os autores nada esclarecem sobre o
Sham Reiki. Apenas dizem que as sessões de Reiki são aplicadas por ‘Mestres
Reiki’ e que as sessões
de Sham Reiki são realizadas por pessoas sem qualquer formação em Reiki. Não
sabemos, por exemplo, se os mesmos procedimentos são aplicados nos dois tipos
de sessões, se os imitadores de Reiki de alguma forma simulam todos os
procedimentos dos ‘Mestres Reiki’. De uma certa forma, o que se está a comparar é o efeito de um grupo de ‘curandeiros’
com um outro grupo, mal definido, sendo que um dos grupos é presumivelmente bem mais experiente e
convincente do que o outro naquilo que está a fazer. Mesmo que haja uma
diferença significativa neste ensaio na percepção de bem-estar dos pacientes
nos dois grupos, isso pode simplesmente dever-se ao facto de os Mestres Reiki
serem mais eficazes a induzirem uma sensação de bem-estar nos pacientes, e não
a qualquer outra explicação do domínio mais esotérico. Ou seja, está-se a comparar um
efeito placebo com outro. E sabe-se bem que os placebos não
são todos iguais.
Os autores
referem que o hospital onde trabalham, face aos resultados do estudo que
apresentam, resolveu incorporar o Reiki na sua oferta terapêutica. Esta decisão, face à literatura publicada (incluindo o
estudo aqui discutido), não tem qualquer fundamento científico e parece
inadequada. O facto de um hospital adoptar um tratamento sem fundamento científico não é prova de que esse fundamento exista.
É do senso comum que as pessoas se sentem melhor se se sentirem mais cuidadas e
tiverem mais atenção. Mas isso não significa que a ‘magia’ do Reiki funcione. É natural que
portadores de uma doença grave sejam particularmente sensíveis a cuidados que
recebem, qualquer que seja o tipo desses contactos”, concluem os cientistas no
seu parecer."
João Villalobos
4 comentários:
Não é objeto de estudo das ciências físicas investigar se a conversão ao cristianismo conduz os fiéis a um estado de felicidade plena. O estudo do amor platónico também ainda está fora do âmbito das ciências físicas. Se se verificar que o reiki, podendo ter efeitos benéficos para o bem estar dos doentes, nunca prejudica a saúde, não me repugna, enquanto cidadão com formação científica, que seja adotado como "tratamento" nos hospitais, independentemente de ter ou não validação das ciências exatas. Já agora, a talho de foice, será que a Psiquiatria é uma ciência exata?
Se o reiki fosse adoptado juntamente com os tratamentos médicos, então tudo bem, se os pacientes se sentem melhor desse modo e não interfere com a saúde, não vejo porque não.
O problema é adoptar o reiki EM VEZ de outros tratamentos, o que já não é aceitável se não estiver comprovado que o reiki é benéfico.
Nunca se falou de usar EM VEZ de. É dito no curso/iniciação de Reiki, que não substitui os tratamentos médicos. Pode ajudar na sua eficácia e no alívio de sintomas.
Não me repugna nada que seja usado como tratamento COMPLEMENTAR. Se as pessoas dizem que se sentem melhor porque não? Não só reiki mas tudo o que faça as pessoas sentirem-se melhor. Mas isso não é medicina alternativa que não existe: a medicina é só uma.
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