Poeta
em tempo de miséria
Falava à pressa.
Falava sem ouvir nem ver nem falar.
Falava como o que foge,
emboscado de supetão na falsa folhagem
de simpatia e irrealidade.
Falava sem pontuação e sem silêncios,
Intercalando em cada pausa gestos de rotineira
alegria para talvez se esquivar à pergunta,
à solidariedade com o seu passado,
sua verdade nua.
Falava como se quisesse delir a vida antes de uma
testemunha incómoda,
para a qual se rodeava de seres secundários
que dos seus desprezos nutriam
uma grosseira vaidade.
Comprava assim o seu silêncio a alto preço,
a posição estável a alto preço,
o direito à vida a alto preço,
a alto preço o pão.
Talvez metal nobre que o martelo batera
pela causa mais pura.
Poeta em tempo de miséria, de mentira
e infidelidade.
O Círculo
A mulher estava com os dois seios,
a ímpar cabeça giratória,
a extensão do sorriso, o ar
de acomodar e de se estender sabiamente fingido.
A mulher estava sitiada por ela mesma,
de admiração opaca e compartilhada,
sob a luz sombria dos olhares.
A complacência da presença enchia
de estólida ternura os objetos propínquos.
A mulher estava de pé somando-se ao seu corpo.
As palavras sonhavam levando sentidos
Supérfluos e ordinários.
Girava, a mulher.
Excedia a sua órbita
como prenúncio
de tudo o que é belo,
vazio, ritual, sonoro, triste.
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