Com a devida vénia, transcrevemos comentátio de Teresa Firmino no Público de hoje:
Na física quântica, há uma experiência mental muito conhecida chamada Gato de Schrödinger, que o físico austríaco Erwin Schrödinger imaginou em 1935 para ilustrar o estranho mundo das partículas. Dentro de uma caixa de aço, está um gato, um frasco de veneno, um contador Geiger e uma amostra de uma substância radioactiva. Ao fim de uma hora, pode haver – ou não – um átomo que tenha decaído e libertado assim radioactividade. Se tal aconteceu, é accionado um martelo, que parte o frasco e o veneno é libertado. Mas sem sabermos o que se passa lá dentro, o gato, segundo as leis da mecânica quântica, coexiste em dois estados ao mesmo tempo no interior da caixa, está vivo e está morto. Há uma sobreposição de estados quânticos e só quando alguém abre a caixa e verifica o que se passa no interior é que o gato assume um dos estados, e ou está vivo ou está morto.
É o paradoxo do Gato de Schrödinger que vem à memória quando se fica a saber o nome do principal vencedor deste ano do Grande Prémio Bial de Medicina.
Miguel Seabra é professor catedrático da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (UNL), onde se licenciou em medicina em 1986. O doutoramento, em bioquímica e biologia molecular, foi em 1992 na Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Daí partiu em 1997 para Londres, para o Imperial College. Tem-se pois dedicado à investigação médica há vários anos. Até ao início de 2012, dirigiu o Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Faculdade de Ciências Médicas da UNL.
Desde Janeiro de 2012 e até esta terça-feira, quando a sua demissão foi anunciada, assumiu a presidência da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), a principal instituição pública que financia o sistema científico do país, tutelada pelo Ministério da Educação e Ciência. É o seu braço na aplicação das políticas científicas. Tem por missão desenvolver, avaliar e financiar o sistema científico português. Assim, a FCT financia projectos de investigação, bem como equipamentos científicos e bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. Em suma, como diz o decreto-lei que define a sua missão, compete-lhe “a coordenação das políticas públicas de ciência e tecnologia”. Políticas que, no actual Governo, e com Miguel Seabra na FCT, têm passado por cortes nas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento e por uma avaliação de credibilidade duvidosa aos centros de investigação do país.
É por isso, no mínimo, surpreendente Miguel Seabra ter-se candidatado a um prémio de investigação científica enquanto ocupava a presidência da FCT. Tal como o Gato de Schrödinger existe paradoxalmente ao mesmo tempo em dois estados, Miguel Seabra colocou-se numa sobreposição de lugares: era gestor político, que coordenava as políticas públicas de ciência e tecnologia, e ao mesmo tempo cientista que concorreu a um prémio com a sua própria investigação científica.
Não está em causa o mérito do seu trabalho científico, nem do seu currículo como investigador, nem do júri que avaliou tudo isso, nem da Fundação Bial que atribuiu o prémio. Vamos pensar que foi o melhor trabalho a concurso, entre os 36 que concorreram, e que merecia vencer. Mas, ao candidatar-se ao Grande Prémio Bial de Medicina na qualidade de investigador enquanto era presidente da FCT, Miguel Seabra começou por colocar os membros do júri, também cientistas, de diversas universidades, numa situação estranha. Cientistas que são avaliados e financiados pela fundação presidida por Miguel Seabra. Tal como colocou numa situação incómoda a Fundação Bial (criada pelos Laboratórios Bial e pelo Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas), até porque no regulamento do prémio nada há que impeça a candidatura de quem ocupe um cargo de gestão da política científica do país. Mas, principalmente, pôs-se a ele próprio num lugar ainda mais estranho. Digamos que há um certo paradoxo ético.
Se Miguel Seabra já estava debaixo de fogo enquanto responsável pela gestão da ciência portuguesa, esta candidatura ao prémio vem deixá-lo ainda mais chamuscado.
