domingo, 1 de outubro de 2017

Entrevista na revista do Círculo de Leitores sobre as Obras Pioneiras

Excerto da entrevista que, com José Eduardo Franco, dei à revista do Círculo de Leitores (CL) sobre as Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa:

CL- Houve uma clara preocupação em incluir na produção cultural portuguesa a ciência.

 CF- A ciência faz parte da cultura. Acontece ainda que os Descobrimentos Portugueses dos séculos XV e XVI constituíram um prelúdio da Revolução Científica, que se deu no século XVII, com Galileu, Newton e outros grandes nomes. No empreendimento marítimo dos portugueses, que pode ser considerado uma primeira globalização, estavam já presentes a observação e a experiência, fundadas na curiosidade, que haveriam de presidir à Revolução Científica. Os portugueses encontraram novas terras, novas espécie minerais, zoológicas e botânicas e novas gente, com culturas assaz distintas, e souberam reportar, por vezes de forma muito pormenorizada, o que viram e o que viveram. Por outro lado, alguns instrumentos científicos introduzidos por cientistas seiscentistas, como o telescópio e o relógio mecânico, foram introduzidos na Índia, na China e no Japão pelos navegadores lusos. O mesmo se passou com conhecimentos matemáticos, astronómicos e físicos do Ocidente, que foram nalguns casos traduzidos para línguas orientais. Mais tarde, no Iluminismo, ocorreu em Portugal uma ressuscitação da Ciência. E foi nessa altura que foram escritos em portugueses os primeiros tratados de anatomia, de física, de química e de engenharia, que não estavam muito desfasados de obras similares que então surgiram noutras línguas nacionais. Nas Obras Pioneiras procurámos que as várias disciplinas científicas aparecessem em conjunto com outros ramos da cultura, como a literatura e outras artes.

 CL- Pensava no exemplo de Andrada e Silva, naturalista e poeta, que se chegou a cruzar com Humboldt. Poderíamos dizer que ele foi um percursor da Ecologia?

 CF- Andrade e Silva é precisamente um grande espírito do Iluminismo. Nascido no Brasil, após estudos de direito de filosofia natural na Universidade de Coimbra, fez uma prolongada viagem na Europa, em particular à Alemanha, onde fez amizade com o mais tarde lendário Humboldt. Talvez por influência de Humboldt, Andrada e Silva foi o introdutor em 1815 da palavra tecnologia na língua portuguesa.  Foi também ele que escreveu a primeira obra de silvicultura em Portugal e também a primeira obra de ecologia, uma palavra só surgida mais tarde, na medida em que defende um desenvolvimento harmonioso da economia geral da Natureza.

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