domingo, 2 de abril de 2017

PORTUGAL QUASE NO TOP TEN DA CIÊNCIA EUROPEIA

Artigo de Andrea Cunha Freitas no Público de hoje, onde são incluídos comentários meus. Deixo em baixo o meu depoimento aquele jornal:

 Só conhecemos bem a ciência portuguesa se a medirmos. As estatísticas do número de publicações indexadas na Web of Science são um bom indicador da produção científica portuguesa. Apesar de as Ciências Sociais e hHumanidades estarem aqui subavaliadas permitem estabelecer comparações mais fieies entre Portugal e outros países. Outras bases de dados, como o Scopus, podem ter mais publicações (a própria Web of Science tem mais  do que o conjunto escolhido), mas os resultados relativos não serão muito diferentes.

 O Gráfico 1 do documento da DGEEC é muito claro sobre o nosso "salto" entre 2005 e 2015, um salto aliás que já vinha de trás e que é essencialmente resultado da política de ciência e tecnologia do ministro José Mariano Gago (o sistema científico envolve muita gente e meios e o trabalho científico é, por sua própria natureza, demorado, pelo que os resultados de uma certa política só se vêem passados uns anos. A nossa mudança é espectacular mesmo se olharmos só para a última década. Dividindo o número de publicações pela população (o que é necessário para comparar realidades de escalas diferentes) Portugal está em 2015 num muito bom 10.º lugar na Europa de 27 países, entre o Reino Unido e a Alemanha. Com 1298 publicações por milhão de habitantes passámos a Alemanha (1248) e estamos quase a passar o Reino Unido (1603). Estamos claramente à frente da Espanha, da República Checa, da Itália e da França. À nossa frente, além dos nórdicos, que ganham destacados (Dinamarca, Suécia, Finlândia), estão só a Holanda, a Irlanda, a Bélgica, a Eslovénia, o Luxemburgo, a Áustria e a Inglaterra (o Luxemburgo é muito pequeno e nem devia contar neste tipo de comparações). Beneficiámos nesta estatística do facto de a nossa população ter diminuído um pouco ao passo que a Inglaterra e a Alemanha aumentaram, mas o resultado não deixa de ser impressionante. Em 2005 estávamos em 16.º lugar, pelo que subimos 6 lugares neste ranking. O número de publicações em 10 anos quase triplicou, passando de 510 para 1298, calando aqueles que dizem que a ciência em Portugal é improdutiva. No Gráfico 2 vemos que tirando pequenos países que não interessam muito para a estatística como Luxemburgo, Malta e Chipre, Portugal a seguir à Lituânia é o país com maior crescimento relativo. Portanto, houve uma política de desenvolvimento da ciência e ela deu frutos.

 O ministro Manuel Heitor tem a ver com estes resultados não como ministro, mas como secretário de Estado de Mariano Gago. Agora, uma questão interessante é a de saber se a política de Nuno Crato de contenção da ciência, seguida entre 2011 e 2015 teve algum impacto negativo no crescimento que se estava a verificar. Isto é, se o crescimento não poderia ter sido maior não fosse o abrandamento nos últimos anos. A resposta é clara: o crescimento abrandou mesmo, foi de 69% no total de 2005 a 2010 e só de 50% de 2010 a 2015: caiu de 19 pontos percentuais! Portanto crescemos muito em 10 anos, mas muito mais na primeira metade dessa década. O Quadro 4 do documento Excel da DGEEC
(ver aqui) é elucidativo a este respeito. De 2013 para 2015 o crescimento das Ciências Exactas, Ciências da Saúde e Ciências Naturais é muito pequeno. De 2014 para 2015 as Ciências Sociais e as Humanidades baixam (e todos estamos lembrados que esse sector foi apontado como estando favorecidos pelos anteriores responsáveis políticos). Disciplina a disciplina, estão à vista os efeitos do governo Passos Coelho em certos sectores. A Física baixa de 1448 publicações em 2012 para 1370 em 2015 (todos estão lembrados de uma avaliação iníqua, feita por não especialistas, que penalizou alguns dos centros mais produtivos do país) A Química baixa de 1372 em 2013 para 1331 em 2015. A matemática baixou de 666 em 2011 para 651 em 2015 (Quadro 3). Do mesmo modo, as Ciências Biológicas baixaram de 2152 em 2012 para 2121 em 2015. As Engenharias Civil, Química e as Nanotecnologias também conheceram retrocessos de 2014 para 2015 (Quadro 5). Mesmo a Medicina Clínica estagnou nos últimos três anos e as Ciências da Saúde baixaram no último ano, contrariando a tese de que algumas áreas poderiam ser favorecidas em detrimento de outras, Em ciência as áreas estão ligadas, por exemplo a Física é precisa para a Medicina. Nas Ciências Sociais (Quadro 6), Economia e Gestão caíram, as Ciências da Educação deram uma queda enorme (reflexo talvez do ataque do ministro a essas ciências) e a Sociologia também diminui. A História caiu e as Artes caíram (Quadro 9). O Quadro 10 ilustra bem a estagnação nos últimos anos nalguns grupos de áreas (excepção nítida foram as Ciências da Engenharia e as Tecnologias). Curiosamente, integrando agora todos os anos, as Humanidades e as Ciências Sociais foram das que mais cresceram, com taxas de mais do dobro da das ciências exactas (Gráfico 11), quer dizer, as Humanidades e as Ciências Sociais cresceram bem entre 2005 e 2010 para depois serem vítimas da tesoura, isto é, de cortes dirigidos (veja-se o gráfico 15, relativo ao crescimento em 2010-2015, onde se verifica que o seu crescimento é muito menor do que no período total). Lembro que é nestas áreas que se dão hoje a maior parte dos doutoramentos, isto é, elas têm grande procura, embora haja problemas com as saídas. Interessante é também o gráfico 6, que mostra o grande aumento da internacionalização das Ciências da Engenharia e Tecnologias e das Ciências Sociais, ao passo que nas Ciências Médicas e da Saúde esse aumento não é visível (o que se explicará por o nível já ser elevado). Outros dados - como o número de citações ou os países com os quais há mais colaborações - ajudariam e perceber melhor as estatísticas apresentadas.

