sexta-feira, 20 de outubro de 2017

OS NOVOS NOBEL DA FÍSICA


Meu artigo no último As Artes entre as Letras:


O mais prestigado prémio da Física foi este ano atribuído a três americanos. Metade foi para Rainer Weiss (85 anos), do MIT, um dos autores da ideia do interferómetro para medir as ondas gravitacionais previstas em 1916 por Albert Einstein (um outro, o britânico Ronald Drever, morreu a 7 de Março passado), e a outra metade foi dividada entre Barry Barish (81 anos), do Caltech, o principal responsável pelo desenvolvimento da experiência LIGO (Laser Interferometry Gravitational wave Observatory) até ela ter sido coroada de êxito com a primeira detecção de ondas gravitacionais em 14 de Setembro de 2015, e por Kip Thorne (77 anos), o teórico do Caltech responsável por cálculos computacionais de choques de buracos negros. O prémio veio célere tal como aconteceu com o Nobel da Física de 2013 do britânico Peter Higgs e do belga François Englert pela sua proposta do bosão de Higgs no início dos anos 60 do século XX,  que acabou por ser detectado no CERN em 2012.

Weiss nasceu em Berlim de um médico judeu e de uma actriz. O casal teve de fugir da Alemanha nos anos 30 do século XX com a ascensão ao poder dos nazis. Refugiados na Checoslováquia, conseguiram fugir para os Estados Unidos um pouco antes da invasão pelo exército alemão. O jovem Rainer cresceu em Nova Iorque, com jeito tanto para a electrónica como para a música (ainda hoje toca piano). Formou-se em Física no MIT após ter entrado em Engenharia Electrotécnica e ter sido mal sucedido no primeiro ano (foi um drop out). Trabalhando no MIT como técnico, teve a sorte de encontrar Jerrold Zacharias, o criador do primeiro relógio atómico comercial, que o encorajou a fazer a licenciatura e o doutoramento. Weiss, que é “um ás com o ferro de soldar na mão”, distinguiu-se na realização de medidas delicadas: as ondas gravitacionais detectadas, devidas à colisão de dois buracos negros extremamente maciços, correspondem a uma oscilação de cerca de 1/10.000 do diâmetro de um protão! Já antes podia ter recebido o Prémio Nobel de 2006, com os americanos John Mather e George Smoot, por ter desenvolvido um detector apropriado para as microondas que constituem a radiação cósmica de fundo.

Barrish nasceu no Nebraska de uma família de ascendência judaica vinda de uma zona oriental antiga Polónia (hoje Bielorússia). Os seus pais, que não tinham estudos superiores, estabeleceram-se no fim da Segunda Guerra Mundial em Los Angeles. Barish, que se doutorou na Universidade de Berkeley, também começou em Engenharia, tal como Weiss, para depois se transferir para Física. Tornou-se um especialista em Física de Altas Energias (designadamente detecção de neutrinos) antes de interessar pelas ondas gravitacionais, uma área onde mostrou as suas enormes qualidades como director de “big science”.

Finalmente, Thorne, nascido no Utah, é filho de dois professores universitários, o pai de agronomia e a mãe de economia. Doutorou-se em Princeton, tendo sido como Richard Feynman um discípulo proeminente do americano  John Wheeler (um longo candidato ao Nobel que morreu sem o receber). Para além de relativista eminente – é co-autor de um volumoso tratado sobre gravitação considerado um standard no ensino superior - , interessou-se pela comunicação de ciência: escreveu o bem sucedido  livro de divulgação Black Holes and Time Warps: Einstein's Outrageous Legacy, colaborou com o seu colega Carl Sagan na preparação do argumento do filme Contacto (foi ele que,  a pedido de Sagan, desenvolveu a ideia de buracos de minhoca como um meio para viajar no tempo) e deixou há poucos anos atrás a sua cátedra para ajudado o realizador Christopher Nollan a realizar o filme Interstellar, tendo escrito o livro The Science of Interstellar

Weiss, Thorne e Barish são exemplos de vidas dedicadas ao longo de décadas à ciência. As medalhas Nobel foram, como aliás é costume na Física, muito bem entregues. Além do mais, o uso das ondas gravitacionais como um novo meio para observar o espaço juntando-se aos meios convencionais de observação espacial usando luz de vários tipos, visível ou invisível, tem grande actualidade. Poucos dias antes da atribuição do Nobel foi pela primeira vez recolhido um sinal das novas ondas em três observatórios praticamente ao mesmo tempo, os dois do LIGO nos Estados Unidos, um em Washington e o outro na Luisiana, e o Virgo, localizado perto de Pisa, na Itália, em 17 de Agosto. Tal permitiu uma localização espacial mais precisa do sítio da fonte, uma colisão de dois buracos negros. Poucos dias após o anúncio do prémio Nobel, foi anunciado pela colaboração LIGO-Virgo que esses observatórios tinham detectado um novo sinal de ondas gravitacionais, mas este proveniente de choques de estrelas de neutrões em vez de buracos negros (as estrelas de neutrões são o núcleo remanescente de uma grande estrela explosiva, uma supernova, que contrastam com os buracos negros por ter uma massa menor). E, desta vez, a novidade foi que, para além das ondas gravitacionais foi possível recolher luz visível através de várias dezenas de telescópios espalhados pela Terra e pelo espaço, incluindo poderosas emissões de raios gama. Abriu-se com a recolha simultânea de luz e de “som” (chamamos “som” às ondas gravitacionais por analogia com as ondas de som, mas estas exigem a presença de ar ou outro meio) uma nova era da observação astronómica, uma era que vai decerto trazer mais conhecimentos sobre a constituição e a história do Universo.

Há quem pergunte para que servem as ondas gravitacionais. Provavelmente nunca as vamos utilizar como utilizamos hoje as ondas electromagnéticas (os dois tipos de ondas viajam à velocidade da luz, mas as ondas gravitacionais são bastante mais fracas). Mas as técnicas muito sofisticadas para medir distâncias e tempos usados nos observatórios de ondas gravitacionais poderão vir a ter aproveitamento tecnológico. A mola da ciência é a busca desinteressada do saber, mas as aplicações surgem por vezes onde menos se espera.

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