terça-feira, 25 de abril de 2017

Semear a dúvida e pôr tudo no mesmo saco

O meu artigo no Público de hoje:

No mesmo dia em que foi publicado um artigo meu no Público em que associo as terapias alternativas à moda da não vacinação, a Associação Portuguesa dos Profissionais de Acupunctura publicou um comunicado no Facebook dizendo que “não só apoiamos como aplaudimos a Vacinação e o Plano Nacional de Vacinas!”. Também eu aplaudo esta posição e ficaria encantado se as várias associações de naturopatas, homepatas, fitorapeutas e afins viessem a público afirmar sem hesitações que recomendam a vacinação. Infelizmente a esperança não é muita. 

A generalidade dos terapeutas alternativos é, na melhor das hipóteses, ambígua. Um exemplo são as declarações do naturopata João Beles ao Jornal de Notícias, segundo o qual “a vacinação não é desnecessária, assegura uma protecção contra várias doenças”, para logo acrescentar que “existem efeitos adversos que podem levar os pais a terem receio”. Isto é semear a dúvida, espalhar o “não-se-sabe-bem”, colocando a questão no mesmo ponto inconclusivo de uma mãe ou pai “de mente aberta” com ligação à Internet. É a posição ambígua dos terapeutas alternativos que serve o mercado que procura “médicos” que apoiem a decisão de não vacinar. No entanto, os riscos e benefícios das vacinas estão bem avaliados, face aos riscos das doenças que elas evitam. A vantagem da vacinação é clara e avassaladora.

Um relatório do Centro Europeu para a Prevenção e Controlo de Doenças de 2012 discute a origem de vários surtos de sarampo, papeira e rubéola na Europa e associa-os a grupos com baixa cobertura vacinal. Entre estes grupos estão emigrantes e comunidades nómadas, que têm uma relação difícil com as autoridades. Também refere grupos que não vacinam por questões religiosas. Outro caso é o das comunidades antroposóficas, inspiradas na filosofia Waldorf, criada pelo místico Rudolf Steiner. Estas comunidades têm creches, escolas e centros de saúde próprios, assim como médicos e tratamentos Waldorf, e encaram as doenças da infância como parte do desenvolvimento espiritual das crianças. Também os utilizadores de medicinas alternativas têm taxas de vacinação mais baixas do que o resto da população. É mencionado no relatório o caso particular da homeopatia, que oferece “vacinas homeopáticas”, que nenhuma protecção conferem. A taxa de vacinação dos profissionais de saúde também é discutida, uma vez que estes estão particularmente expostos e podem tornar-se focos de infecção. Ou seja: as terapias alternativas estão de facto associadas a baixas taxas de vacinação.

Mais à frente no comunicado dos profissionais da acupuntura é reconhecida a existência de “alguns, poucos, profissionais das Terapias Não Convencionais que são contra certas vacinas”, acrescentando terem “igualmente conhecimento de médicos e outros profissionais de saúde convencional, que assumem publicamente ser contra as vacinas”. Esta é uma outra estratégia das terapias alternativas: meter tudo no mesmo saco. Reclamam igual estatuto ao da medicina convencional, ainda que para isso necessitem de regimes de excepção. Os remédios homeopáticos são um bom exemplo, uma vez que, para serem introduzidos no mercado, não precisam de apresentar as extensas provas da sua eficácia e segurança exigidos aos restantes medicamentos, sendo aprovados através de um regime especial, que apenas pede que sejam inócuos. A legislação especial das terapias alternativas serve para suprir o problema da falta de provas da sua eficácia e segurança.

