sexta-feira, 28 de julho de 2017

“O AVÔ E OS NETOS FALAM DE GEOLOGIA”, Âncora Editora, 2017

Post recebido do autor, Galopim de Carvalho:

Introdução

Embora o título sugira uma obra destinada a juvenis, “O AVÔ E OS NETOS FALAM DE GEOLOGIA”, escrito em estilo de diálogo, foi concebido a pensar nos Professores que ensinam Geologia nas nossas Escolas, nos seus alunos e, ainda, na generalidade dos leitores interessados em descobrir a maravilhosa história do nosso Planeta. Esta realização nasceu da experiência que mantive e continuo a manter, proferindo lições por todo o país e em todos os níveis, do Básico ao Secundário e, até, nos Jardins-Escolas. Sem perda de rigor científico, criei e aprendi a usar o discurso pedagógico mais adequado a cada um destes níveis. E é esse discurso que coloco aqui à disposição dos leitores.

Uma reflexão sobre o ensino de Geologia nas nossas escolas

Nos domínios do conhecimento em que me permito dar o meu testemunho e a minha opinião, posso afirmar que quem, a nível político, tem decidido sobre o maior ou menor interesse das matérias curriculares referentes à disciplina de Geologia, mostrou desconhecer a real importância deste domínio científico e tecnológico como motor de desenvolvimento e bem-estar, mas também como componente da formação cultural dos portugueses.
É preciso e urgente olhar para esta realidade. É preciso e urgente que o Ministério da Educação chame a si meia dúzia de professores desta disciplina capazes de proceder à necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino desta área curricular, a começar nos programas, passando pelos livros e outros manuais adoptados (que envolvem interesses instalados), pela formulação dos questionários nos testes e nos exames, sem esquecer as necessárias e convenientes formação de base e actualização científica permanente dos respectivos professores.

Sempre disse e insisto em dizer que o professor deve saber muito, mas muito mais do que o estipulado no programa da disciplina e que deve ter, por missão, ensinar e, não o esqueçamos, formar cidadãos. Não pode, de maneira nenhuma, ser um mero transmissor das noções, tantas vezes estereotipadas e acríticas, dos manuais de ensino.

E esse muito mais está na abrangência dos seus conhecimentos, não necessariamente especializados ou de ponta (indispensáveis no ensino superior), mas ao nível de uma sólida cultura científica e humanística. E isso vem de trás, da formação cívica que adquiriu, do modo como passou pela escola, pela universidade e do proveito que tirou desse privilégio, numa sociedade plena de desigualdades como tem sido e ainda é a nossa. Mas esses conhecimentos, todos sabemos, estão ao seu alcance nas bibliotecas das escolas e, agora mais do que nunca, na inesgotável, imediata e acessível via online. Para tal, os professores necessitam de tempo e, desgraçadamente, forçados a múltiplas tarefas paralelas do ensino, tempo é coisa que os professores não têm. Afigura-se-me pois, que, para além de uma necessária e profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino desta área curricular (e, certamente, de outras), há que libertar os professores de, praticamente, todas as tarefas que não sejam as de ensinar.

O tempo que estamos a viver alarga o fosso entre os que estudam e, assim, aspiram e conquistam o direito à cidadania, e os outros, os que não vêem qualquer interesse no estudo. Em complemento da sua nobre missão de ensinar, o professor deve fazer sentir esta realidade aos seus alunos, em especial aos mais desprotegidos e atingidos pela exclusão social que grassa em tantas escolas marcadas pela suburbanidade crescente que caracteriza as sociedades desenvolvimentistas. Transmitir esta mensagem aos jovens é um dever moral dos professores, essencial na luta contra o insucesso escolar e pelo direito a uma condição humana de maior dignidade. Não é fácil, mas não é impossível esta tarefa. É bom lembrar que cidadania e conhecimento são indissociáveis e, assim, este tem forçosamente de ser democrático.

