No dia 5 de Junho foram publicadas em Diário da República cinco portarias que definem os cursos que conferem os graus de licenciado em fitoterapia, acupuntura, quiropraxia, osteopatia ou naturopatia. No caso da naturopatia (Portaria nº 172-F/2015), por exemplo, a formação abrange uma miríada de coisas mais ou menos delirantes, entre elas a auricoloterapia e a iridologia. A
auricoloterapia baseia-se na ideia de que a orelha representa o corpo todo, como uma espécie de boneca vodu em que a cada pontinho do pavilhão auricular corresponde um órgão, como o fígado, o pâncreas ou o coração, ou uma parte do corpo, como o ombro ou o pescoço (interrogo-me se orelha também terá um ponto que representa a própria orelha). A iridologia é mais ou menos a mesma coisa, nos olhos. Neste caso a análise da cor e outras características da íris permitiriam identificar doenças em órgãos específicos. Para isso os iridologistas usam mapas das íris, divididas como queijinhos do trivial persuit, que correspondem à vagina, aos rins, à “sexualidade mental”, ao esófago, etc. Tudo isto é fantasticamente divertido, mas penso que não é necessário perder muito tempo a explicar que não tem qualquer fundamento científico. A ciência baseia-se em observações ou experiências, descritas de um modo transparente, de modo a que possam ser confirmadas ou refutadas por outros grupos de investigação. Se as terapias alternativas conseguissem demonstrar cientificamente a sua eficácia e segurança, nomeadamente através de ensaios clínicos bem feitos, não seriam alternativas.
auricoloterapia baseia-se na ideia de que a orelha representa o corpo todo, como uma espécie de boneca vodu em que a cada pontinho do pavilhão auricular corresponde um órgão, como o fígado, o pâncreas ou o coração, ou uma parte do corpo, como o ombro ou o pescoço (interrogo-me se orelha também terá um ponto que representa a própria orelha). A iridologia é mais ou menos a mesma coisa, nos olhos. Neste caso a análise da cor e outras características da íris permitiriam identificar doenças em órgãos específicos. Para isso os iridologistas usam mapas das íris, divididas como queijinhos do trivial persuit, que correspondem à vagina, aos rins, à “sexualidade mental”, ao esófago, etc. Tudo isto é fantasticamente divertido, mas penso que não é necessário perder muito tempo a explicar que não tem qualquer fundamento científico. A ciência baseia-se em observações ou experiências, descritas de um modo transparente, de modo a que possam ser confirmadas ou refutadas por outros grupos de investigação. Se as terapias alternativas conseguissem demonstrar cientificamente a sua eficácia e segurança, nomeadamente através de ensaios clínicos bem feitos, não seriam alternativas.
Este é apenas o mais recente episódio de uma saga legislativa em curso, que teve outro desenvolvimento importante em Outubro de 2014, com a publicação de um outro ramalhete de portarias, que regulam o acesso às profissões das terapias alternativas. Estas, em nada protegem os doentes ou responsabilizam os praticantes, servindo apenas para que a Administração Central do Sistema de Saúde seja obrigada a emitir cédulas profissionais, que os terapeutas podem colar nas paredes dos consultórios, induzindo erradamente no público a ideia de que estas práticas têm um fundamento científico equivalente ao da medicina convencional, o que pura e simplesmente não é verdade. A linguagem nelas usada é constrangedora, abundam expressões como “concepção holística, energética e dialética do ser humano”, “desarmonias energéticas”, “rede de meridianos”, que nada significam e são o equivalente a legislar sobre poderes dos Pokemóns.
Vários países, como a Austrália e o Reino Unido, que cedo deram passos no sentido de adoptar as terapias alternativas, ensaiam agora recuos, em face de estudos que demonstram a sua falta de eficácia e de segurança, nomeadamente no que diz respeito à homeopatia, por exemplo. Que sentido faz convidar as universidade portuguesas, com graves problemas de financiamento, a venderem licenciaturas em banha da cobra? A comunidade científica e educativa deveria recusar esse papel e deixar as pseudociências remetidas aos seus guetos de incenso e cítaras.
