quinta-feira, 23 de abril de 2015

Mais e melhor ciência (artigo de 1998)

A 30 de Outubro de 1998, três anos após existir o Ministério da Ciência e Tecnologia eis o que escrevi no Público a extraordinária mudança que o ministro José Mariano Gago estava a levar a cabo no país:

"O anunciado aumento de 26 por cento do orçamento do Ministério da Ciência e da Tecnologia, que faz a despesa em investigação e desenvolvimento no próximo ano alcançar 0,8 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) português, constitui motivo de contentamento para todos aqueles que têm defendido a ciência em Portugal. Representa uma clara vitória política do ministro José Mariano Gago, que assim consolida um projecto anunciado há anos no seu livro “Manifesto para uma Ciência em Portugal”. Corresponde ao esforço da nossa comunidade científica, cada vez mais jovem e activa. E é também e sobretudo o materializar de uma necessidade inadiável de modernidade. Embora a civilização se possa medir de várias maneiras, a percentagem do investimento científico é um indicador obrigatório. Estaríamos a fugir do futuro se não avançássemos urgentemente nesse número.

Teremos, pois, no futuro mais ciência. Esse facto não ajudará a auto-estima nacional tanto como uma esporádica feira mundial ou um oportuno prémio Nobel. Mas trata-se de algo mais duradouro e profundo, e que merece apreciação: o investimento que fazemos hoje em ciência e tecnologia é condição para desfrutarmos amanhã de riqueza e cultura acrescidas. Sem ele, continuaremos pobres mesmo que organizemos feiras à beira-rio.

Não nos devemos, porém, iludir. O avanço que agora se divulga só é tão nítido porque há anos e anos de atraso que em nada ajuda (algum do tempo perdeu-se na fase terminal do cavaquismo, quando o progresso económico não teve contrapartida científico-técnica). Por outro lado, ainda estamos longe dos países mais desenvolvidos: estes gastam cerca  de 2 por cento do PIB em ciência e tecnologia e alguns países com quem nos queremos comparar estão à nossa frente (a Espanha anunciou para 1999 1 por cento, embora aqui se incluam projectos do Ministério da Defesa).

Temos, por isso, de ser exigentes. Temos de querer não só mais como também melhor. Temos de assegurar empregos aos jovens que decidiram apostar em carreiras de investigação (e para quem a vida está incerta). Temos de rejuvenescer as universidades, que em parte estão anquilosadas e nem sempre reconhecem o trabalho científico. Temos de sacudir a burocracia e a rotina dos Laboratórios do Estado (cuja avaliação tarda a produzir efeitos visíveis). Temos de aumentar a qualidade dos projectos e de procurar publicar os resultados nas melhores revistas (para que a “Nature” não fale de Portugal apenas a propósito das vacas loucas).Temos de reforçar a avaliação científica de centros e projectos, financiar em conformidade e simplificar os processos administrativos associados aos financiamentos. Temos de combater os regionalismos na actividade científica (não há o electrão da Beira Litoral nem o da Beira Interior). Temos de participar mais nos grandes e pequenos laboratórios internacionais — o Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN) foi um bom exemplo de como a internacionalização pode ajudar um país periférico a sair da periferia, mas deve ser seguido por outros. Temos de enraizar a ciência no nosso tecido produtivo (e assegurar que a inovação não seja só o nome de uma agência, mas a chave da qualidade no quotidiano). Temos de levar a ciência às escolas, para o que se impõe um casamento mais fecundo do Ministério da Ciência e Tecnologia e o da Educação (a nossa educação científica continua lastimosa, debilitada por pseudo-teorias da aprendizagem; não têm valido de muito as piedosas intenções do programa “Ciência Viva”, com uma boa ideia forte — a experimentação — mas cuja descoordenação com a educação  é manifesta). Temos de levar a ciência aos cidadãos, quer criando novos museus e audiovisuais quer usando meios mais antigos como a imprensa e os livros (não há em português uma revista de divulgação científica decente, em Espanha há três!). Temos de saber utilizar as novas e as velhas tecnologias de modo a que a sociedade da informação seja também a sociedade do conhecimento (aqui as intenções do programa “Nónio - Século XXI”, iniciativa do Ministério da Educação para usar computadores nas escolas, nem serão piedosas mas tão só propagandísticas).

Depende do nosso grau de exigência ter não apenas mais ciência, mas também melhor ciência."

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