quarta-feira, 12 de abril de 2017

Todos ensinam, todos aprendem…


“Todos ensinam, todos aprendem…” é, parece-me, uma nova máxima na educação escolar nacional, mas também pode ser antiga e pode ser internacional. Na verdade, não investiguei o suficiente para saber o seu alcance temporal e espacial mas apenas para perceber melhor as palavras da notícia do jornal Expresso do passado dia 8 de Abril de 2017, assinada por Bernardo Mendonça e Isabel Leiria.

Nessa notícia dizia-se o que se tem vindo a dizer há já alguns anos, sempre com o argumento-patine da “inovação”:
“As escolas do futuro já estão aí. O professor perde protagonismo, as carteiras não estão alinhadas, os alunos vão juntos à procura do conhecimento. Tablets e smartphones entram nas salas de aulas e aprender não se faz apenas dentro de quatro paredes.”
Fiquei a saber que "salas do futuro" são designadas pelo Ministério da Educação por "ambientes educativos inovadores". Seja o que for que se chame a um espaço de ensino e de aprendizagem escolar parece não causar incómodo afirmar-se que "o professor perde protagonismo" e que "os alunos vão juntos à procura do conhecimento" (sem o professor, evidentemente).

Os jornalistas não se interrogaram sobre estas afirmações, como se elas fossem verdades óbvias e os professores entrevistados acompanharam-nos. Justificaram a importância das novas tecnologias da informação e da comunicação pelo "entusiasmo", pela "motivação" que provocam nos alunos... 

A questão, que devemos colocar é outra: esse "entusiasmo", essa "motivação" dos alunos dura até quando? E, sobretudo, aprenderão mais nestas salas de aulas sofisticadas, desejavelmente sem o protagonismo do professor? O protagonismo do professor (como professor) impede que os alunos se tornem "autónomos"?

Há investigação confiável em pedagogia que recomenda muita cautela: primeiro porque as tecnologias devem servir o ensino e a aprendizagem (há trabalho excelente concretizado a partir deste propósito e, sim, a "motivação" está incluída); segundo porque o entusiasmo dos alunos é uma coisa (e passa depressa), a aprendizagem é outra (e deve perdurar); terceiro porque não há aprendizagem sem ensino, a interacção professor-alunos é fundamental para a aprendizagem (ainda que, evidentemente, e dependendo do nível de escolaridade, se deva incentivar os alunos a realizarem tarefas de modo individual ou colaborativamente).

Em sequência, destaco dessa notícia o que os jornalistas retiveram dos alunos (os negritos são meus):
"À saída, alguns comentam entre si que o exercício foi giro.” “O mais complicado foi interpretar o texto e fazer o resumo.”
NOTA: Talvez o leitor queira cruzar o discurso desta notícia com o discurso de que dei conta em texto anterior.

3 comentários:

Isaltina Martins disse...

"O mais complicado foi interpretar o texto" — pois é, aqui é que está o problema, que depois se estende para o dia a dia, para o trabalho, para a vida, em todos os seus momentos. É tudo muito interessante como jogo, como "diversão", falta depois a reflexão sobre os problemas, sobre os textos, sobre os valores... Como pode essa educação, essa formação ficar completa? Como pode deste modo, sem a reflexão, sem a interpretação, formar-se um cidadão consciente, capaz de tomar decisões, de saber"interpretar" a vida e seguir o caminho correcto de forma livre e responsável?

Carlos Fiolhais disse...

Comentário recebido de Guilherme Valente:

Finalmente alguém vem chamar a atenção para esse pasmo e elogio cretino perante qualquer modernice, ou seja, apenas qualquer proclamação de modernice, que surja sobretudo ligada à educação. É que o sonho delirante que está por detrás disto é sempre o mesmo: aprender-se milagrosamente, sem se ter de ensinar nem estudar nada, não se ter de fazer nada nem haver preocupações com nada. E sem exames, claro, para ninguém ter chatices, pais, professores e, sobretudo, ministros. Só que a factura vem depois, em tudo o que cada vez mais dramaticamente se manifesta e manifestará.

Guilherme Valente

Helena Damião disse...

Prezado Dr. Guilherme Valente
Neste blogue têm-se publicado, desde há muito, diversos textos com o mesmo sentido deste breve apontamento. Também na minha área de estudo - ciências da educação - há trabalho, antigo e recente, de grande mérito que explica cientificamente o que aqui está em causa. Acontece que, por razões que não importa aqui explicar, esse trabalho mantém-se desconhecido mesmo nas academias onde deveria ser estudado, aquilo que dele aparece ao público é muitas vezes deturpado quando não desconsiderado.
Cordialmente,
MHD

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