terça-feira, 1 de março de 2016

A Tabela Periódica dos Elementos

A tabela periódica (também designada por quadro periódico) dos elementos faz hoje 147 anos. Assim parece, pois o rascunho considerado como a versão original da tabela periódica de Mendeleev tem a data de  17 de fevereiro de 1869 do calendário juliano então usado na Rússia, a qual corresponde a 1 de março do mesmo ano no atual calendário.  
Figura 1. Versão “original” da Tabela Periódica, (Essay d’une système des éléments) com data de 17 de fevereiro de1869. Os elementos estão organizados por ordem crescente das massas atómicas. Os que têm propriedades semelhantes estão organizados em linhas e colunas. À direita mostra-se uma versão em que se pode ver melhor o conteúdo relevante da tabela.
Mendeleev, professor na Universidade de São Petersburgo, foi a primeira pessoa a organizar os elementos químicos numa tabela periódica semelhante à que hoje é usada. Fê-lo num livro de texto para os alunos e comunicou a ideia à Sociedade Russa de Química em 1869, num artigo com o título “Da Relação das Propriedades dos Elementos com os Pesos Atómicos”.
Note-se que, na tabela original, há uns pontos de interrogação que correspondiam a elementos então desconhecidos, mas previstos por Mendeleev. É interessante notar que os nomes que ele usou para os então desconhecidos gálio e germânio foram eka-alumínio e eka-silício, em que o prefixo “eka” significa “um” em sanscrito, indicando que viriam a seguir. Mendeleev previu a existência destes elementos num artigo de 1869 e foi a sua identificação em 1875 e 1886, que o tornou famoso e levou à aceitação da tabela periódica.

Não vou aqui descrever essa ferramenta indispensável para grande parte dos químicos, que é a tabela periódica. Vou antes apresentar algumas ideias que  possam contribuir para compreender porque é que os elementos químicos são diferentes uns dos outros — no fundo, porque existe química.

Os átomos são constituídos por um núcleo que contém protões, de carga positiva, e neutrões neutros, e por eletrões distribuídos em “camadas” sucessivas à volta do núcleo, com respectivamente 2, 8, 18, etc. eletrões. O número de protões corresponde ao “número atómico” e, nos átomos neutros, ao número de eletrões. A tabela periódica é construída, preenchendo sucessivamente as várias “camadas”, a partir do hidrogénio com um protão e um eletrão, por ordem crescente do “número atómico”, e da distribuição dos eletrões de acordo com os números quânticos “principal” (determinante do nível de energia), “orbital”, “magnético” e de “spin”.

Todos os elementos desde o de número atómico 1 (hidrogénio) até ao 118 (com o nome provisório ununoctium) foram descobertos ou sintetizados, tendo os elementos 113, 115, 117 e 118 sido confirmados apenas em dezembro de 2015 pela IUPAC (União Internacional de Química Pura e Aplicada) completando assim o 7º período da tabela.

As propriedades dos elementos são consequência da sua estrutura eletrónica.  A razão da sua diversidade, que é, no fundo, a razão da existência da química, reside no princípio de exclusão de Pauli, que impõe que num átomo não pode haver mais do que um eletrão no mesmo estado, definido pelos números quânticos. Um dos números quânticos relevantes para a química é o número quântico de spin, associado à componente da grandeza física “spin” segundo uma dada direção, e que pode ter os valores +1/2 e -1/2.
O spin é uma grandeza física estranha e o facto de ter valor 1/2 é ainda mais estranho. A palavra spin significa “rotação”, o que nos poderia levar a supor que o eletrão tem um movimento de rotação. Seria portanto uma carga elétrica pontual que roda em torno de si própria, dando origem a um momento magnético. O momento magnético está, de facto, lá, mas o seu valor é metade do que seria de esperar se fosse devido a um verdadeiro movimento de rotação. Por isso se diz que o spin do electrão é 1/2. E se usa o termo “spin” e não “rotação”. O valor 1/2 corresponde à situação em que um objeto tem de rodar 720 graus, ou seja, duas voltas completas, até voltar à posição inicial.  

Figura 2. Exemplo de objeto (vetor S  deslocando-se ao longo de uma fita de Möbius) em que um percurso (rotação) de 360 graus em torno de z inverte a sua orientação, sendo preciso um percurso de 720 graus (duas voltas) para voltar à configuração inicial. Com isto não pretendo dizer que o eletrão seja assim!
Há dois tipos de partículas elementares: as que têm spin inteiro (0, 1, 2, etc.), chamadas bosões e as que têm spin semi-inteiro (1/2, 3/2, etc.) chamadas fermiões. Os bosões não satisfazem o princípio de exclusão de Pauli e, por isso, podem estar vários num mesmo estado. Os eletrões têm spin 1/2, sendo, portanto, fermiões, não podendo haver mais do que um no mesmo estado (com os mesmos números quânticos).

A Natureza é caprichosa mas, por vezes, deixa-nos desvendar alguns dos seus segredos. É o caso dos supercondutores, em que eletrões de spins +1/2 e -1/2 se juntam aos pares (os pares de Cooper) de spin zero (+1/2-1/2=0), os quais se comportam como bosões. No estado supercondutor, os eletrões que estavam nos últimos níveis do estado normal vão todos atrás uns dos outros, como “carneiros quânticos”, para um novo estado que se forma à temperatura crítica.
  
