Por mais controvérsias que existam sobre métodos de ensino, um conjunto de ideias virou praticamente consenso entre educadores nas últimas décadas. Algumas delas: o aluno deve gostar do que aprende; decorar informações é negativo; e desenvolver competências como pensamento crítico, mais do que ensinar o conteúdo curricular, é o verdadeiro papel da escola do século 21.
Nuno Crato (...) comandou uma reforma (...) que priorizou português e matemática, eliminou disciplinas não tradicionais, como estudo acompanhado e projetos, e aumentou o rigor na seleção de professores. Tudo isso em meio a uma crise econômica que reduziu salários do funcionalismo e a críticas de sindicatos e pedagogos. Após sua saída do ministério, os resultados do Pisa (...) fizeram o mundo voltar os olhos para Portugal. Na prova de 2015, o país superou a média da OCDE, organização que reúne o mundo desenvolvido, ultrapassando Estados Unidos e Espanha, por exemplo. Junto a Dinamarca, Suécia e à minúscula Malta, foi a única nação europeia a melhorar em todas as áreas avaliadas.
O que explica o avanço dos alunos portugueses? Fizemos coisas simples. Demos prioridade, com mais tempo de aula, às disciplinas fundamentais – primeiro português e matemática e, depois, história, geografia e ciências. Elas são as estruturantes, permitem ao aluno progredir nas outras. Se ele tiver dificuldade de leitura, vai ser muito difícil estudar história. Se tiver conhecimento muito fraco de história, será difícil estudar política, sociologia, história da arte etc. Portanto, no conhecimento dos alunos há um conjunto de prioridades (...) português e matemática vêm em primeiro, os alunos dos primeiros anos devem se concentrar em ler bem, escrever bem, falar bem e conhecer as regras fundamentais da matemática, para poder progredir nas ciências, literatura, artes, geografia etc. E muitas vezes isso, que parece o óbvio, que os estudos e a experiência mostram, não é feito (...) Também criamos programas estruturados com metas que indicavam o que o aluno deveria dominar a cada ano de escolaridade. Isso ajudou professores, pais e autores de manuais escolares a ter um objetivo comum. A avaliação, junto com a divulgação dos resultados, foi fundamental. Investimos ainda no apoio aos alunos com mais dificuldades, com mais créditos (horários de professores) e assim melhoramos tanto os do topo como os de baixo da tabela.
Por que a ênfase em português e matemática? A verdadeira pedagogia moderna, baseada nas ciências cognitivas do século 21, mostra que não basta saber ler. Os jovens devem ter fluência na leitura e nas operações matemáticas. Isso lhes permite depois libertar a mente para atividades de ordem cognitiva superior. Se o jovem estiver a soletrar enquanto lê, terá dificuldade de entender o conteúdo do texto (...) A ideia é que as tarefas cognitivas de ordem superior –reflexão, crítica, criatividade – são baseadas em processos da ordem inferior. E o grande erro da pedagogia romântica é pensar que se pode chegar aos processos cognitivos superiores esquecendo-se dos inferiores.
Como foi enfrentar a resistência a essas medidas? Os professores portugueses reagiram muito bem tanto a essas políticas como a outros dois fatos. Em 2011, Portugal teve que pedir ajuda externa. E, entre uma série de cortes, os salários de todos os funcionários públicos foram temporariamente reduzidos. Para diminuir o impacto, reduzimos o número de professores em funções de apoio [fora da sala de aula] (...).
O sr. é um crítico do chamado "eduquês". Quais são os maiores mitos da educação? Há muitos. Um é que os alunos só devem aprender o que gostam. O problema é que eles só podem saber o que gostam depois de aprender. Portanto, além de motivar os alunos, é preciso ter uma pressão sobre eles para lhes transmitir conhecimentos e habilidades fundamentais. Outro mito é que avaliação faz mal, cria estresse, e os jovens ficam traumatizados. Mas avaliação não é um obstáculo, é um incentivo (...) são ideias muito velhas, de mais de um século, muitas sem fundamento. Exemplo é a noção de que a exigência prejudica os pobres. Não, ela é amiga deles, porque os mais favorecidos podem ir a escolas privadas, podem ter apoio especial. Os mais desfavorecidos, não. Ou a escola pública lhes dá o conhecimento e as capacidades de que precisam, ou terão mais dificuldade no futuro.
