Rilke pensava que o caminho, para Deus, era o da pobreza e da
miséria. Em seus poemas, via os pobres a multiplicarem-se. No Livro de Horas,
esta ideia está presente; assim como o ódio que o poeta tinha às elites das
grandes cidades, à corrupção e aos vícios das mesmas. As viagens que fizera à
Rússia, com Lou Andreas-Salomé, foram determinantes na consolidação do seu
pensamento.
Quando alguma coisa me cai da janela
O poeta não se enganara – os pobres crescem, hoje, como bagas
de floresta. E Deus talvez esteja em boa companhia.
Quando alguma coisa me cai da janela
(mesmo que
fosse a coisa mais pequena)
como se
precipita a lei da gravidade
violenta
como um verbo do mar profundo
sobre cada
bola e cada baga à vontade
e a
transporta para o cerne do mundo.
Cada coisa é
vigiada
por bondade
pronta a voar
como cada
pedra e cada flor
e cada
criança pequena de noite guardada.
Apenas nós
nos apressamos, na nossa amabilidade,
a partir de
alguns enquadramentos
para o
espaço vazio de uma liberdade,
em vez de,
entregues a forças prudentes
como uma
árvore nos ergueremos.
Em vez de
nos trilhos mais distantes
serena e
voluntariamente nos dispormos,
enlaçamo-nos
em muitas variantes,
e quem se
exclui desse em conjunto viver,
anonimamente
só acaba por se ver.
Então tem de
todas as coisas aprender,
como uma
criança começar,
porque elas
no coração de Deus estavam a pender,
dele não se
vieram afastar.
Uma coisa
terá de voltar a poder:
pacientemente
no peso descomprimir,
que se
atreveu a todos os pássaros no ar
no seu voo
antecipar.
(Pois também
os Anjos deixam de voar.
A pássaros
pesados assemelham-se os Serafins,
que à volta
dele se sentam e meditam;
a destroços
de pássaros,
pinguins
assemelham-se quando definham…)
1 comentário:
Este era um dos poemas com que, por vezes iniciava a Mecânica no 12º ano. É belíssimo.
Mais uma belíssima escolha.
Regina Gouveia
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