Post recebido do autor, Galopim de Carvalho:
Introdução
Embora o título sugira uma obra destinada a juvenis, “O AVÔ E OS NETOS FALAM DE GEOLOGIA”, escrito em estilo de diálogo, foi concebido
a pensar nos Professores que ensinam Geologia nas nossas Escolas, nos
seus alunos e, ainda, na generalidade dos leitores interessados em
descobrir a maravilhosa história do nosso Planeta. Esta realização
nasceu da experiência que mantive e continuo a manter, proferindo
lições por todo o país e em todos os níveis, do Básico ao Secundário e,
até, nos Jardins-Escolas. Sem perda de rigor científico, criei e
aprendi a usar o discurso pedagógico mais adequado a cada um destes
níveis. E é esse discurso que coloco aqui à disposição dos leitores.
Uma reflexão sobre o ensino de Geologia nas nossas escolas
Nos
domínios do conhecimento em que me permito dar o meu testemunho e a
minha opinião, posso afirmar que quem, a nível político, tem decidido
sobre o maior ou menor interesse das matérias curriculares referentes à
disciplina de Geologia, mostrou desconhecer a real importância deste
domínio científico e tecnológico como motor de desenvolvimento e
bem-estar, mas também como componente da formação cultural dos
portugueses.
É
preciso e urgente olhar para esta realidade. É preciso e urgente que o
Ministério da Educação chame a si meia dúzia de professores desta
disciplina capazes de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o
que se relacione com o ensino desta área curricular, a começar nos
programas, passando pelos livros e outros manuais adoptados (que
envolvem interesses instalados), pela formulação dos questionários nos
testes e nos exames, sem esquecer as necessárias e convenientes formação
de base e actualização científica permanente dos respectivos
professores.
Sempre disse e insisto em dizer que o professor deve saber muito, mas muito mais do que o estipulado no programa da disciplina e que deve ter, por missão, ensinar e, não o esqueçamos, formar cidadãos. Não
pode, de maneira nenhuma, ser um mero transmissor das noções, tantas
vezes estereotipadas e acríticas, dos manuais de ensino.
E
esse muito mais está na abrangência dos seus conhecimentos, não
necessariamente especializados ou de ponta (indispensáveis no ensino
superior), mas ao nível de uma sólida cultura científica e humanística. E
isso vem de trás, da formação cívica que adquiriu, do modo como passou
pela escola, pela universidade e do proveito que tirou desse privilégio,
numa sociedade plena de desigualdades como tem sido e ainda é a nossa.
Mas esses conhecimentos, todos sabemos, estão ao seu alcance nas
bibliotecas das escolas e, agora mais do que nunca, na inesgotável,
imediata e acessível via online. Para tal, os professores
necessitam de tempo e, desgraçadamente, forçados a múltiplas tarefas
paralelas do ensino, tempo é coisa que os professores não têm.
Afigura-se-me pois, que, para além de uma necessária e profunda revisão
de tudo o que se relacione com o ensino desta área curricular (e,
certamente, de outras), há que libertar os professores de, praticamente,
todas as tarefas que não sejam as de ensinar.
O
tempo que estamos a viver alarga o fosso entre os que estudam e, assim,
aspiram e conquistam o direito à cidadania, e os outros, os que não
vêem qualquer interesse no estudo. Em complemento da sua nobre missão de
ensinar, o professor deve fazer sentir esta realidade aos seus alunos,
em especial aos mais desprotegidos e atingidos pela exclusão social que
grassa em tantas escolas marcadas pela suburbanidade crescente que
caracteriza as sociedades desenvolvimentistas. Transmitir esta mensagem
aos jovens é um dever moral dos professores, essencial na luta contra o
insucesso escolar e pelo direito a uma condição humana de maior
dignidade. Não é fácil, mas não é impossível esta tarefa. É bom lembrar
que cidadania e conhecimento são indissociáveis e, assim, este tem
forçosamente de ser democrático.
