sexta-feira, 6 de outubro de 2017

AUTÁRQUICAS EM COIMBRA: BALANÇO FINAL

Houve duas candidaturas vitoriosas à Câmara Municipal de Coimbra: a do PS (35,5%), ficando em primeiro lugar e mantendo o resultado o anterior,  e a dos Somos Coimbra (16,1%), um movimento independente formado há poucos meses. Todos os outros perderam: o PSD/CDS (a coligação Mais Coimbra abrangia mais dois pequenos partidos, o PPM e MPT) teve 26,6%  caindo relativamente ao resultado anterior (PSD e CDS juntos tiveram menos do que  o PSD sozinho, 29,7%), o PCP (integrado na CDU juntamente com os Verdes) que teve 8,3%, caindo em relação ao resultado anterior (11,1%) e os Cidadãos por Coimbra (na verdade, o Bloco de Esquerda) que só teve 7,0%, não conseguindo reeleger o único vereador que tinham. O PS e o PCP conseguem manter os vereadores  que tinham (5 e 1 respectivamente), ao passo que o Somos Coimbra ganha dois vereadores, subtraídos na prática ao PPD/CDS e aos Cidadãos por Coimbra.  Estes resultados são provisórios, pois está a haver uma recontagem, pedida pelos Cidadãos que ficaram a 48 votos de terem um vereador em detrimento do PS. Há que reconhecer que Jorge Gouveia Monteiro (nº 1 dos Cidadãos) está mais bem preparado do que Carina Gomes (a n.º 5 do PS e com um desempenho fraco na cultura) para ser vereador e que, de resto,  a cidade ganharia com a maior pluralidade na Câmara.

Qual será o governo da Câmara: provavelmente uma aliança PS-PCP, como até agora, embora António Costa tenha mandado parar quaisquer acordos até ao dia de entrega do Orçamento de Estado e Jerónimo de Sousa esteja a fazer discursos muito violentos contra o PS  e o Bloco de Esquerda, dando a entender que os acordos nas Câmaras com o PS acabaram (de facto o PC perdeu a presidência de 10 câmaras, quase todas para o PS). PSD/CDS e Somos Coimbra, sendo fieis aos seus programas, serão oposição ao PS, atendendo em particular à atitude  de "quero, posso e mando" de Manuel Machado,  que dificilmente mudará.

Vale a pena fazer uma análise mais fina. Bem vistas as coisas, o PS teve uma vitória de Pirro. Manuel Machado pediu uma maioria absoluta e não a teve. Esteve aliás mais perto de diminuir a sua vereação de que de a aumentar. Perdeu claramente na malha urbana, mais bem informada e mais consciente do estado de degradação da cidade. É certo que aumentou a votação de 22631 votos para 24232, mas este aumento é de 7,1%  praticamente igual ao aumento da afluência às urnas (7,2%, de 63734 para 68330 votantes). Portanto, o PS manteve o resultado (percentualmente tinha 35,5%, ficou com 35,5%). Isto apesar de já estar a governar há quatro anos e de  ter investido muitíssimo na campanha eleitoral com a promessa do aeroporto internacional de Coimbra e de um investimento de cem milhões de euros para a cultura, para além de ter reprometido tudo o que já tinha prometido há quatro anos sem ter cumprido. E apesar do chorrilho de subsídios que distribuiu em cima da campanha a todo o tipo de grupos e entidades (foi uma verdadeira caça ao voto!). E apesar do apoio explícito do governo central uma vez que António Costa veio à apresentação do candidato apregoar as virtudes da sua governação como se isso fosse o que estivesse em causa (para além da presença de ministros em recentes anúncios de obras, como o mirífico Metro Mondego, que agora vai ser de autocarro, o MetroBus). A vitória escassa do PS em Coimbra contrasta com a vitória bem expressiva do PS noutros sítios do país onde estava  governar, sendo por isso plausíveis as notícias de que Manuel Machado vai ser substituído à frente da Associação Nacional dos Municípios por um autarca do PS detentor de uma vitória maior e, acima de tudo, mais dinâmico e inovador. Em Coimbra,  Machado vai ter uma vida muito difícil, se Francisco Queirós, o representante eleito do PCP, não lha facilitar como tem feito até agora.