O profissional de ensino tem de ter arte (por vocação própria ou porque para tal foi formado) de levar os educandos a aprenderem e a gostar de saber e, assim, gostarem das matérias que têm, por dever, transmitir-lhes; levá-los a terem prazer no convívio com ele e, por esta via, sentirem a escola como algo importante nas suas vidas. Mas há outras chaves para o referido sucesso a considerar, sobretudo, face aos alunos mais crescidos, que também a experiência me ensinou. Uma, é conseguir inculcar neles a noção do dever cívico de estudar, levando-os a tomarem consciência do privilégio que têm na condição de estudantes e das suas obrigações face à sociedade que os sustenta. A outra chave não menos importante é estimular-lhes a autoestima. Fundamental no binómio ensino/aprendizagem, compete, em grande parte, ao docente, conduzir o aluno nesses três sentidos. Quaisquer que sejam as matérias em causa ou os níveis de escolaridade e etário do discente, estas chaves fazem dele alguém que tem gosto em aprender, que frequenta a escola com prazer, que encara o estudo como um dever de cidadania e tem brio na sua condição de estudante. Para tal, o professor tem de conseguir estabelecer com o aluno uma aproximação de confiança e afectividade mútuas que lhe permita actuar, com êxito, nestas vertentes. Foi assim a minha relação com os muitos milhares de alunos com quem troquei saberes e afectos.

Quem ensina tem de saber ganhar a confiança dos alunos e, também, o seu afecto. Feliz do estudante que goste da convivência com o seu professor, pois essa relação é decisiva na sua atitude face à escola e ao gosto de aprender. Duplamente feliz se esse professor estiver à altura do seu papel que, para além de educacional é, sobretudo, social.

Sobre o livro
Naquele Verão, era quase sempre com o Sol a descer para lá do Oceano, que o avô falava das muitas coisas que haviam preenchido o seu mundo como geólogo e professor de geologia. Sob o alpendre coberto de hera, no pequeno terraço anexo à casa, uma grande mesa com tampo de ardósia, onde se podia escrever com giz, e algumas cadeiras eram o centro preferido para estas conversas com os três netos. Liberta a mesa de tudo o que servira o jantar, o Domingos e os gémeos Francisca e Mateus, rodeando o avô, tinham nos olhos o brilho da curiosidade. Mais velho, o Domingos, terminara o 7º ano de escolaridade. O Mateus e a Francisca tinham concluído o 6º. O tempo de férias era agora todo deles, com praia pela manhã, jogos e leituras, dentro de casa, nas horas mais quentes da tarde e aquele apetecido convívio ao fim do dia, que os conduzia a maravilhosas viagens e aventuras.
Embalados nas palavras do avô, “caminhavam” sobre rochedos em altas montanhas, “corriam” no solo fofo das estepes e pradarias, “pisavam” o chão áspero e duro dos vales secos e gélidos da Antárctida, “respiravam” a humidade quente e perfumada da floresta amazónica, “mergulhavam” nas profundezas do oceano e “nadavam” nas águas tropicais, límpidas e mornas, por entre corais e peixinhos de todas as cores. Ouvindo as histórias que o avô contava, “subiam” ao topo de vulcões jorrando lavas incandescentes ou projectando nuvens imensas de cinza, “escorregavam” nas dunas escaldantes no deserto do Sahara ou “percorriam” grutas repletas de cristais e imaginavam-se entre dinossáurios e muitos outros animais desaparecidos.

Encorajado pelo interesse e pela atenção dos netos, o avô não parava de falar. Paisagens que percorrera, profundas minas a que descera, museus que visitara, grandes figuras que conhecera e episódios que vivera ou presenciara eram condimentados com ensinamentos nos domínios em que trabalhara e que, ao mesmo tempo, estivessem entre as matérias constantes dos programas escolares destes três elementos do seu pequeno e interessado auditório.

E era tudo tão agradável e entusiasmante. Ouvir o avô era como ver um filme ao lado de alguém que explicava e tornava fácil o que parecia difícil de entender. A cada passo, as novas palavras necessárias ao discurso iam sendo descodificadas, “traduzidas por miúdos”, como dizia o avô, ganhando significado.

Galopim de Carvalho


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