A meio do século XVI, o Concílio de Trento (1545-1563), que foi organizado em três sessões intervaladas no tempo) exerceu uma influência decisiva em todo o mundo católico. Que Portugal estava na primeira linha desse mundo é mostrado pelo facto de pertencer ao pequeno grupo de países que, em 1582, adoptou imediatamente o Calendário Gregoriano, preparado por uma douta comissão da Santa Sé presidida pelo jesuíta alemão Christophoro Clavius (1538-1612), talvez o mais famoso estudante de Coimbra, uma vez que estudou no Colégio das Artes, nessa cidade, entre 1555 e 1560, e promulgado, sob a forma de bula, pelo Papa Gregório XIII (1502-1585) [1]. O maior sábio português dessa época foi Pedro Nunes (1502-1578) [2] , cuja fama foi ampliada no estrangeiro graças a Clavius, que dirigiu o Colégio Romano, na casa-mãe dos Jesuítas: o jesuíta não foi discípulo de Pedro Nunes, mas apercebeu-se da sua reputação em Coimbra e estudou a sua obra como auto-didacta mais tarde,
Passado o período áureo de Nunes, os tempos posteriores ao Concílio foram de um quase deserto da Matemática Cronografia ou reportório dos tempos: o mais copioso que até agora saiu a luz. Conforme a nova reformação do Santo Padre Gregório XIII no ano de 1582 [3], no qual, conforme indica o subtítulo, apresentava e discutia o então muito recente Calendário Gregoriano. Essa obra, além de lhe ter assegurado consagração entre o vulgo, talvez lhe tenha também valido o lugar académico, dado ser a sua única obra publicada até então. Apesar de, à data da publicação desse livro, terem já decorrido mais de quatro décadas desde a publicação da polémica obra do astrónomo polaco Nicolau Copérnico (1473-1543), As Revoluções dos Orbes Celestes [4], Avelar manifestava-se ainda, de resto tal como Nunes [5] e muitos outros nomes notáveis da ciência, favorável à imobilidade da Terra e, portanto, contrário à revolucionária tese heliocêntrica de Copérnico, que na época era repudiada em todo o mundo cristão, tanto por católicos como por protestantes. Avelar, em consistência com o que era então a doutrina oficial da Igreja Católica, baseada numa leitura literal da Bíblia, afirmou que ainda que aquele “doutíssimo astrónomo” tivesse suposto a mobilidade da Terra por suas demonstrações, não era crível que uma tal mobilidade fosse verdadeira, tendo Copérnico dado à Terra aqueles movimentos apenas para melhor conseguir o seu intento de salvar “as aparências dos planetas”, tal como aliás Ptolomeu tinha feito ao introduzir habilmente excêntricos e epiciclos no sistema heliocêntrico que largamente o antecedeu. Mas a posição tomada por Avelar de abono das teses da Igreja no que à astronomia dizia respeito não evitou que o seu livro viesse mais tarde a ser incluído no Index Librorum Prohibitorum, numa sequela da famosa lista de 1564 criada por Pio IV, o papa que presidiu à sessão final do Concílio de Trento, na sequência do primeiro Índex criado pelo Papa Paulo IV (1476-1559) em
André de Avelar, professor de Matemática em Coimbra até se jubilar em 1612 (o ano
Neste escrito, baseado em material contido na tese doutoral do segundo autor[6], para além de apresentarmos uma nota biográfica sobre André de Avelar, procurando divulgar o papel que desempenhou entre nós no ensino da Matemática, traçamos um panorama mais geral da ciência astronómica e matemática em Portugal nos finais do século XVI e inícios do século XVI, mais precisamente entre a publicação do Calendário Gregoriano, em 1582, e a morte de Avelar, provavelmente em 1623, um período assinalado na história da ciência mundial pelo alvorecer da Revolução Científica. Intentamos um breve “reportório” desses tempos da ciência no nosso país, que na Universidade de Coimbra ia fenecendo após o brilho conseguido por Nunes em meados do século XVI. À medida que em Coimbra a ciência declinava, ela continuava a ser praticada em bom nível na Aula da Esfera que os jesuítas, com a ajuda da sua boa rede internacional tinham instalado no Colégio de S. Antão, em Lisboa, em 1590. Nomes de professores de Matemática ligados de uma maneira ou de outra a Clavius iam mantendo viva a chama da ciência, conseguindo que o telescópio, o extraordinário instrumento utilizado pela primeira vez por Galileu, fosse usado primeiro em Portugal e depois no Extremo Oriente, evangelizado pelos jesuítas. Na conclusão, discutimos os efeitos do Concílio de Trento e da Inquisição nas ciências
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REFERÊNCIAS:
[1] FIOLHAIS, Carlos e MARTINS, Décio, Breve História da Ciência em Portugal, Coimbra: Imprensa da Universidade e Gradiva, 2010 e FIOLHAIS, Carlos, História da Ciência em Portugal, Lisboa: Arranha Céus, 2013.
[2] LEITÃO, Henrique, Pedro Nunes e a Matemática
do Século XVI, in C. Fiolhais, C. Simões
e D. Martins (eds.), História da Ciência Luso-Brasileira:
Coimbra: Imprensa da Universidade, 2012, p. 19.
[3] AVELAR,
André de. Cronografia ou reportório dos tempos: o mais copioso que
até agora saiu a luz. Conforme a nova reformação do Santo Padre Gregório XIII
no ano de 1582. Lisboa: Manoel de Lyra, 1585.
[4] COPÉRNICO,
Nicolau, As Revoluções dos Orbes
Celestes, Lisboa: Fundação Gulbenkian, 1996 (tradução em português).
[5] LEITÃO, Henrique, «Uma nota sobre Pedro Nunes e Copérnico», Gazeta de Matemática, 143
(2002) 60-78.
[6] MARTINS,
Décio. Aspectos
da Cultura Científica Portuguesa até 1772. (Dissertação de
Doutoramento). Departamento de Física. Universidade de Coimbra, 1997.
[7] QUENTAL,
Antero de, Causas da Decadência dos
Povos Peninsulares, Lisboa: Tinta da China, 2008 (prefácio de Eduardo
Lourenço).
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