 Escrevi um artigo  há um ano no Público: "Portugal, a Ciência e o Futuro". Os números mostram que no essencial tinha razão. O governo anterior revelou ser contra a ciência, tendo tido efeitos nefastos nalgumas áreas em particular. O ministro Manuel Heitor fez bem em virar as agulhas. Mas está afogado em contradições: por exemplo,  quer aumentar o emprego científico, um grande problema entre nós, mas começou de uma maneira frouxa ao falar de "flexibilização". É preciso mesmo reduzir o número de precários, promovendo activamente o emprego nos estabelecimentos de ensino superior e politécnico. Como mostra a rede GPS (gps.pt), há uma geração de cientistas portugueses tiveram de emigrar e não vêem hipóteses de regressar ao seu país. Por que razão não se promove um programa especial para os atrair? Eles são altamente qualificados e a sua qualificação custou-lhe a eles e a muitos meios ao longo de muitos anos  O ministro não pode dizer que não é com ele: ele é ministro das duas áreas e tem de as unir mais, em vez de se manter a separação entre ciência e ensino superior que Mariano Gago quis (e bem, na época) para despoletar o desenvolvimento da primeira. O défice de 2,1% de que o governo e o PS tanto se orgulham significa, por exemplo, que as universidades continuam à míngua, sem possibilidade de renovarem os seus recursos humanos. O grande problema do ministro Manuel Heitor (e, por isso, também o nosso) é que ele não tem dinheiro: nem o país tem o dinheiro que tinha, vindo da União Europeia, nem ele tem o peso de Mariano Gago à mesa do Orçamento. Acresce o facto de o último acordo de parceria com a União Europeia ter sido muito mau para a ciência. Passos Coelho não o soube negociar e Costa não teve força para o renegociar. Também ainda não resolvemos o problema da burocracia na gestão da ciência (a FCT não consegue ser clara nem rápida) e a canalização de dinheiros através de fundos da União Europeia através de projectos supostamente ligados a empresas (com as Comissões de Coordenação regional metidas em assuntos para os quais lhe falta competência) não veio ajudar nada.

 Por último, era interessante saber quantos papers produzimos não por habitante mas por euro gasto em ciência e tecnologia. Devemos fazer dos papers mais baratos da Europa! É preciso continuar o investimento em ciência e tecnologia que tão bons frutos deu nos últimos 20 anos. O ministro devia apontar metas para o futuro e mobilizar os recursos necessários para atingir essas metas. Se queremos aspirar a um lugar no pelotão da frente da Europa, a nossa ambição mede-se pela parcela que quisermos investir em ciência. Estamos às portas do pelotão da frente. Devíamos ousar entrar. Não devíamos passar o Reino Unido só porque o Reino Unido desistiu da corrida europeia.

1 comentário:

Anónimo disse...

Sem dúvida, um resultado muito positivo! Apostar na ciência dá bom resultado, e é bom que o investimento feito não diminua, pois corremos o risco de perder o rumo que tem sido criado.

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