O PSD/CDS (os outros pequenos partidos do Mais Coimbra não interessam e até o CDS interessa pouco pois não conseguiu eleger  o seu representante mais elevado, que estava no 4.º lugar) caiu estrondosamente de 33,6% para 26,6%. Já se sabia que o seu candidato, Jaime Ramos, não era um grande trunfo e a votação só veio confirmar esse conhecimento prévio (deve ser dito que o PS usou todo o tipo de armas contra ele durante a campanha, incluindo multas a creches por ele geridas, o que não deixa de ser lamentável). Mesmo assim, em Coimbra o PSD não caiu tanto como em Lisboa e Porto, onde foi reduzido a um partido irrelevante. Confesso que esperava uma queda ainda maior do PSD/CDS em Coimbra, levado pela grande enxurrada de que foi vítima o PSD de Passos Coelho em todo o país.

O movimento independente Somos Coimbra, liderado por José Manuel Silva,  é uma nova força com a qual se tem de contar a partir de agora, quer na Câmara, quer na Assembleia Municipal, quer ainda em várias freguesias (conseguiu cerca de 30 eleitos em todas as autarquias). Ficou aquém do seu ambicioso objectivo de ganhar a Câmara ou pelo menos de ficar perto disso. Conseguiu, porém, um número relevante de votos de anteriores eleitores do PSD, do PS, do PCP e dos Cidadãos, embora o PS tenha conseguido compensar as suas perdas. Agora o Somos Coimbra tem pela frente o desafio de ser na Câmara uma oposição consistente e construtiva. O PS vai procurar manter a situação ao passo que o objectivo do Somos Coimbra será mudar a cidade. O aparecimento do Somos Coimbra contribuiu decerto para a diminuição da abstenção em Coimbra de 50,6% para 46,5%, mais em linha com a abstenção nacional, assim como para a redução dos votos brancos e nulos de 8,2% para 4,7%, também mais em linha com aos números nacionais. O Somos Coimbra mobilizou mais pessoas, designadamente os jovens, contribuindo para o alargamento da democracia. Declaração de interesses: fui candidato como suplente nas listas do Somos Coimbra.

Os resultados do PCP foram maus, acompanhando os que o partido obteve no resto do país, e pagando talvez o preço da sua participação na "geringonça" (chama-se "abraço do urso" o que por vezes acontece quando um partido mais forte se junta a um mais fraco). Tinha 7078 votos e passou para 5670, uma queda de 19,9% (em percentagem passou de 11,1% para 8,3%). Este resultado deveria fazer reflectir o PCP.

O mesmo se  pode dizer e até de uma forma mais gravosa (por ter perdido um vereador) para os Cidadãos (Bloco de Esquerda). Tinham 5906 votos e passaram para 4799, uma queda de 18,7% (em percentagem passaram de 9,3% para 7,0%). Fiaram-se erradamente nos 11% do Bloco de Esquerda nas legislativas de 2015 (8526 votantes) que lhes tinha dado direito a um deputado...  E não acertaram ao apontarem na direcção do PCP (de onde veio há o número um da sua lista), do Somos Coimbra, em vez de centrarem as suas críticas no PS, que estava e está a governar mal a cidade.

Os resultados para a Assembleia Municipal foram bastante parecidos com os da Câmara, com a subida apenas do PCP (o que significa que o seu candidato à Câmara, Francisco Queirós, não é tão popular como o candidato à Presidência da Assembleia, Manuel Rocha).  Os resultados para as freguesias merecem uma análise mais detalhada mas uma conclusão é, desde já, que, tal como há quatro anos, Machado perde na cidade e ganha nas zonas rurais: a cidade é governada pela periferia.

Por último, uma análise das sondagens. Descartamos a sondagem do  jornal As Beiras sem grande credibilidade. Realizaram-se três sondagens, por ordem cronológica da Eurosondagem, da Universidade Católica e da Aximage. As três, concordantes (só não acertaram na ordenação dos PCP e dos Cidadãos), estavam genericamente certas, atendendo à sua margem de erro.  A que mais se aproximou dos resultados foi a da Universidade Católica que previu algum tempo antes da votação real 35% para o PS, 25% para o PSD/CDS, 16% para o Somos Coimbra, 9% para o PCP e 9% para os Cidadãos. Quase na mouche... Nas projecções baseadas em urnas simuladas no próprio dia das eleições, a Universidade Católica/RTP  genericamente acertou, ao passo que a Intercampus/TVI  teve alguma discrepância (desvalorizou por exemplo o Somos Coimbra). Mas revelaram-se neste caso injustificadas vozes, como a minha, que duvidavam das sondagens.

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