Portugal
é um país sem protecção. Sem protecção civil, como
se viu no grande incêndio de Pedrógão Grande de 17 de Junho. E sem
protecção militar, como se viu no roubo de material de guerra dos paióis de Tancos na semana passada. À semelhança de muitos portugueses sinto-me
desprotegido. Uma vez que já passou mais tempo sobre o caso da desprotecção civil e já existe informação suficiente para se fazer um juízo, falo por ora
apenas sobre esse caso.
O Expresso
titulava a 24 de Junho: “Em 37 anos ardeu o equivalente a 40% do país”. Ao
mesmo ritmo, uma simples regra de três mostra que daqui a 56 anos
terá ardido uma área equivalente a todo o território nacional (há zonas que já arderam mais do que uma vez!). Há causas
estruturais que tornam o nosso país o mais flagelado pelo fogo em toda a
Europa, qualquer que seja a medida usada. Em primeiro lugar, o país possui uma
mancha verde extensíssima. Em segundo lugar, o clima da Europa do Sul propicia
incêndios, o que será cada vez mais significativo num
quadro de verões gradualmente mais quentes. Mas não menos verdade é que o deficiente ordenamento florestal, a falta de limpeza das matas e a
reduzida ou mesmo inexistente vigilância fazem com que Portugal arda muito mais
do que Espanha, Itália ou
França. Estou convicto de que o
agravamento dos fogos neste século (2003, 2005 e 2016 foram,
por esta ordem, os anos de maior área ardida) tem que ver com o progressivo
abandono do interior, onde a mancha verde impera. Uma paisagem desabitada é terreno fértil para catástrofes como a que agora sucedeu. No
entanto, os sucessivos governos, para além de não ousarem uma reforma florestal (dificultada
entre nós pelo facto de a grande maioria da floresta ser
privada), pouco ou nada têm feito em prol da ocupação do interior. O país
tem estado cada vez mais inclinado para o mar, com dois polos costeiros que são
Lisboa e Porto. Um país bipolar, portanto.
Além
disso, há a questão, que não é de somenos, de não existir em Portugal a cultura do planeamento
para casos de desastres. Temos a maldita tradição do improviso. Os
serviços meteorológicos emitiram alertas nas vésperas do incêndio fatídico, mas ninguém estava de prevenção na área atingida. Confiava-se talvez num milagre. E,
desta vez, como de resto sempre, o milagre era impossível. As aldeias atingidas
não tinham planos de evacuação ou, ficando os habitantes, de protecção. Os
dados disponíveis indicam que entre as 14h43, quando foi dado o primeiro sinal
de fogo, e as 21h20, quando foi reportada a primeira vítima mortal, passaram
quase sete horas. A maioria dos 64 mortos ocorreu ao início da noite,
concentrando-se num curto troço de uma estrada. Segundo um relatório científico
abalizado poderá ter havido a infeliz conjugação de um fenómeno meteorológico
invulgar, um downburst, com o
incêndio, o que terá aumentado a sua dimensão muito rapidamente. Mas, nas sete
horas referidas, houve mais do que tempo para evacuar ou informar a população,
de modo a prevenir ou mitigar a tragédia humana. Sim, houve circunstâncias excepcionais,
mas aliadas a falhas muito graves na resposta ao incêndio. Falhas das
comunicações (um sistema caríssimo montado por uma PPP, um terço da qual
pertence a uma empresa falida, ligada ao ex-BPN) e má preparação dos comandos (a
nomeação do presidente da Protecção Civil, que tem ligações partidárias, recebeu parecer negativo dos seus
superiores militares). Foi manifesta uma enorme falta de coordenação perante um
inimigo avassalador, um inimigo que só poderia ser vencido com uma
decidida e rápida coligação de esforços.
À
hora em que escrevo ardem florestas em Abrantes e Tomar e o risco continuará a
aumentar em consequência das alterações climáticas. O governo não esteve à altura, como já não
estiveram outros governos de outra cor, noutros anos, e receio que continue a não estar. O que fazer? Dou duas sugestões.
Primeiro, invistam na descentralização, coloquem por exemplo a Autoridade
Nacional de Protecção Civil em Leiria ou Coimbra, tirando-a de Carnaxide.
Segundo, tornem a protecção civil independente dos partidos: não façam razias sempre que muda um governo só para
dar uns “jobs for the boys”. Eu quero ser protegido.
1 comentário:
Tirem a PC da esfera dos partidos ? Quando a TV vai fazer uma reportagem o presidente da camara requesita o helicoptero, haja que emergencia haja, para aterrar em frente das camaras de reportagem, na mais descentralizada, que seja a camara.
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