Com o tempo primaveril, os campos começam a
encher-se de flores. É fácil encontrar estas flores pequeninas, de cores e
formas variadas, cuja definição botânica podemos ler no dicionário:
“Anémona: Planta da família das ranunculáceas, de cores
variadas e brilhantes. As anémonas crescem nas matas, nos prados e à beira de
água. São lindas plantas, de flores muito diferentemente coloridas. “ in Lello Universal, Dicionário
Enciclopédico Luso-Brasileiro.
Mas a Mitologia fala-nos desta flor de uma forma muito mais
interessante.
Diz-nos o mito que Adónis era filho de Mirra, a jovem filha de
Tiante, rei da Síria a quem a ira de Afrodite suscitou um amor incestuoso pelo
próprio pai. Ao descobrir o ardil em que caiu, o rei, furioso, persegue-a para
a matar, mas os deuses apiedaram-se da jovem e transformaram-na numa árvore, a
árvore da mirra. Meses depois nasceu Adónis, criança cuja beleza impressionou
Afrodite que a recolheu e entregou a Perséfone, rainha dos Infernos, para que a
criasse em segredo. Mais tarde, Perséfone, presa da beleza do jovem, não quis
devolvê-lo a Afrodite o que gerou uma grande polémica entre elas. Esta lenda
tem semelhanças com a do rapto da própria Perséfone, já que, também aqui,
depois de um longo litígio, as duas deusas acordaram que Adónis passaria um
terço do ano no mundo subterrâneo com Perséfone e dois terços junto de
Afrodite. É mais uma lenda ligada ao mistério da vegetação, pois o jovem,
nascido de uma árvore, passa um terço do ano debaixo da terra e depois sobe ao
mundo da luz, para junto da deusa da Primavera e do Amor.
A lenda conta também que, um dia, o jovem foi ferido mortalmente
por um javali. O poeta Bíon refere que a deusa derramou tantas lágrimas quantas
as gotas de sangue de Adónis e que, de cada lágrima, nascia uma rosa e, de cada
gota de sangue de Adónis, nasceu uma anémona.
Assim relata Ovídio:
E a demora não foi maior
que uma hora inteira, quando
do sangue desponta uma flor,
com a cor que costumam
oferecer as romãs que encerram
os seus grãos sob flexível
pele. A sua vida, porém, é breve.
Pois, mal segura e fácil de
cair pela excessiva leveza,
arrancam-na os mesmos ventos
que lhe dão o nome.
( Metamorfoses, VIII,
734-739)
As anémonas, flores pequeninas e frágeis, florescem na Primavera
e no Outono. Apresentam cores variadas, do roxo ao lilás, ao púrpura, ao azul e
mesmo ao branco. Com mais de 60 espécies, o próprio nome científico faz alusão
ao mito. Dos três grupos principais de anémonas destacam-se: a Adonis vernalis,
a Adonis aestivalis, a Adonis
amurensis e a Adonis microcarpa.
Em honra de Adónis, instituiu Afrodite uma festa que era
celebrada pelas mulheres da Síria na Primavera, com um ritual que lembrava a
morte prematura do belo jovem: eram lançadas sementes em vasos e, de seguida,
regadas com água quente para que germinassem mais rapidamente. Porém este
violento tratamento fazia com que as plantas morressem pouco depois da sua
germinação, simbolizando, deste modo, a curta vida de Adónis. Essas plantações
denominavam-se “jardins de Adónis”.
Lembremos, a propósito, o poema de Ricardo Reis, o heterónimo de
Fernando Pessoa:
As rosas amo dos jardins de Adónis,
Essas volucres amo, Lídia, rosas,
Que em o dia em que
nascem,
Em esse dia morrem.
A luz para elas é eterna, porque
Nascem nascido já o sol, e acabam
Antes que Apolo
deixe
O seu curso
visível.
Assim façamos nossa vida um dia,
Inscientes, Lídia, voluntariamente
Que há noite antes
e após
O pouco que
duramos.
In Poesia , Assírio &
Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva, 2000
E assim o
mito embeleza a natureza, traz poesia às coisas simples. Não é mais belo que a
descrição do dicionário?
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