Também Paulo Sargento, director da Escola Superior de Saúde Ribeiro Sanches (uma das instituições que apresentou pedidos de acreditação de licenciaturas em terapias alternativas e que oferece uma pós graduação em “Mindfulness para profissionais de saúde”) me dirige uma resposta na qual afirma que “conselhos anti vacinação têm sido dados, quer pela medicina convencional, quer pela medicina não convencional”, insistindo em meter tudo no mesmo saco. Numa outra resposta, Rui Devesa Ramos vai ainda mais longe no relativismo obscurantista, ao considerar que “a ciência nunca será mais do que uma crença civilizacional”, a par com muitas outras, tal como a religião. Para Ramos todo o conhecimento é igual, desde que haja pessoas que nele acreditem. Diz que “o que faz com que a ciência ‘funcione’ deriva determinantemente (sic) da crença que temos nela”. Conclui-se que, se amanhã rodar a chave de ignição e o motor do carro não trabalhar, é apenas porque ele não acredita que a bateria esteja carregada... Não, nem tudo é igual. A medicina baseada na ciência, com todas as suas limitações, tem desenvolvido processos rigorosos que permitem saber se um tratamento funciona ou não. E isso faz toda a diferença.

Numa época Trump, pós-verdade, a ciência está ameaçada de muitas maneiras e esta é mais uma. Não podemos dar-nos ao luxo de ser contemplativos com os factos alternativos das terapias homónimas. 

5 comentários:

Anónimo disse...

Não era capaz de concluir o artigo sem mencionar o Trump ? Será que agora vamos ter o Trump como há anos tínhamos o "gonçalvismo", que era culpado de tudo...?

Anónimo disse...

Muito bem, suprimiu o meu comentário, mas não importa, a Comissão de Saúde está ao corrente. O Sr. Marçal é tudo menos transparência e factualidade.

Anónimo disse...

A Audição de ontem da DGS pela Comissão de Saúde revelou e confirmou o que já se sabia em muitos meios. A vasta maioria dos afectados pelo sarampo foram adultos e profissionais de Saúde. Ao que parece, ser ou não ser vacinado teve pouco impacto no contágio. E, se os profissionais de Saúde evitam vacinar-se, isso apenas significa que eles sabem de algo que nós desconhecemos, e deveríamos considerar com muita atenção, em vez de encontrar formas de retaliar.

Anónimo disse...

David Marçal tem sido excelente no desmascarar daquilo que se chama Pseudociência! Parabéns por esse serviço público. Agora na questão das pessoas que não se querem vacinar deve usar de maior rigor e não "meter tudo no mesmo saco". Falo em relação à obrigatoriedade de algumas vacinas, em Portugal, proposta por David Marçal. Deve David Marçal saber aquilo que é chamado consentimento informado, e princípio da autonomia! Dando como exemplo, posso afirmar que para muitos liberais, é impensável o Estado impor qualquer obrigatoriedade face a uma intervenção preventiva em Saúde, ainda para mais sem ser no contexto de pandemia ou emergência de Saúde Pública. David Marçal tem que compreender, que uma Democracia não é uma República dos cientistas ou dos professores catedráticos. Como podemos esquecer as lutas históricas contra leis que tornavam obrigatórias algumas Vacinas, com movimentos populares, partidos políticos, votos, eleições, Tribunais Superiores e revogação dessas mesmas leis! A medicina nunca é só medicina, são também os Valores, e como se sabe existe uma pluralidade destes, e devem ser respeitados, pois a ciência não demonstra a superioridade de nenhuma moralidade! Há que aceitar que existem pessoas, que mesmo em relação ao valor Vida, não o coloquem em primeiro lugar! Ao falar desta forma impositiva, "metendo tudo no mesmo saco", rejeita um conceito nuclear na Medicina dos dias de hoje, que demorou séculos a sedimentar, e ainda de forma débil, como se vê na discussão actual, que é o do Consentimento Informado, contra o Paternalismo de outrora... E atenção porque os defensores do consentimento informado, não são os defensores da Pseudociência!

Anónimo disse...

Eu diria ainda mais, citando:
« é uma curiosa aberração da nossa época que justamente as pessoas mais insensíveis às leis naturais sejam as que se proclamam mais ‘superiores’ a toda Lei revelada, quando na verdade são as que mais necessitam dela. » Olavo de Carvalho, Fronteiras da Tradição, p.11

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...