Meu artigo de opinião no Público de hoje:
No consulado de Nuno Crato, a
ciência portuguesa, que tinha crescido visivelmente no tempo de José Mariano
Gago, definhou. O orçamento diminuiu a olhos vistos, os números de bolsas e de
projectos caíram a pique, os equipamentos anquilosaram. Para cúmulo, uma
pseudo-avaliação, encomendada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) à
European Science Foundation, dizimou metade das unidades científicas nacionais:
por imposição de uma cláusula contratual, que só deixou de ser secreta por pressão
dos média, metade das unidades deviam perecer. Os relatórios liquidatários
foram feitos à distância, por júris a
quem faltava em muitos casos competência. A direcção da FCT, chefiada por
Miguel Seabra, ao atropelar as leis e os costumes mostrou não ter réstia de bom
senso, não conseguindo sequer justificar a distribuição que fez pelos
sobreviventes da fatia de erário público destinada à ciência. A comunidade
científica foi-se apercebendo cada vez mais do despautério, a ponto de, no
final da legislatura, já praticamente ninguém, a não ser o próprio ministro, defender
a FCT.
Manuel Heitor, o novo ministro da
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, que tinha sido secretário de Estado no
período áureo de Mariano Gago, foi, honra lhe seja feita, uma das muitas vozes que
reagiram em defesa da ciência em Portugal. Antes de chegar ao governo, promoveu
e assinou um “Livro Negro da Avaliação da Ciência em Portugal”, que constituiu
um impressionante repositório do que a administração anterior tinha feito em manifesto
prejuízo do país. Espera-se, por isso, que vire agora a página e volte a
colocar o sistema científico nacional numa trajectória de aproximação à Europa,
o que significa o seu reforço significativo, em especial aproveitando a rede de
unidades existente e rendibilizando os recursos humanos muito qualificados de
que o país dispõe e que, não encontrando aqui acolhimento, estão a procurá-lo lá
fora. A medida que tomou de formar um grupo de trabalho para definir a nova
orientação da FCT teve o mérito de sinalizar o restabelecimento da confiança
com a comunidade científica. O mesmo se pode dizer do encurtamento que ordenou
dos efeitos da “avaliação” anterior, mandando preparar outra para 2017. E ainda
da sua intenção, declarada numa entrevista ao PÚBLICO, de alargar o emprego
científico (“Vou flexibilizar o emprego científico”, 27/2/2016).
No entanto, o problema criado
pela FCT anterior está longe de estar resolvido. Em consequência do processo
inquinado à partida pela intenção arrasadora, certas disciplinas e certas áreas
geográficas foram favorecidas, ao passo que outras foram relegadas para uma
infausta subalternização, em certos casos mesmo aniquilação, tornando o país
pior. Pensava-se que o grande número de recursos submetidos seria examinado de
um modo sério por peritos independentes, conforme exigia o regulamento. Mas a
desilusão foi grande quando o novo presidente da FCT, nomeado pelo ministro após
o compasso de espera do grupo de trabalho, assinou de cruz os processos que
tinham sido deixados em cima da sua mesa. Não viu os dossiers, em vários casos
feridos por absurdidades, tornando-se na prática mero executor do testamento
deixado pelo responsável anterior. E não viu que afinal os recursos não foram
analisados por peritos independentes, podendo ter havido conluio entre os painéis
de avaliação e de recurso. Quando se apercebeu que estava dar a bênção a uma “avaliação”
que ele próprio tinha criticado, o ministro declarou que o quinhão de centros
condenados por Crato e Seabra não ia morrer às mãos dele. Contudo, uma vez que
a maior parte dos meios já se encontram comprometidos, terá de mostrar que tem
mais do que migalhas para dar aos deserdados do governo PSD-CDS. Ninguém reclama
que se rompam os contratos assinados, mas manda a decência que sejam reparadas
as injustiças flagrantes, que são não só materiais, mas também reputacionais. Reclama-se
que se anule a “pena de morte” que impende sobre muitos cientistas. O ministro
não ordenou ainda uma auditoria à “avaliação”, como o programa do governo indica
expressamente, mas a ética mais elementar determina que ela seja feita para
averiguar responsabilidades.
Por outro lado, a referida
entrevista foi pouco clara no que respeita ao aproveitamento dos nossos recursos
humanos. Heitor falou de “flexibilização” do emprego científico, um termo não
muito feliz. O que ele tem que fazer – e rapidamente – é reforçar as
universidades para que elas empreendam a renovação geracional que é absolutamente
vital para o nosso sistema científico e de ensino superior. Ciência e universidade
têm que se entrosar mais. É preciso sangue novo nas cátedras e este tem de
entrar ao arrepio dos tradicionais compadrios. Temos jovens talentosos que
merecem que se lhes dê futuro. Portugal precisa deles. O bom futuro deles será
também o nosso.
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