E porque é que a cada estado só pode atribuir-se um eletrão? A resposta tem a ver com o facto de que as partículas elementares, como os eletrões, são necessariamente idênticas, ou indiscerníveis.

Consideremos um sistema com apenas dois eletrões, eletrão 1 (i.e., que está na posição 1) e eletrão 2 (que está na posição 2) e consideremos dois estados A e B. Posso então considerar duas situações: eletrão 1 no estado A e eletrão 2 no estado B, que escrevo como A(1)B(2), ou a situação com os eletrões trocados, A(2)B(1). Dado que os eletrões são indiscerníveis, as regras da mecânica quântica obrigam-me a considerar simultaneamente as duas hipóteses: tenho de descrever o  sistema como uma combinação, ou sobreposição, das duas hipóteses. Em mecânica quântica, sobreposição quer dizer “soma algébrica”, pelo que tenho as duas hipóteses  A(1)B(2)+A(2)B(1)  ou  A(1)B(2)-A(2)B(1) que correspondem respectivamente aos bosões e aos fermiões. 

Acontece que, pelo facto de os eletrões terem spin 1/2, a troca de dois deles implica a mudança de sinal do estado combinado, isto é, A(1)B(2)=-A(2)B(1). Preciso fazer duas trocas sucessivas para obter a mesma configuração. Concluindo, se colocar os dois eletrões no mesmo estado, A, obtenho A(1)A(2)-A(2)A(1)=0. Mas “zero” não corresponde a nenhum estado físico. Portanto não podem existir estados com dois eletrões (ou mais).

Note-se que, se as partículas forem bosões, temos A(1)A(2)+A(2)A(1)=2A(1)A(2). Portanto esses estados existem. E a probabilidade de um novo bosão ir para o mesmo estado é tanto maior quantos mais lá estiverem.

Num Universo alternativo em que os eletrões tivessem spin inteiro não haveria química! Poderíamos ter elementos com número atómico crescente mas todos teriam propriedades idênticas, pois os eletrões, embora em número diferente, estariam todos no primeiro nível de energia (no mesmo estado) em todos os elementos. 

Para desanuviar deste já longo post, sugiro que ouçam a canção de Thom Lehrer sobre os elementos:

7 comentários:

José Menezes disse...

A fita de Möbius é de facto uma explicação para o spin 1/2, sempre me pareceu estranho. Mas há coisas na física quântica que continuam a não ser explicadas, ou com uma explicação fraca do tipo "está para além da compreensão humana".
Como pode haver dualidade onda/partícula?
Para haverem interferências positivas e negativas com electrões, sugere que cada um se tem de dividir quando surgem as fendas?

José Menezes disse...

No comentário anterior notifique-me sff
jmenezes29@gmail.com

Luis Alcacer disse...

«Nature isn’t classical, dammit!», disse Feynman

José Menezes disse...

Se calhar quis dizer: -Não percebo mas é assim.
Será?

Luis Alcacer disse...

O meu comentário é uma citação do físico Richard Feynman. Com a frase «Nature isn’t classical, dammit!» ele quer dizer mais ou menos "a Natureza não é clássica, c'os diabos". De facto, muitos dos fenómenos quânticos, como o comportamento dos átomos e dos electrões, que são descritos pela mecânica quântica, não podem ser explicados pelas leis da física clássica (de Newton) e desafiam a lógica do senso comum. Outra citação de Feynman é a seguinte: «ainda não é óbvio, para mim, que não há um problema real [com a mecânica quântica]. Não posso definir o problema, portanto suspeito que não há problema, mas não estou seguro de que não haja problema.» LA

José Menezes disse...

Não sei se o incomodo com esta longa conversa.
Eu percebi o comentário de Feynman e a sua resposta confirma. Para mim é que "…desafiam a lógica do senso comum". Para mim só há a lógica formal de De Morgan. Não sou físico, mas a afirmação de Feynman também não tem nada a ver com física. Ele conhecia bem a física teórica e verificava que a prática concordava com ela, e eu acredito nele. Afirmar que há ou não problema é uma questão de fé. A minha fé é de que há.
Portanto… fico à espera para ver o que isto dá.
Li há pouco tempo que a física teórica tem feito poucos progressos desde algumas dezenas de anos, apesar de estarem muito bons cérebros a trabalhar intensamente. Talvez apareçam alguns refinamentos que façam a física quântica não desafiar "a lógica do senso comum". JM

Luis Alcacer disse...

Não me incomoda nada a conversa sobre estes temas. Pelo contrário.
A física teórica é hoje uma das áreas científicas mais activas. A mecânica quântica, em particular, tem beneficiado do desenvolvimento tecnológico que ela própria gerou e permite realizar experiências até há pouco impossíveis como as que envolvem um único fotão, por exemplo. Há também grande actividade teórica embora os “fundamentos” pareçam continuar sólidos. Quanto a “lógicas”, desde 1936, ano em que foi proposta uma lógica quântica para lidar com a “aparente” violação, pela mecânica quântica, da lei distributiva da lógica clássica, que foram publicados em revistas da especialidade mais de 10 500 artigos. Esse é um dos temas da moda em crescente actividade e inclui a formulação de novas lógicas, quer quânticas, quer extensões da lógica clássica. LA

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