Texto da jornalista Adelaide Oliveira, publicado no MGF Notícias, publicação oficial da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, a propósito da conferência que proferi na abertura do seu 19.º Congresso Nacional, sobre medicina e pseudociência, e da troca de ideias acerca da regulamentação das medicinas alternativas, que tive com o Director Geral de Saúde.
David Marçal, autor do livro “Pseudociência”, foi o protagonista da conferência de abertura do 19.º Congresso Nacional. Doutorado em Bioquímica pela Universidade Nova de Lisboa, colaborador da Fundação Calouste Gulbenkian e do Pavilhão do Conhecimento na promoção da cultura científica, o coordenador dos “Cientistas de Pé” alertou que a pseudociência se alimenta de termos científicos para lhe dar credibilidade, da criação de controvérsias artificiais e de figuras de autoridade. As suas críticas estenderam-se à regulamentação das terapias alternativas que, na sua perspetiva, “não contém nada que proteja os pacientes ou que responsabilize os praticantes destas terapias”. A polémica instalou-se quando o diretor-geral da Saúde, Francisco George, veio defender exatamente o contrário
O confronto entre o conhecimento baseado em figuras de autoridade e o conhecimento baseado na
observação e na experiência é o que está na base da confusão entre a ciência e a pseudo-ciência, afirmou David Marçal na conferência de abertura do 19.º Congresso Nacional de Medicina Geral e Familiar.
De acordo com a decisão do juiz norte-americano William Overten, no caso McLean versus Arkansas (1980), em que estava em causa a “ciência da criação”, a ciência é guiada por leis naturais, tem que ser explicada de acordo com leis naturais, é verificável no mundo empírico, as suas conclusões são provisórias e não necessariamente a palavra final, além de poder ser refutada.
Na opinião de David Marçal, “a pseudociência e as terapias alternativas são o contrário de tudo isto”. Além de “não serem guiadas por leis naturais – há sempre alguma coisa sobre- natural a explicar – nunca são verificáveis, as suas conclusões nunca mudam e claro que não podem ser refutadas”.
A pseudociência mascara-se de ciência através da utilização da tradição, de “figuras de autoridade, tais como médicos e doutores”, uma “linguagem aparentemente científica” e “confunde testemunhos pessoais com ensaios clínicos”.
David Marçal dá exemplos de terapias alternativas sem fundamento científico, referiu a homeopatia “como um caso interessantíssimo porque adquire o estatuto de credibilidade pública sem ter nenhum fundamento científico. E pessoas que não fariam tratamentos ou não utilizariam outro tipo de medicinas alternativas, acham que a homeopatia talvez seja diferente”, até porque “é vendida em farmácias”.
O primeiro princípio da homeopatia diz que “uma substância capaz de causar um sintoma numa pessoa saudável é capaz de tratar o sintoma numa pessoa doente”. Mas, segundo David Marçal, “esse princípio não interessa nada”, se considerarmos o segundo princípio, das diluições infinitesimais, “ao fim das quais não sobra nada”.
Aliás, segundo o bioquímico, “num preparado homeopático 12C, se beber um litro, tenho 60% de probabilidade de encontrar uma molécula; se for 30C, a probabilidade de encontrar uma molécula é equivalente à de ganhar o Euromilhões cinco vezes seguidas”.
Já no que se refere à acupunctura, David Marçal aconselhou os presentes a pesquisar as re- visões sistemáticas da literatura da Cochrane Collaboration. Regra geral, as conclusões são “a acupunctura não mostrou eficácia terapêutica no tratamento da doença X”, ou “há indicações muito ligeiras da eficácia da acupunctura na doença Y mas os dados são inadequados e as amostras demasiado pequenas, ou seja, não têm o mesmo tipo de prova que é exigido para a medicina convencional”.
Polémica em torno da regulamentação das terapias alternativas
Esta questão conduziu David Marçal a uma viva crítica sobre a regulamentação das medicinas alternativas em Portugal. “O primeiro capítulo desta história aconteceu em 2003, com a publicação da Lei do Enquadramento Base das Terapêuticas não Tradicionais”, a qual remetia para nova regulamentação. Esta teve lugar em 2013, permitindo à Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) “atribuir certifica- dos a alguns destes profissionais”.
Dando como exemplo a homeopatia, “uma medicina que não funciona”, David Marçal considera que “dizer que umas pessoas podem aplicar esta medicina e outras não, é mais ou menos o mesmo que a Direção-Geral de Veterinária emitir normas de boas práticas para amestrar dragões”. As críticas de David Marçal estenderam-se às diferentes portarias, datadas de 2014, sobre a regulamentação da naturopatia, homeopatia, fitoterapia, acupunctura e medicina tradicional chinesa, que o bioquímico compara à “regulamentação dos poderes dos Pokémon”, até porque “não contém nada que proteja os pacientes ou que responsabilize os praticantes destas terapias”.
Minutos depois, na cerimónia de abertura do 19.º Congresso Nacional, o diretor-geral da Saúde dedicou todo o tempo da sua intervenção a esclarecer esta questão. De acordo com Francisco George, por quem passaram estes processos, “muito mais de 20% dos cidadãos procuram terapias não convencionais”.
A Lei de 2003 “pretendeu acabar com a má prática da medicina não convencional”, bem como “disciplinar o setor”, afirmou. Do mesmo modo, a regulamentação dessas terapias, em 2014, surgiu com o objetivo de “reduzir os efeitos negativos das más práticas, em nome dos interesses da saúde”.
Adelaide Oliveira
1 comentário:
O comentário que me suscita a legalização das ditas medicinas alternativas é de que os lobbys que impuseram a sua legalização na Ass. da República, conseguiram iludir os deputados que votaram essas leis, comportando-se estes como verdadeiros analfabetos e, o Presidente da República a mesma coisa, quando ratificou. Afinal, tudo isso agora está consagrado na lei e, a ignorância está colocada ao mesmo nível da ciência. A homeopatia está ao mesmo nível da medicina. Não sei se é para introduzir essas práticas no SNS! … Isto é uma fraude. O cidadão comum fica confuso (ou não fica) e tinha o direito de não ser enganado pelo próprio Estado. Faz, apenas, um raciocínio simples e diz “se está na lei é porque está certo”. Mas os políticos é que tinham obrigação de se apoiarem no conhecimento científico (socorrendo-se de peritos qualificados) e não legislar para se vender ao Povo gato por lebre. Conclusão: é legal, mas é falso.
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