David Marçal
Bioquímico
23 comentários:
Incrível como alguém que não tem qualquer formação num assunto possa ser tão crítico em relação ao mesmo. Lá nos seus métodos científicos não lhe ensinaram que para refutar uma ideia, é preciso conhecê-la com seriedade e profundidade de análise? Felizmente para nós, quem defendeu a regulamentação dos "poderes de Pokemons" tem formação não só em "métodos científicos" como em "pseudociências de incenso e cítaras". Tem, portanto, mais formação do que o senhor e, certamente, mais autoridade "científica" para poder discorrer sobre o que, efetivamente, SABE. Ou vai dizer-me que é o seu livrinho do Pingo Doce uma séria análise sobre o assunto?
Quando num caso extremo de doença, não há nada a fazer por parte da medicina, muitas pessoas procuram essas tais medicinas alternativas, e em verdade vos digo, muitas delas melhoram a sua qualidade de vida, outros conseguem atrasar o processo de falência orgânico e vivem por muito mais tempo, outros ainda conseguem fazer desaparecer por completo os seus graves problemas, coisa que a medicina, que fez tudo o que podia, não consegue fazer, e não tem explicação para esses processos de cura, milagrosamente feitos por essas técnicas que o Sr. Marçal falta.
Mais um anónimo a usar o argumento da ignorância e da autoridade. A monotonia da falta de argumentos é cansativa. Caro anónimo, procure "pseudociência" na wikipédia, para não ter muito mais trabalho. E tenha um bom domingo.
Só espero que isto seja uma brincadeira de mau gosto... Que esta medida seja anulada o mais depressa possível!
Com certeza que me há-de explicar, na sua infinita sabedoria, como funcionam então as coisas que foram aqui descritas, não? Acha mesmo que a orelha representa o corpo inteiro? Ou o olho? Iria confiar a sua vida a uma pessoa que defenda estas ideias? Já agora, essa pessoa com "autoridade científica" já demonstrou a validade das ideias, sem ser em blogs ou vídeos de Youtube? Como quem diz, demonstrar de uma maneira SÉRIA, com estudos, e com pessoas a poder reproduzir o método. Pense lá um bocadinho antes de destilar ignorância na net.
Sabe indicar-me um único caso registado em que essas coisas tenham de facto acontecido, e onde tenha ficado provado que foi graças às ""medicinas"" "alternativas"? Há algum estudo que comprove a eficácia destas? Há maneira de o testar, sequer?
Boa tarde!
Temos de ter mente aberta!
Não nos podemos esquecer que Galileu Galilei foi um louco por dizer que a terra era redonda...
'O pai da medicina ocidental, o médico e filósofo grego Hipócrates, gostava de repetir enquanto cuidava de seus pacientes que “o homem é uma parte integral do cosmo e só a natureza pode tratar seus males”'
Aqui tem um artigo de 2004 de uma revista que tem o seu valor:
http://super.abril.com.br/ciencia/medicina-alternativa
Cumprimentos e continuação de um bom domingo.
"Galileu Galilei foi um louco por dizer que a terra era redonda"
Não... Não foi nada disso que ele disse. Toda a gente sabia que a Terra é redonda desde os tempos da Grécia Antiga. E que tem isso a ver com isto? Na altura, quase não dava para testar as ideias dele, ao contrário destas.
Para o Anónimo de 19 de Julho, 13:41:
Quer um caso?
Deixo-lhe o meu.
Há alguns anos tive uma periartrite num ombro, que me impossibilitava os movimentos. Já nem conseguia vestir a manga da camisa e do resto do vestuário sem ajuda.
O que o ortopedista me receitou foi um conhecido anti-inflamatório (não digo o nome para não fazer publicidade gratuita ao produto), pois disse-me que era o único tratamento para este tipo de problemas. E tratou-se de um conceituado ortopedista, que foi chefe de serviços de um conhecido hospital ortopédico, médico muito competente e em quem tenho confiança, pois tratou familiares meus de outras maleitas.
