Minha crónica no Público de hoje (na foto tomada de posse do Presidente do Conselho Nacional da Ciência e Tecnologia, em 2012, ano após o qual o crescimento da ciência portuguesa começou a abrandar, nalguns casos mesmo a dar o lugar a decréscimo):
A notícia dada recentemente pelo Público de que Portugal estava no 11.º lugar no ranking europeu dos países com maior número de publicações
científicas por habitante só nos pode orgulhar a todos. Em duas décadas
deixámos de ser um país na cauda da Europa e, colocados entre a Inglaterra e a
Alemanha, chegámos perto do grupo da frente. Ultrapassámos não só a Alemanha,
mas também a Espanha, a Itália e a França. Tal deveu-se não apenas ao esforço
dos cientistas mas, acima de tudo, a uma política que visava sair da posição
lastimável em que nos encontrávamos. O seu principal protagonista foi José
Mariano Gago, que infelizmente já não está entre nós para verificar mais este
seu sucesso. Ele mobilizou governo e sociedade para que uma geração de jovens
pudesse mostrar os seus talentos numa área que é hoje decisiva para o progresso
das nações.
Uma questão interessante é saber
se a política adoptada por Passos Coelho de contenção da ciência, entre 2011 e
2015, teve um impacto negativo no crescimento da produção científica que se
estava a verificar desde há algum tempo, isto é, se a subida não podia ter sido
ainda maior. A resposta é clara: o crescimento abrandou mesmo, pois caiu de 69%,
no período entre 2005 a 2010, para 50%, no período entre 2010 e 2015. Olhando para
os números, contabilizamos, disciplina a disciplina, os estragos que o anterior
governo fez à ciência. A Física baixou de 1448 artigos em 2012 para 1371 em
2015. A Química desceu de 1372 artigos em 2013 para 1331 em 2015. E a Matemática
desceu de 666 artigos em 2011 para 651 em 2015. Também as Ciências Biológicas, as
Engenharias Civil e Química e as Nanotecnologias conheceram retrocessos. Nas
Ciências Sociais e Humanidades (embora não estejam bem representadas na base de
dados usada), o panorama é semelhante: a Economia e Gestão, as Ciências da
Educação, a Sociologia, a História e as Artes minguaram.
Todos estão
lembrados da “avaliação”, encomendada pela
Fundação de Ciência e Tecnologia (FCT) para “podar” metade dos centros nacionais.
Essa manobra, feita em muitos casos por não especialistas, penalizou alguns dos
centros mais produtivos do país. Felizmente que o ministro Manuel Heitor, coautor
do “Livro Negro da Avaliação da Ciência em Portugal”, interrompeu o
despautério. Hoje há consenso de que o caminho é para a frente e não para trás.
Por isso, qual não foi o meu espanto ao ler no Expresso de 1/4/2017 (não, não era mentira!), na mesma altura em que
eram divulgadas as referidas estatísticas, um artigo de António Coutinho, ex
“dono disto tudo” da ciência em Portugal e curador da Fundação Champalimaud, a
criticar aquilo a que chama o “novo rumo” da ciência. Preto no branco, ele quer
voltar à sua ideia de “poda”, concretizada pela deriva ideológica, para não
dizer mesmo politiquice sectária, do governo anterior. Crato nunca embarcou no
barco da ciência e Coutinho achava que a navegação seria melhor se mandasse borda
fora metade dos cientistas, escolhidos um pouco ao acaso. Os resultados estão hoje
à vista e só poderão ser negados por alguém, como Trump, que queira trocar os factos
por factos alternativos. A anterior gestão da FCT, que nunca foi alvo de uma auditoria,
não almejava a excelência mas sim zelar pelos interesses particulares de alguns.
Não quer isto dizer que a ciência esteja perfeita entre nós, muito longe
disso. Está simplesmente melhor do que quando Coutinho a deixou. Agora
respira-se. Mas o ministro tem pouco dinheiro no orçamento e deixa escapar frases
infelizes (como a última, quando disse que os investigadores deviam ser mais
reivindicativos e ele ia reivindicar com eles). Manuel Heitor endossa, por
exemplo, para as escolas superiores responsabilidades que são principalmente
suas de renovação dos quadros de professores e investigadores, uma renovação
que urge para dar lugar à nova geração. Como mostra a rede GPS (gps.pt), há uma multidão de cientistas portugueses que tiveram de emigrar e ainda
não vêem hipóteses de regressar ao seu país. Por que não são atraídos? Se
queremos aspirar a um lugar na primeira linha da Europa, a nossa ambição mede-se
pelas oportunidades que soubermos criar em Portugal para manter e atrair
talento.
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