Post convidado de Daniel Graça /(Universidade do Algarve):
A história é bem conhecida. A
Google começou em 1996 como um projeto de investigação de dois alunos de
doutoramento (Larry Page e Sergey Brin, na imagem) da Universidade de Stanford, nos
Estados Unidos, que procuravam melhorar a qualidade dos resultados obtidos em
motores de busca. Passados 20 anos de crescimento exponencial, a Google
conseguiu tornar-se em 2016 na empresa com maior capitalização bolsista a nível mundial.
São inúmeras as grandes
companhias que começaram em meio universitário, e que ganharam asas para se
tornarem colossos. Devido a estes exemplos, hoje em dia é comum falar-se da
inovação e do conhecimento como fontes de emprego e de crescimento económico. E
isso importa a Portugal, dado que é um país que tradicionalmente tem
dificuldade em criar produtos que tenham um elevado valor acrescentado, e a necessidade
de termos empresas competitivas é premente dada a atual conjuntura económica e
os elevados níveis de desemprego que registamos.
É pois natural perguntarmo-nos: É
possível criar empresas como a Google em Portugal? É possível a comunidade científica
portuguesa contribuir para o desenvolvimento económico do país? Não queremos
entrar aqui em análises profundas e detalhadas, que poderiam encher livros.
Mas sabia que se o Larry Page e o
Sergey Brin estivessem em Portugal a fazer o seu doutoramento, e tivessem tido
a mesma ideia, ao criar uma empresa (como a Google) enquanto estudantes de
doutoramento estariam a cometer uma ilegalidade? Sim, porque provavelmente
teriam uma bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). E a FCT, no
seu regulamento de bolsas, é muito clara: “O desempenho de funções a título de
bolseiro é efetuado em regime de dedicação exclusiva, não sendo permitido o
exercício de qualquer outra função ou atividade remunerada”.
Ou seja, por um lado o discurso
político procura estimular a comunidade científica a associar-se ao tecido
empresarial português, mas na prática penaliza-se quem siga pela via do
empreendedorismo …
Em Portugal temos infelizmente
enraizada a noção de “dedicação exclusiva”. Para supostamente melhorar a
qualidade do trabalho efetuado, proíbe-se os bolseiros da FCT de efetuarem
qualquer tipo de atividade remunerada, e desincentiva-se fortemente (com um
corte de 1/3 do salário) os docentes do ensino superior público a criarem as
suas empresas.
Eu concordo que há que garantir a
qualidade do trabalho efetuado. Mas essa qualidade garante-se verificando o
trabalho feito, não com regimes de exclusividade. Um empregado ou bolseiro em
regime de exclusividade não é necessariamente um bom empregado ou bolseiro. Por
outro lado, é perfeitamente possível que alguém extremamente dinâmico possa
realizar os seus trabalhos de doutoramento de forma exemplar, e ainda criar uma
empresa de sucesso baseado nos conhecimentos que adquiriu.
Então porquê este regime de
exclusividade? Porque não elimina-lo ou ao menos suaviza-lo? Lembro que isso
teria um custo zero para o estado, no caso dos bolseiros de doutoramento, e que
neste momento chegamos ao ridículo de eu conhecer doutorandos que tiveram de
cancelar a sua bolsa de doutoramento para poderem frequentar uma ação de
formação, só porque ela até é remunerada.
Haveria sempre o argumento de que
poderiam desistir da bolsa para criar a sua empresa. Claro, é tão fácil! Mas
agora imagine que você é um aluno de doutoramento que tem um vencimento mensal
de 980 euros. Tem uma ideia para criar uma empresa. Parece-lhe uma excelente
ideia e, apesar de ter de entrar com algum dinheiro, até estava disposto a
fazer alguns sacrifícios e abdicar de algumas coisas para seguir com o seu
sonho. Mas depois põe-se a pensar “Mas e se afinal a minha ideia não dá certo?
E se a ideia dá certo, mas se só terei lucro passado algum tempo? [A Google
demorou anos até se tornar lucrativa] Como vou pagar as minhas contas durante
esse período?”. É natural pensar-se duas vezes antes de desistir da bolsa, e é
muito mais fácil desistir antes da ideia.
No entanto, se soubesse que tem a
segurança de um salário enquanto trabalha na sua ideia ao fim de semana, ou ao
final do dia, provavelmente muitas ideias que assim “morreram na praia”,
acabariam por dar os seus frutos.
É verdade que nem todos os
bolseiros têm vocação para criar empresas, e que muitos deles querem seguir
carreiras em investigação científica, o que também é perfeitamente lícito e que
têm todo o meu apoio. Mas por outro lado, se um bolseiro quer criar uma empresa
enquanto está a fazer o seu doutoramento, porquê que havemos de o penalizar? Se
ele conseguir criar uma empresa de sucesso, e começar a pagar impostos e gerar
emprego, em vez de sofrer a ansiedade de saltar de pós-doutoramento em
pós-doutoramento, isso não é algo positivo para a sociedade portuguesa? Então
porque devemos penalizar este bolseiro com um regime tão drástico de
exclusividade? O que ganha Portugal com isso? Não será o regime de exclusividade
um travão ao desenvolvimento económico e social de Portugal?
Aliás esses regimes de
exclusividade têm como efeito contraproducente incutir a ideia de que é “errado”
(quase crime) criar uma empresa. Relembro que as empresas privadas criam a
maioria do emprego em Portugal, e que também pagam impostos para sustentar o
nosso estado social. Se tivéssemos mais empresas altamente competitivas,
provavelmente não estaríamos na situação económica em que infelizmente nos
encontramos.
Sou da opinião que, ao se optar
por proibir os bolseiros da FCT de efetuarem qualquer tipo de atividade
remunerada, e ao desincentivar-se fortemente os docentes do ensino superior a
criarem empresas, o país acaba por perder bem mais do que ganha.
Daniel Graça (Universidade do Algarve)
2 comentários:
Sou bolseiro de investigação da FCT em regimento de pos-doutoramento e já experienciei a inflexibilidade da FCT relativamente a esta matéria. Tinha um projecto empresarial pessoal que obviamente precisava de total dedicação minha, pelo menos na fase de arranque do mesmo. Uma suspensão dos trabalhos não alterariam em nada o decurso do meu trabalho proposto no projecto inicial, e por essa razão solicitei à FCT um pedido de suspensão de bolsa por um período de alguns meses. Obtive uma resposta negativa por "por falta de enquadramento no disposto no artigo 9º do Estatuto do Bolseiro de Investigação". Ou seja, da omissão relativamente a esta matéria no estatuto do bolseiro, decidiram por um redondo "não". Como ainda estou no 1º ano do meu projecto de pos-doc, decidi não desistir do projecto, pois não tenho margem para arriscar perder aquilo que me pagará as contas dos próximos 3 anos. Fiquei triste, mas também já não tinha grandes esperanças, pois da FCT já não esperava grande coisa...
"Mas agora imagine que você é um aluno de doutoramento que tem um vencimento mensal de 980 euros (...) apesar de ter de entrar com algum dinheiro, até estava disposto a fazer alguns sacrifícios e abdicar de algumas coisas para seguir com o seu sonho." Eu apenas acho que não é com 980 euros que se consegue montar uma empresa. Se já é difícil manter uma vida com esta quantia monetária, acho que não há espaço para se realizar sonhos. No entanto, gostei do resto do artigo, embora tenha laivos de ilusões empresariais. Portugal não é Silicon Valley.
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