Mas o problema está nos pormenores, a bula do medicamento metia medo nos efeitos secundários. Resolvi aplicar simplesmente emplastros de argila verde (que é um anti-inflamatório natural) e resolvi o problema completamente.
Passados 2 ou 3 anos tive um problema semelhante nos sintomas, mas no outro braço. Nem fui ao médico. Apliquei a mesma cura. Não só não resolvi o problema como este se agravou. Tive de recorrer ao médico que, através de exames, detectou outro tipo de inflamação: uma brusite. Mas a receita foi a mesma, o tal anti-inflamatório milagroso (bastante conhecido) em 3 formas: comprimidos, pomada e infiltrações.
O médico teve o cuidado de me perguntar se tinha problemas de estômago para poder tomar os comprimidos. E repetiu-me que neste tipo de problemas não havia outra solução senão este medicamento, muito eficaz.
Recorri, então, às ditas medicinas alternativas, que melhor seria se chamassem técnicas terapêuticas.
Devo dizer que sou muito renitente em relação às ditas medicinas alternativas, onde se misturam técnicas terapêuticas de eficácia comprovada com outras que são pura charlatanice. Tenho consciência de que muitas são pura vigarice, que há muitos charlatães a enganar os doentes, mas que outras são eficazes nalgumas doenças, desde que feitas por quem sabe: é o cado da acupunctura.
Fiz 3 meses de acupuctura sem qualquer resultado. Desconfiei da competência da terapeuta. Procurei outra pessoa, por sinal competente e séria, que me disse que a acupunctura só se faz, no máximo, em 12 sessões, nunca durante 3 meses, e que, se à 3.ª sessão não houver melhorias, o melhor é desistir pois ela não resolve tudo.
À 3.ª sessão, de facto, comecei a sentir melhorias e fiz 12. Fiquei completamente curado. Mas o técnico disse-me que o problema poderia voltar dentro de alguns anos. Aconteceu passados 4, repeti a dose e já lá vão 8 sem qualquer sintoma.
Se quiser acreditar acredite, se não quiser não acredite.
Gostei do texto que achei pertinente. Não conhecia esta legitimação estatal de alguns palpites. Para além da possibilidade de ser banha da cobra chamam tolos a todos aqueles que praticam a verdadeira ciência.
Uma nota para agradecer ao David Marçal o importante trabalho de desmistificação da pseudociência que vem a desenvolver. A legislação referida nesta peça é particularmente gravosa: trata-se de um monumental ataque à literacia científica e da legitimação do obscurantismo, da superstição e das crenças mítico-mágicas que assim são legitimadas aos olhos de uma população maioritariamente não informada e, como tal, presa fácil deste tipo de discurso.
E acabei de ver no Expresso que os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) vão promover um ciclo de conferências entre o final deste ano e o próximo em que uma delas é sobre "medicina integrativa". Esta designação refere-se à mais recente estratégia internacional para legitimar a banha-da-cobra e que, inevitavelmente, nos viria também bater à porta mais tarde ou mais cedo. E isto por parte de um organismo central do Ministério da Saúde.
O que eu estou a ver é que, por não obedecer ao seu médico, e por ter muito medo da medicina verdadeira, teve de tratar desse problema em três alturas separadas ao longo de mais de uma década, em vez de o resolver logo. E você ainda acha que isso é uma história a favor das medicinas alternativas. Enfim... É triste, mas não me surpreende.
Senhor Anónimo de 20/7, 08:36,
O que não me surpreende é a incapacidade de algumas pessoas para discutirem com o mínimo de seriedade, de racionalidade, fugindo das paixões ideológicas ou maniqueístas fanáticas.
Nem depois de todas as explicações que procurei dar, para não ficarem dúvidas de que não tenho uma posição de tipo clubísta sobre a matéria (nem sou crente das chamadas medicinas alternativas, não são alternativa a nada, são técnicas terapêuticas que, algumas, dão resultado, outras são pura charlatanice), antes procuro introduzir racionalidade nas minhas decisões, tal como nas apreciações que faço das situações, nem isso lhe fez luz no seu cérebro formatado.
