Minha crónica no "Artes entre as Letras" que está prestes a sair:
A ideia de laser é uma das muitas ideias fecundas
que Albert Einstein nos legou. Vai fazer cem anos em 2017 e é simples de
descrever: podendo um átomo existir em vários níveis de energia, o físico suíço
nascido na Alemanha pensou em promover por meio de luz um conjunto de
átomos para um estado excitado, que
depois decairia para em estado de energia mais baixo, emitindo luz. A vantagem
do processo consiste na emissão sincronizada por cada átomo de luz de um só
comprimento de onda (no caso de luz visível de uma só cor), provocando um feixe
que era coerente, no sentido em que a luz de cada átomo se associava para dar
uma luz bastante forte e perfeitamente alinhada.
A concretização na prática do processo teórico
demorou. Só em 1954, após a Segunda Guerra Mundial, com o grande desenvolvimento
da radiação de microondas (que teve bastante a ver com a invenção do radar durante
o conflito) foi possível construir o primeiro laser de microondas, chamado
maser, e só em 1960 foi possível construir o primeiro laser de luz visível, que
na altura se chamou maser óptico. A
diferença entre as microondas, que usamos hoje nos fornos de cozinha e nos telemóveis,
e a luz visível, que é recolhida pelos nossos olhos, reside apenas nos
comprimentos de onda, que são maiores para as microondas. Foi a 16 de Maio de
1960 que o físico norte-americano Theodore Maiman pôs a funcionar, no Hughes
Research Laboratory, na Califónia, o primeiro laser, feito de rubi, activado
por uma lâmpada de flash. A palavra laser, que hoje se tornou comum, era muito nesse
tempo, muito recente e, portanto, quase desconhecida. Laser é a abreviatura de Light Amplification by Stimulated Emission
of Radiation, amplificação de luz por emissão estimulada de radiação (maser
é o acrónimo da mesma expressão, com light
substituído por microwave). O termo
tinha sido criado em 1957 por Gordon Gould, um estudante de doutoramento na
Universidade de Columbia, Nova Iorque, que esboçou num bloco-notas não só o
nome como algumas ideias base da nova tecnologia. Gould haveria mais tarde de conduzir,
com sucesso, uma batalha jurídica de trinta anos para obter os direitos da
patente do laser. Um das coisas que o ajudou nesse processo foi a
autentificação que fez numa loja comercial com data e carimbo nas folhas do seu
bloco. O investigador, que trabalhou numa empresa privada, haveria de ficar
milionário ao ver finalmente os seus direitos reconhecidos, embora tenha tido
de pagar a advogados uma boa parte daquilo que recebeu.
Ainda hoje permanece em disputa entre os
historiadores de ciência a autoria do aparelho emissor de laser: devem ser
creditados Maiman, Gould, ou ainda um professor de Gould na Universidade de
Columbia, o também norte-americano Charles Townes, que tinha sido um dos
criadores do maser (trabalhou para a Bell Laboratories durante a guerra nio
desenvolvimento de sistemas de radares). Em 1958, Townes escreveu, juntamente
com o seu cunhado Arthur Schachlow, um artigo expondo em pormenor as bases
teóricas do laser, que como foi dito remontam a Einstein. Os dois receberam o
Prémio Nobel, o primeiro em 1964 e o segundo em 1981. Townes dividiu o seu
prémio, atribuído “pelo trabalho fundamental no campo da electrónica quântica,
que levou à construção de osciladores e amplificadores baseados no princípio
maser-laser”, com dois físicos russos Nicalay Basov e Aleksandr Prokhorov, que,
nesses tempos de Guerra Fria, trabalharam no mesmo assunto do outro lado do
muro de Berlim sem contacto com o Ocidente. Curiosamente, nem Maiman nem Gould foram distinguidos pela
Academia Sueca. Todos esses investigadores já faleceram. De todos eles, Townes
foi o que viveu mais tempo: faleceu em 27 de Janeiro de 2015, quando ia em
breve completar a bonita idade de cem anos. Ainda viveu a tempo de ver o começo
das celebrações de 2015 - Ano
Internacional da Luz.
A ciência, como foi o caso da ciência de
Einstein, fornece tecnologia. Mas a tecnologia também fornece ciência. Foram
numerosos os prémios Nobel da Física atribuídos após os anos 60 do século
passado por invenções e descobertas baseadas em luz laser: em 1971 o Nobel foi
atribuído pela ideia da holografia, assente no laser. Em 1981 o prémio Nobel
foi dado pelo desenvolvimento da espectroscopia laser. Em 1997, foi concedido pelo arrefecimento e
aprisionamento em átomos com luz laser
E, em 2000, distinguiu os construtores de lasers de semicondutores.
Actualmente os lasers tornaram-se mesmo instrumentos banais em laboratórios de
física, química e engenharia.
Hoje vivemos em tempo de laser. Eles estão por
todo o lado. De facto, é impossível
imaginar a nossa vida sem impressoras laser, sem apontadores laser, sem os CD
e DVD com músicas e filmes que têm leitura laser, sem a leitura óptica dos
códigos de barras nos supermercados, sem a transmissão de informação via laser por
fibra óptica, sem as várias formas de cirurgia laser, sem cortes industriais a
laser, sem fisioterapia ou depilação a
laser, sem espectáculos de luz laser, etc. Townes, Schachlow, Basov e
Prokhorov, quando conceberam os primeiros aparelhos de maser e laser, Gould, quando escreveu o novo nome e
propôs a nova técnica, e Maiman, quando viu pela primeira vez a luz laser
irradiada pelo rubi, não podiam imaginar a enorme quantidade de aplicações que,
décadas volvidas, o laser teria.
Quando Maiman viu a luz laser, dizia-se que se tratava de “uma solução à procura de um problema”. Não encontrou apenas um, mas sim muitos problemas, tendo-os resolvido a todos, com proveito geral. O laser tornou-se um exemplo clássico de como a investigação científica pode ser feita sem interesses comerciais imediatos para depois, quase como um bónus inesperado, aparecer todo um conjunto de aplicações que ganham um mercado retumbante. Este exemplo tem de ser repetido, para que os políticas percebam o valor da investigação fundamental, proporcionado os meios para que ela se desenvolva. O lucro é, em primeiro lugar, a compreensão. Depois, pode também ser económico. Mas por esta ordem.
Quando Maiman viu a luz laser, dizia-se que se tratava de “uma solução à procura de um problema”. Não encontrou apenas um, mas sim muitos problemas, tendo-os resolvido a todos, com proveito geral. O laser tornou-se um exemplo clássico de como a investigação científica pode ser feita sem interesses comerciais imediatos para depois, quase como um bónus inesperado, aparecer todo um conjunto de aplicações que ganham um mercado retumbante. Este exemplo tem de ser repetido, para que os políticas percebam o valor da investigação fundamental, proporcionado os meios para que ela se desenvolva. O lucro é, em primeiro lugar, a compreensão. Depois, pode também ser económico. Mas por esta ordem.
Carlos Fiolhais*
Professor de Física da Universidade de Coimbra e coordenador de 2005 – Ano Interancional da Luz (tcarlos@uc.pt)
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