E as críticas aos métodos de ensino que fazem o aluno memorizar o conteúdo? Outro mito é que memorizar faz mal (...). Mas a memorização também é necessária, pois, se não se sabe nada, não se pode aplicar. A ideia de que o aluno pode ser crítico sem saber também é outra totalmente falsa. Como se pode fazer formação crítica sem se dominar o conteúdo? Como o aluno pode ter formação crítica sobre economia de mercado se ele não souber o que é a economia de mercado?
Recentemente, Andreas Schleicher, o responsável pela educação na OCDE, disse que os alunos portugueses vão bem em tarefas que exigem uma reprodução do que é ensinado na escola, mas não são tão bons na aplicação criativa dos conteúdos. Nesse sentido, diz, as escolas do país "ainda não fizeram a transição do século 20 para o 21." Concorda?Concordo, mas com reticências. Sim, é importante que os alunos consigam reproduzir os conteúdos ensinados na escola e ir além da sua aplicação mecânica. Mas, neste último Pisa, os portugueses melhoraram nos dois aspectos, nos conhecimentos e na aplicação. E não se pode cair no erro de querer uma aplicação criativa de conhecimentos se os conhecimentos não existirem. Mais uma vez: as capacidades cognitivas de ordem superior, tais como a resolução criativa de problemas, desenvolvem-se com base nas capacidades cognitivas básicas, tais como o domínio da leitura e das operações matemáticas. Não se pode trocar a ordem das coisas e saltar etapas. É impossível aplicar criativamente conceitos se não se conhecem esses conceitos.
Algumas escolas brasileiras vêm adotando um ensino por projetos que reúnem várias disciplinas. O que acha? Projetos podem e devem ser feitos. Podem e devem ser multidisciplinares. Mas isso é muito negativo se destrói as disciplinas, porque elas têm uma estrutura que os jovens precisam conhecer, e não só por meio de projetos dispersos. A história, por exemplo, tem uma ideia de continuidade que deve ser apresentada de maneira sistemática. Se o jovem faz uma vez um projeto sobre a Grécia Antiga, outro sobre os índios brasileiros, nunca terá um conhecimento conjunto da história. Projetos são auxiliares do ensino, não podem ser sobrevalorizados (...).
Há uma ideia corrente de que se investir muito no conteúdo não vai formar um cidadão. É um erro completo. Não tem sentido formar cidadãos ignorantes. Quanto mais conhecedor ele for, mais crítico, ativo, criativo e solidário será. Claro que estamos no século 21 e, portanto, temos uma sociedade em que os jovens emigram, aprendem línguas estrangeiras, gostam de viajar, de mudar de emprego. É um mundo diferente. Mas não significa que o conteúdo deixa de ser importante.
1 comentário:
O Doutor Nuno Crato faz algumas afirmações que tenho defendido ao longo do tempo. A verdade é que a maioria, cega pelos "modismos" e incapaz de exercer o espírito crítico que devia ser apanágio de qualquer ser esclarecido, acomoda-se, enveredando pelo espírito do rebanho, não vão as suas posições melindrar quem detém o poder.
E isto é o que se vive nas nossas escolas, onde os professores diga-se a verdade, também vivem dias de tormento dada a degradação da carreira e a desvalorização social da classe.
Mas não podemos deixar de privilegiar o ensino e o conhecimento se queremos formar cidadãos autónomos, esclarecidos e críticos. O conhecimento é, sem dúvida, a maior forma de poder.
Por isso não pode a educação formal subjugar-se aos interesses dos alunos.
Apesar de agradecer ao Doutor Crato as suas palavras, desgosta-me que não tenha focado a importância da Filosofia, enquanto disciplina fundamental na formação axiológica dos jovens e, como tal, no desenvolvimento da sua vertente humana. Não há educação à margem do valor, e se queremos formar cidadãos conscientes dos problemas que enfrentamos, não podemos descurar o ensino da Filosofia.
Maria Dulce Silva
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