segunda-feira, 27 de abril de 2015

Uma palavra ao Prof. Victor Gil

Texto recebido de João Paiva, professor da Universidade do Porto, a cujo espírito me associo (foi publicado no Diário de Coimbra de hoje:

 Começo com uma declaração de interesses: colaborei desde há 30 anos e ainda colaboro com o Prof. Victor Gil, tempo que foi mais do que suficiente para conhecer e usufruir das suas singulares qualidades tanto humanas, como pedagógicas, científicas e culturais. Sobre a recente polémica que o afastou do Exploratório Infante D. Henrique em Coimbra, confesso que, apesar de não ter acompanhado em pormenor todo o processo, partilho a sensação dos que reconhecem que, no mínimo, ele foi não só mal conduzido como até lamentável. Queria nesta ocasião sublinhar alguns aspectos do passado e lançar um olhar sobre o futuro.

Não são todos os cientistas que pintam ou fazem poemas, nem todos os químicos que se entregam ao árduo, difícil e gozoso trabalho de promover o ensino e a divulgação da ciência para todos. Na sequência de uma carreira brilhante como químico, com destaque particular para o seu doutoramento em Sheffield, na Inglaterra, e para a responsabilidade pelo primeiro laboratório de Ressonância Magnética Nuclear (RMN) português, Victor Gil foi o primeiro (jovem) reitor da Universidade de Aveiro. A par da sua atividade científica sempre teve intervenções na educação e na divulgação da ciência. São inúmeras as suas obras publicadas no país e no estrangeiro, não só na investigação química mas também em domínios educativos e culturais. Sou coautor de algumas dessas obras, pelo que posso testemunhar o empenhado, competente e original papel daquele que foi e é o meu mestre na minha profissão.

Na parte mais avançada da sua carreira, como aliás acontece com muitos cientistas, o Prof. Victor Gil dedicou-se quase em exclusivo ao ensino e à divulgação científicas. A forma como emprestou a esta causa a sua inteligência e criatividade foi impressionante. Colaborei nos primeiros passos do Exploratório: as nossas conversas inspiradas em algumas visitas a Centros de Iniciação Científica estrangeiros, as ideias que íamos tecendo e algumas noitadas a manufacturar as montagens de demonstrações e pequenas exposições deixam-me uma grata saudade. Foi com base nesses primeiros humildes mas ousados gestos que a ciência, com novos edifícios, foi colocada na praça pública e nas mãos de todos as pessoas curiosas, principalmente dos mais novos.

Com o tempo as construções foram-se cimentando (no duplo sentido da palavra). Primeiro na Rua Pedro Monteiro e depois na margem do Mondego, o Exploratório Infante D. Henrique ofereceu-se à cidade e ao país, num espaço onde o “mexer” para questionar era incentivado.

Juntamente com a Prof.ª Helena Caldeira e outros colaboradores interessados e interessantes, o Prof. Victor Gil contribuiu durante décadas para erguer uma das estruturas culturais mais relevantes da cidade, um pólo competente e cativante da Ciência Viva do nosso país.

Este legado tem um óbvio e reconhecido valor (não seria preciso ser discípulo, como é o meu caso, para concordar). A cidade, a universidade, o país, a ciência e a cultura devem ao Prof. Victor Gil uma sentida palavra de grande reconhecimento.

A química, sua pátria primeira e apaixonada, interessa-se pela transformação. A natureza oferece-nos exemplos notáveis de mudança e de renascimento, como acontece com sementes que, na dor do confronto com a terra agreste se abrem para mais tarde dar o fruto que as justifica. Victor Gil já nos deu frutos enormes da semente que sempre foi mas o meu repto de amizade e cidadania é para que interprete o eventual deserto de descontinuidade como a terra em que novos desafios se lançarão. Já lhe devemos muito mas eu desejo saborear a sombra de mais árvores que ele poderá plantar. Eu, como muitos outros, estamos profundamente agradecidos e estamos também na expectativa de tudo aquilo que nos poderá ainda dar.

 João Paiva
Professor no Departamento de Química e Bioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto

1 comentário:

regina disse...

Caro João Paiva
Escrevi já um comentário a propósito do louvor que o Prof. Fiolhais escreveu também aqui
Reproduzo-o como uma forma de reforçar o seu testemunho.
Em 2012, a convite do Prof. Victor Gil, fui ao Exploratório conversar, com professores, sobre Poesia e Ciência, um tema que lhe é muito grato.. Poesia e Ciência. Implicações para a educação formal e não formal em Ciência, é o título de uma belíssima publicação de que é co-autor e que muito gentilmente me ofereceu. Foi com enorme entusiasmo e carinho que me guiou através do Exploratório.
Obrigada Prof. Victor Gil.

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