A 30 de Outubro de 1998, três anos após existir o Ministério da Ciência e Tecnologia eis o que escrevi no Público a extraordinária mudança que o ministro José Mariano Gago estava a levar a cabo no país:
"O anunciado
aumento de 26 por cento do orçamento do Ministério da Ciência e da Tecnologia,
que faz a despesa em investigação e desenvolvimento no próximo ano alcançar 0,8
por cento do Produto Interno Bruto (PIB) português, constitui motivo de
contentamento para todos aqueles que têm defendido a ciência em Portugal.
Representa uma clara vitória política do ministro José Mariano Gago, que assim
consolida um projecto anunciado há anos no seu livro “Manifesto para uma
Ciência em Portugal”. Corresponde ao esforço da nossa comunidade científica,
cada vez mais jovem e activa. E é também e sobretudo o materializar de uma
necessidade inadiável de modernidade. Embora a civilização se possa medir de
várias maneiras, a percentagem do investimento científico é um indicador
obrigatório. Estaríamos a fugir do futuro se não avançássemos urgentemente
nesse número.
Teremos, pois,
no futuro mais ciência. Esse facto não ajudará a auto-estima nacional tanto
como uma esporádica feira mundial ou um oportuno prémio Nobel. Mas trata-se de
algo mais duradouro e profundo, e que merece apreciação: o investimento que
fazemos hoje em ciência e tecnologia é condição para desfrutarmos amanhã de
riqueza e cultura acrescidas. Sem ele, continuaremos pobres mesmo que
organizemos feiras à beira-rio.
Não nos
devemos, porém, iludir. O avanço que agora se divulga só é tão nítido porque há
anos e anos de atraso que em nada ajuda (algum do tempo perdeu-se na fase
terminal do cavaquismo, quando o progresso económico não teve contrapartida
científico-técnica). Por outro lado, ainda estamos longe dos países mais
desenvolvidos: estes gastam cerca de 2
por cento do PIB em ciência e tecnologia e alguns países com quem nos queremos
comparar estão à nossa frente (a Espanha anunciou para 1999 1 por cento, embora
aqui se incluam projectos do Ministério da Defesa).
Temos, por
isso, de ser exigentes. Temos de querer não só mais como também melhor. Temos
de assegurar empregos aos jovens que decidiram apostar em carreiras de
investigação (e para quem a vida está incerta). Temos de rejuvenescer as
universidades, que em parte estão anquilosadas e nem sempre reconhecem o
trabalho científico. Temos de sacudir a burocracia e a rotina dos Laboratórios
do Estado (cuja avaliação tarda a produzir efeitos visíveis). Temos de aumentar
a qualidade dos projectos e de procurar publicar os resultados nas melhores
revistas (para que a “Nature” não fale de Portugal apenas a propósito das vacas
loucas).Temos de reforçar a avaliação científica de centros e projectos,
financiar em conformidade e simplificar os processos administrativos associados
aos financiamentos. Temos de combater os regionalismos na actividade científica
(não há o electrão da Beira Litoral nem o da Beira Interior). Temos de
participar mais nos grandes e pequenos laboratórios internacionais — o
Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN) foi um bom exemplo de como a
internacionalização pode ajudar um país periférico a sair da periferia, mas
deve ser seguido por outros. Temos de enraizar a ciência no nosso tecido
produtivo (e assegurar que a inovação não seja só o nome de uma agência, mas a
chave da qualidade no quotidiano). Temos de levar a ciência às escolas, para o
que se impõe um casamento mais fecundo do Ministério da Ciência e Tecnologia e
o da Educação (a nossa educação científica continua lastimosa, debilitada por
pseudo-teorias da aprendizagem; não têm valido de muito as piedosas intenções
do programa “Ciência Viva”, com uma boa ideia forte — a experimentação — mas
cuja descoordenação com a educação é manifesta). Temos de levar a ciência aos cidadãos, quer
criando novos museus e audiovisuais quer usando meios mais antigos como a
imprensa e os livros (não há em português uma revista de divulgação científica
decente, em Espanha há três!). Temos de saber utilizar as novas e as velhas
tecnologias de modo a que a sociedade da informação seja também a sociedade do
conhecimento (aqui as intenções do programa “Nónio - Século XXI”, iniciativa do
Ministério da Educação para usar computadores nas escolas, nem serão piedosas
mas tão só propagandísticas).
Depende do
nosso grau de exigência ter não apenas mais ciência, mas também melhor ciência."
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