A Gradiva vai publicar em Maio um pequeno livro que é uma
obra clássica sobre o tema da simetria, Simetria,
da autoria do matemático alemão Hermann Weyl (1895-1955). Tratando a matemática
da simetria – o ramo da matemática que descreve a simetria chama-se teoria de grupos,
um ramo que toca noutros como a geometria, o cálculo e a álgebra - o
tema aparece por todo o lado nas ciências: na física, na química, na biologia,
nas geociências, na medicina. É precisamente um tour panorâmico da simetria que Weyl nos oferece naquele seu livro,
não dispensando alguma matemática, mas
percorrendo as outras ciências e prestando particular atenção à arte, à
filosofia e à cultura. Weyl é um sábio que conhece os clássicos. De resto, só
quem conhece bem os clássicos pode escrever um clássico, qualquer que este
seja.
O livro foi escrito em 1951 para difundir um conjunto
de palestras feitas pelo autor no
Instituto de Estudos Avançados de Princeton, onde ele investigou e ensinou até
se reformar precisamente nesse ano. Na introdução Weyl chama a esta obra o seu
“canto do cisne”. O livro foi publicado em 1952 pela Princeton University Press
e, facto espantoso, continua ainda hoje nas livrarias, não apenas na língua
inglesa original como também noutras. A edição em português vem apenas ampliar
a recepção internacional de um pequeno livro de um grande autor, um dos maiores
matemáticos do século XX. A longevidade
do livro deve-se não apenas ao facto de a matemática ser eterna, mas também ao interesse geral que o tema da
simetria suscita, para já não falar na apurada inteligência do autor, bem
manifesta na sua capacidade de colocar em poucas linhas o que a outras exigiria
muitas.
A atracção do ser humano pela simetria manifesta-se de forma
muito visível, como Weyl bem
percebeu, no seu repetido aparecimento nas artes: principalmente
nas artes visuais mas também na música. Simetria significa, de um modo geral,
semelhança, regularidade, harmonia. Em
matemática, o significado é mais preciso:
uma certa operação deixa algo
invariante, por exemplo, rodar uma circunferência de qualquer ângulo não muda
nada, assim como não muda nada rodar um quadrado de ângulos de 90, 180, 270 ou
360 graus. Na física, na química e na biologia, a simetria tem o significado
matemático: por exemplo, uma molécula de água tem simetria de reflexão, é um
exemplo de simetria esquerda-direita ou simetria bilateral, que também existe
no corpo humano (pelo menos aproximadamente). A simetria é importantíssima na
arte, embora também o é a quebra de simetria: basta olhar com atenção para o “homem
de Vitrúvio” de Leonardo da Vinci, um desenho de 1490 que mostra um homem dentro de uma
circunferência e de um quadrado, para concluir que a simetria não é perfeita. O
filósofo Francis Bacon escreveu no alvorecer do século XVI que “não há beleza
perfeita que não contenha algo estranho nas suas proporções” (Ensaios, 1625).
Weyl parte, no seu livro, do significado indo ao significado
geral :
“A palavra simetria
é utilizada na linguagem quotidiana com dois sentidos. Num sentido, simétrico
significa algo bem proporcionado, equilibrado, indicando a simetria um tipo de concordância em que
várias partes integram um todo. A beleza
está ligada à simetria. Assim, Policleto [escultor grego do séc. V. a.C.], que
escreveu um livro sobre a proporção e a quem os antigos elogiavam a perfeição
harmoniosa das esculturas, usa a palavra, e Dűrer segue-o, estabelecendo um
cânone das proporções da figura humana. Nesta acepção, a ideia não se restringe
de todo a objectos espaciais; o sinónimo “harmonia” aponta mais na direcção das
suas aplicações acústicas e musicais do que geométricas. Ebenmass [bem proporcionado,
elegante] é um bom equivalente em alemão
para a simetria grega, já que comporta igualmente a conotação de «medida média», a média
que os virtuosos deviam almejar nas suas acções segundo a Ética a Nicómaco de Aristóteles, e que
Galeno em De temperamentis descreve
como aquele estado de espírito que está igualmente removido dos dois extremos.”
Como se vê o matemático Weyl domina a arte, a linguagem e
também a filosofia (ele seguiu cursos de
filosofia de Edmund Husserl em Goetingen, onde conheceu a sua mulher, a
judia Helene Weyl, nascida Helene Joseph,
que traduziu Ortega y Gasset para alemão). A carreira matemática de Weyl
foi toda ela feita nos melhores sítios:
foi aluno de David Hilbert em Goettingen, foi professor de Matemática na Escola
Politécnica Federal Zurique onde se tornou amigo de Albert Einstein, voltou em
1930 a Goettingen para suceder a Hilbert na cátedra para, passados três anos,
ser obrigado a fugir da Alemanha, indo, por influência de Einstein, para
Princeton, o sítio onde estava o seu amigo. Reformado em 1951, regressaria a
Zurique, onde morreria aos 70 anos por um súbito ataque cardíaco (passados poucos meses de Einstein morrer em Princeton da
rotura de um aneurisma). Tendo sido contemporâneo de duas revoluções da física
- a teoria quântica e a teoria da relatividade - Weyl deu contribuições às duas,
ajudando até à sua conjugação. Mas o seu domínio da matemática era vastíssimo:
trabalhou em equações diferenciais (publicou Raum, Zeit, Materie [Espaço,
tempo, matéria], em 1918, um dos
primeiros livros a apresentar a teoria da relatividade geral de Einstein),
teoria de grupos (foi um dos primeiros a perceber a extrema relevância da simetria na teoria
quântica), álgebra, geometria, teoria de
números, e fundamentos da matemática. Pode também ser considerado um filósofo pois
contribuiu em 1927 para o Handbuch der
Philosophie [Manual de Filosofia], da editora Oldenbourg, com o artigo
“Filosofia da Matemática e das Ciências Naturais”, mais tarde publicado em
livro separado.
Vale a pena ler o “canto do cisne “ de Weyl. Mesmo o leitor
menos versado em matemática não deixará de admirar a escolha e a descrição das ricas
imagens que enchem o livro. Como foi possível que povos antigos como os
sumérios ou os árabes, para não repetir o exemplo dos gregos, tenham revelado
um conhecimento tão pormenorizado da simetria nas suas manifestações artísticas, em particular a arte ornamental?
Carlos Fiolhais
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