terça-feira, 29 de março de 2016

CIÊNCIA EM PORTUGAL EM 1931


Comprei recentemente num alfarrabista o livro "Educação Científica", n.º 6 da colecção "Estudar é Saber", da Livraria Sá da Costa, da autoria de José Guerreiro Murta, professor do Liceu de D. João de Castro, com prefácio datado de 8 de Dezembro de 1931.

Ilustrativo da grande mudança de tempos desde então é o capítulo "Os Sábios devem casar?" O autor, após citar várias autoridades  antigas (Sócrates, Sócrates, Miguel Ângelo), que defendem o celibato dos sábios, opina que o sábio deve casar. Mas, para o Dr. Murta, "a maioria das mulheres não lhe podem servir. A sua escolha não pode ser norteada pelo critério vulgar". Depois de partilhar a opinião de Molière ("Je n'aime pas les femmes docteurs; les femmes docteurs ne son pas de mon goût"), escreve: "convém que a mulher  do especialista esteja à altura de compreender a sua paixão pela ciência e de bom grado renuncie aos prazeres fúteis da vida mundana, sentindo até deleite, e uma espécie de orgulho, em passar junto de seu marido, num ambiente de trabalho, as horas que as suas amigas dedicam ao espelho e ao chás. Esta simpática dedicação dará ao sábio alento e conforto espiritual nas lides mais agrestes das suas investigações científicas". E acrescenta: "Na Inglaterra, na França e nos países do Norte abunda este tipo de mulheres", subeentendendo-se que não as há em Portugal.  O autor é claro:  "De psicologia, de gostos, de tendências e sentimentos quase iguais aos seus, a mulher do sábio deve ser dotada de um grande espírito de sacrifício." Imagine-se agora se o autor pudesse vir cá hoje e verificar que a maior parte dos cientistas são mulheres!

O livro termina assinalando a falta de sábios em Portugal:

"Todos os países têm contribuído mais ou menos com a sua quota parte para o progresso científico. Portugal, apesar da sua pequenez, tem também juntado algumas pedras a esse grandioso monumento - a  Ciência". Os Portugueses, mais poetas do que sábios, mais fantasistas e sentimentais do que experimentadores realistas, têm brilhado mais no capo literário do que no campo científico."

Entre as excepções que confirmam a regra, o Dr. Murta enumera alguns cientistas lusitanos numa ordem que não é explicada. É curioso reparar naqueles que não têm sido lembrados de 1931 para cá e aqueles cuja memória persiste:

- Pedro Nunes*
- Correia da Serra*
- Avelar Brotero*
- Carlos Ribeiro*
- Ferreira Lapa
- Silvestre Bernardo Lima
- Ferreira da Silva*
- Pereira Coutinho
- Carlos França
- Aníbal de Betencourt
- Leite de Vasconcelos
- Gomes Teixeira*
- Estêvão Pereira da Silva
- Egas Moniz*
- Ildefonso Gomes
- Mark Atias*
- Joaquim de Carvalho
- Mendes Correia*

* Nomes referidos na minha "História da Ciência em Portugal" (Arranha-Céus, 2014).

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