sábado, 22 de julho de 2017

MEDINA CARREIRA: HOMENAGEM QUE LHE É DEVIDA



Meu artigo de opinião publicado hoje no "Diário as Beiras": 

“É fundamental que o estudante adquira uma percepção nítida dos valores” (Albert Einstein). 

Henrique Medina Carreira (1931-2017) foi advogado, Subsecretário de Estado do Orçamento e Ministro das Finanças. 

Todavia, não é do seu currículo profissional, político ou televisivo que me ocuparei essencialmente (outros o fizeram e continuarão a fazer, em poética camoniana, com “engenho e arte”), mas da sua formação académica inicial obtida no antigo ensino técnico dos Pupilos do Exército.

Sobre a incontornável personagem televisiva de Medina Carreira, deu boa conta Anabela Mota Ribeiro quando escreve: “Aprecia as pessoas com fulgor. Não aprecia os patetas, os trafulhas, os corruptos. A estes, não respeita” (“Jornal de Negócios”, Outubro 2009). 

Ao contrário de certas viúvas que em vida dos maridos dizem deles cobras e lagartos mas que em seus funerais, exaltam, em lágrimas copiosas, as suas excelsas virtudes, e em uso costumeiro nacional homenageia-se em vida tanto imbecil deixando cair no esquecimento gente de altíssimo valor.

Em abjuração desta espécie de epidemia, reporto-me a um artigo de opinião que escrevi acerca da forma elogiosa com que Medina Carreira se refere à sua formação académica inicial a cargo do ensino técnico industrial: “Medina Careira e o antigo ensino técnico” (“Público”, 15/05/2014).

Este tipo de ensino diplomou outras personalidades de destaque na sociedade portuguesa, cujos nomes me ocorrem ao dedilhar das teclas do computador como, por exemplo, António Saraiva, presidente da CIP, e Maldonado Gonelha, antigo ministro do Trabalho.

 Pela minha vivência docente, em início de carreira na Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque de Lourenço Marques, arrogo-me ao direito de testemunhar um ensino técnico exigente e devidamente dignificado pese embora ser considerado, por pretensiosas elites, parente pobre do antigo ensino liceal. Este statu quo obriga-me a repudiar vozes oficiais que tentam convencer a opinião pública da bondade do boom operado no actual sistema educativo, sem ter em conta a respectiva qualidade, traduzido em aumentos exponenciais de cidadãos, de posse de diplomas de ensino superior, mas que pouco sabem de teoria e muito escasseiam em  know-how. Aliás, isto mesmo foi criticado, depois de 25 de Abril, de forma lapidar, por Francisco de Sousa Tavares, um antissalazarista confesso: ”Dantes Portugal era um país de analfabetos, hoje é um país de burros diplomados”!

Souberam os diplomados pelo extinto ensino industrial vivenciar a “percepção nítida de valores” , defendida pelo autor da Teoria da Relatividad , transportando-a para a sua vida futura, através, de uma comovente homenagem de um antigo aluno aos seus professores da Escola Industrial Mouzinho de Albuquerque da antiga capital de Moçambique. Dela tomei conhecimento ocasional na Net, infelizmente sem conseguir nomear o nome do respectivo subscritor pela minha esmaecida memória que não atenua, de forma alguma, o remorso do meu esquecimento. Transcrevo-a:

“Naturalmente que, como em tudo, no respeitável corpo docente, que ao longo dos anos leccionou na nossa escola, nem todos conseguiram ser populares, mas todos contribuíram, de uma forma ou de outra, para a nossa formação, quer como estudantes, quer como pessoas. Alguns deixaram a sua marca. Ainda hoje, e eu faço notar isso a meus filhos, eu sei o nome dos meus professores, e faço questão de realçar a sua competência. Pena que nem todos eles possam já tomar conhecimento de que também fazem parte da nossa saudade académica”.

 É este extinto ensino técnico, viveiro de antigos alunos, hoje, excelentes profissionais reconhecidos pela qualidade do ensino ministrado por grande maioria dos seus docentes de Lourenço Marques que devia merecer a contrição dos políticos que, em nome de uma sociedade sem classes, a transformaram numa sociedade desclassificada académica e profissionalmente em deplorável medida tomada por próceres de um um país que, segundo António José Saraiva, figura chave da cultura portuguesa, “vive há séculos na superstição da palavra ‘doutor’”!

2 comentários:

José Fontes disse...

Daqui por 50, 100 ou 150 anos, outro qualquer Rui Baptista há-de falar de forma nostálgica e gratificante desta miserável Escola que temos, por contraponto à que existir na altura: que só poderá ser muitíssimo pior.
Sempre assim foi ao longo dos tempos e sempre assim será.
Não compreender isso não abona muito quem fala como Rui Baptista o faz, muito menos a excelente formação que teve.
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P. S. 1 - Eu, que me iniciei na gratificante carreira docente no ensino técnico nos idos dos primeiros anos de 70, não só não tenho essa visão idílica como posso apresentar argumentos (até quantitativos) de que aquilo era um cadáver adiado à espera do enterro, pois havia vários anos que lhe tinha sido passada a certidão de óbito, só faltavam as exéquias.

P. S. 2 - A visão idílica do ensino técnico de antes do 25 de Abril reporta-se ao curto período pós-Reforma de 1947, de Pires de Lima, que se começaria a esfumar 20 anos depois, com a criação do CPES-Ciclo Preparatório do Ensino Secundário, Reforma de Galvão Teles (que unificou o ensino técnico e o liceal no 1.º ciclo), e, mais tarde, em 1973, com a Unificação do ensino secundário até ao 8.º ano (Lei n.º 5/73, Reforma de Veiga Simão).

Eis o panorama anterior a 1947:

Parecer da Câmara Corporativa à Reforma de Pires de Lima.
“Se observarmos com olhar sereno, sem paixão e sem fantasia, o viver das nossas fontes de produção - agricultura e indústria -, depressa concluímos que ambos se mostram em nível técnico pouco satisfatório, justificando sem mais análise todos os esforços possíveis de melhoria”

Intervenção do deputado Proença Duarte, na Assembleia Nacional, sobre o mesmo assunto.
“Antevê-se, felizmente, e devido à magnífica actuação do Governo Português, para breve o maior desenvolvimento da indústria nacional. Algumas indústrias novas estão já na fase de organização, estão já a ser montadas, e verifica-se que para recrutar pessoal técnico, sobretudo pessoal operário, para essas novas indústrias se luta com sérias dificuldades, porque não temos, na realidade, abundância de artistas, abundância de operários que possam vir a trabalhar com a complexidade que a instalação dessas novas indústrias requer para serem postas a funcionar”

P. S. 3 – Eu, se fosse um dos muitos milhares de engenheiros, cientistas, economistas, biólogos, enfermeiros, que tanto sucesso estão a ter nas mais variadas e prestigiadas instituições onde trabalham no estrangeiro – realidade que nunca se verificara na nossa História, pelo menos com esta escala – fazia já um abaixo-assinado contra todos os Ruis Baptistas deste mundo: chamassem-se eles Ruis, Henriques ou outros nomes quaisquer.

Rui Baptista disse...

Embora tardiamente (por lapso meu, de que me penitencio), informo o leitor que, porventura, tenha lido este comentário que lhe respondi sob a forma de post, aqui publicado, que referencio: : " Ainda o antigo curso técnico industrial" (24/07/2017).

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