E não deixou de deturpar toscamente o que eu disse: eu tratei de 2 problemas, diferentes um do outro: um, resolvi-o de uma só vez e até hoje, já lá vão mais de 12 anos, e com um simples produto natural, sem efeitos secundários.
O 2.º resolvi-o até hoje à 2.ª tentativa, em 2007, com a acupunctura.
Como sabe, nos tratamentos da chamada medicina convencional trata-se a doença uma vez e nunca mais volta. E nunca há diagnósticos errados nem terapêuticas que tenham de ser alteradas por se revelarem ineficazes: aquilo é tiro e queda.
Com pessoas como o senhor não perderei nem mais um segundo.
Caro APP:
Acredito no que diz. Mas o teste que descreve é pouco exigente, isto é, não seria suficiente para obter a aprovação do Infarmed. Os testes do Infarmed são de outra natureza, baseados na Teoria das Probabilidades e o seu "remédio" não seria aprovado com as experiências que descreve. Note que aqui entram probabilidades. Além disso cada um é livre de acreditar no que quiser. Há quem acredite em rezas e está no seu direito. Por mim prefiro que a Lei portuguesa continue a considerar obrigatórios os testes do Infarmed para um remédio ser aprovado. Sei que há pessoas que não acreditam numa coincidência mas que já acreditam se forem 3 ou 4 coincidências consecutivas. Outros acreditam em milagres, etc. Sou pelo pluralismo nestas matérias.
A orelha não representa o corpo inteiro mas a cabeça do pénis representa. Já experimentei massagens lá e dei-me muito bem. Infelizmente isto só funciona com homens e para mulheres não dá nada por ausência do órgão de cura universal.
Concordo plenamente com a posição aqui descrita, nenhum tratamento devia ser autorizado sem os devidos ensaios clínicos, quanto mais diplomado!
Terá razão mas eu resolvi problemas do tipo de que fala de maneira mais simples e barata: não fiz nada, deixei o tempo correr e a coisa passou. Conheço pessoas que conseguiram o mesmo que eu. Infelizmente também conheci pessoas que, pelo, mesmo método, (não fazer nada) morreram. Conclusão: só consigo concluir que umas vezes a gente safa-se outras não. E punha o pescoço num cepo se isto não é verdade.
Então não perca mais tempo comigo. Não percebe que os seus problemas foram prolongados porque teve medo do que teve de ser testado antes de lhe ser dado. Se não está disposto a usar a lógica, como mostrar que o seu argumento é ilógico? Também não vale a pena perder tempo consigo.
Eu acho que todos os comentadores até este momento têm razão, está tudo certo os que dizem que sim e os que dizem que não, é tudo malta porreira. Agora eu quando estou doente vou a um médico. Há outros que vão a Fátima e dizem-me que com muito bons resultados.
... mas afinal, vamos lá ver - Ainda ninguém se deu conta que são os médicos, os maiores interessados e a maior força por detrás da regulamentação das terapêuticas não convencionais? Se fosse por eles, isto já estava tudo tratado.
Eu acredito no tempo de duração. Cada ser tem um tempo de duração, findo o qual deve morrer.
"ramalhete de portarias" , legitimação de palpites e as chamadas ciências da educação que tantos estragos causam no ensino secundário
Temos também a Portaria nº. 344/2008, de 30 de Abril que vem legitimar as chamadas Ciências da Educação
através do reconhecimento automático dos mestrados e doutoramentos efectuados em vários tipos de
estabelecimentos de ensino superior.
E a mesma Portaria nº. 344/2008, de 30 de Abril vem desautorizar a Universidade de Lisboa e a
Universidade do Porto e discriminar os diplomados com doutoramento (anterior a Bolonha) na área
científica de docência, contribuindo para uma desconfiança na formação ministrada pelas universidades e
uma desautorização crescente do ensino superior universitário.
Medicinas alternativas não chegam ao superior
Dos 17 pedidos de criação de licenciaturas como Acupuntura, Fitoterapia ou Osteopatia, 12 já foram chumbados pela Agência de Avaliação
http://expresso.sapo.pt/sociedade/2016-05-28-Medicinas-alternativas-nao-chegam-ao-superior
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