O
profissional de ensino tem de ter arte (por vocação própria ou porque
para tal foi formado) de levar os educandos a aprenderem e a gostar de
saber e, assim, gostarem das matérias que têm, por dever,
transmitir-lhes; levá-los a terem prazer no convívio com ele e, por esta
via, sentirem a escola como algo importante nas suas vidas. Mas há
outras chaves para o referido sucesso a considerar, sobretudo, face aos
alunos mais crescidos, que também a experiência me ensinou. Uma, é
conseguir inculcar neles a noção do dever cívico de estudar, levando-os a
tomarem consciência do privilégio que têm na condição de estudantes e
das suas obrigações face à sociedade que os sustenta. A outra chave não
menos importante é estimular-lhes a autoestima. Fundamental no binómio
ensino/aprendizagem, compete, em grande parte, ao docente, conduzir o
aluno nesses três sentidos. Quaisquer que sejam as matérias em causa ou
os níveis de escolaridade e etário do discente, estas chaves fazem dele
alguém que tem gosto em aprender, que frequenta a escola com prazer, que
encara o estudo como um dever de cidadania e tem brio na sua condição
de estudante. Para tal, o professor tem de conseguir estabelecer com o
aluno uma aproximação de confiança e afectividade mútuas que lhe permita
actuar, com êxito, nestas vertentes. Foi assim a minha relação com os
muitos milhares de alunos com quem troquei saberes e afectos.
Quem
ensina tem de saber ganhar a confiança dos alunos e, também, o seu
afecto. Feliz do estudante que goste da convivência com o seu professor,
pois essa relação é decisiva na sua atitude face à escola e ao gosto de
aprender. Duplamente feliz se esse professor estiver à altura do seu
papel que, para além de educacional é, sobretudo, social.
Sobre o livro
Naquele
Verão, era quase sempre com o Sol a descer para lá do Oceano, que o avô
falava das muitas coisas que haviam preenchido o seu mundo como geólogo
e professor de geologia. Sob o alpendre coberto de hera, no pequeno
terraço anexo à casa, uma grande mesa com tampo de ardósia, onde se
podia escrever com giz, e algumas cadeiras eram o centro preferido para
estas conversas com os três netos. Liberta a mesa de tudo o que servira o
jantar, o Domingos e os gémeos Francisca e Mateus, rodeando o avô,
tinham nos olhos o brilho da curiosidade. Mais velho, o Domingos,
terminara o 7º ano de escolaridade. O Mateus e a Francisca tinham
concluído o 6º. O tempo de férias era agora todo deles, com praia pela
manhã, jogos e leituras, dentro de casa, nas horas mais quentes da tarde
e aquele apetecido convívio ao fim do dia, que os conduzia a
maravilhosas viagens e aventuras.
Embalados
nas palavras do avô, “caminhavam” sobre rochedos em altas montanhas,
“corriam” no solo fofo das estepes e pradarias, “pisavam” o chão áspero e
duro dos vales secos e gélidos da Antárctida, “respiravam” a humidade
quente e perfumada da floresta amazónica, “mergulhavam” nas profundezas
do oceano e “nadavam” nas águas tropicais, límpidas e mornas, por entre
corais e peixinhos de todas as cores. Ouvindo as histórias que o avô
contava, “subiam” ao topo de vulcões jorrando lavas incandescentes ou
projectando nuvens imensas de cinza, “escorregavam” nas dunas
escaldantes no deserto do Sahara ou “percorriam” grutas repletas de
cristais e imaginavam-se entre dinossáurios e muitos outros animais
desaparecidos.
Encorajado
pelo interesse e pela atenção dos netos, o avô não parava de falar.
Paisagens que percorrera, profundas minas a que descera, museus que
visitara, grandes figuras que conhecera e episódios que vivera ou
presenciara eram condimentados com ensinamentos nos domínios em que
trabalhara e que, ao mesmo tempo, estivessem entre as matérias
constantes dos programas escolares destes três elementos do seu pequeno e
interessado auditório.
E
era tudo tão agradável e entusiasmante. Ouvir o avô era como ver um
filme ao lado de alguém que explicava e tornava fácil o que parecia
difícil de entender. A cada passo, as novas palavras necessárias ao
discurso iam sendo descodificadas, “traduzidas por miúdos”, como dizia o
avô, ganhando significado.
Galopim de Carvalho
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