Teresa Firmino
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16 comentários:
Um comentário verdadeiramente vergonhoso para quem o escreve, omitindo que quem ganha os prémios (e quem se candidata) são equipas de investigação perfeitamente activas e que não podem ser prejudicadas (nem beneficiadas) pelo facto de alguns dos seus membros exercerem temporariamente funções públicas.
O ódio pessoal é mau conselheiro.
E insinuar que o prémio foi atribuído à equipa que o ganhou por troca de financiamentos que não são atribuídos por decisão discricionária do presidente da FCT é ignóbil.
henrique pereira dos santos
Chamemos as coisas pelos nomes: MS faz mais lembrar Santo António que o gato de Schrödinger. Só assim se explica que tenha conseguido manter em paralelo com a presidência da FCT e a posição na UNL a sua actividade no Imperial College, a qual está bem documentada para quem quiser ver e souber procurar.
Desde a fotografia de grupo tirada a 26 de junho de 2013 que pode ser vista em
http://www1.imperial.ac.uk/nhli/molecular/
(lembram-se da notícia do atropelamento em Londres, "ao serviço da FCT?") onde também é indicado como um dos "Current Principal Investigators in the Section", até aos dados do último REF (exercício de avaliação Britânico), onde é um dos nomes do Imperial College indicado como "staff, Category A", o que significa "with a contract of employment of 0.2 FTE or greater and on the payroll of the submitting HEI on the census date (31 October 2013), and whose primary employment function is to undertake either ‘research only’ or ‘teaching and research’", tudo aponta para que MS tenha mantido em paralelo uma actividade que só dificilmente pode ser considerada compatível com o cargo que era suposto exercer.
Para além de questões legais (um gestor público pode manter uma posição numa instituição estrangeira?), e mesmo que MS não se tivesse mostrado como totalmente incompetente para o cargo, é possível levar a bom termo uma tarefa como a de Presidente da FCT nestas condições?
O que nos leva tambem a questionar se o ministro (e mesmo o primeiro ministro) não estariam ao corrente da situação. O despacho de nomeação de MS está escrito de forma a dar a entender que a sua actividade no IC cessou em 2006, quando passou para a UNL, sem de facto o afirmar explicitamente:
"Em 1997 mudou -se da Universidade do
Texas para o Imperial College London como Professor Associado de
Genética Molecular na Divisão de Ciências Biomédicas da Faculdade
de Medicina, tendo sido promovido em 1999 a Professor Catedrático
e Diretor da Secção de Medicina Celular e Molecular, posição que
ocupou até 2006. Em 2007 tornou -se Professor Catedrático Convidado
da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e
Investigador Principal no Instituto Gulbenkian de Ciência, cargos que
exerceu até 2011."
Nem que seja para memória futura, pensamos que toda esta situação devia ser esclarecida.
O crime do gajo é ter provocado incómodo num júri que se não se questiona a seriedade? Se tivesse largado uma bufa, devia ser condenado à morte?
O Tonibler voltou ao seu melhor.
À matriz abafada debaixo da capa de seriedade de João Pires da Cruz.
Experiência laboratorial com "gato" estaria a ser um caso pouco recomendável inclusive na década de 80 a minha turma colegial fez uma experiência com gato, aliás para bem da verdade eu, havia levado o animal ao laboratório donde jamais retornou.
Aqui não existe nem crime, nem gajo, nem bufa. Existe uma questão de Ética. É tão simples que até um juvenil percebe.
Isto é mais ou menos o equivalente a termos um eng. civil como ministro das obras públicas a receber um prémio da mota engil pelo seu trabalho como consultor. Pode até ser algo sério mas não o parece. Onde é que já se viu, um dirigente público receber um prémio atribuído por uma empresa que actua na área que este dirigente tutela? Nem nos piores tempos do Sócrates!
Caro Anónimo:
Este comentador, que sob o «nick name» Tonibler ficou famoso pelo desbragamento da sua linguagem (agora um respeitável Doutor e empresário de Análise Financeira de nome João Pires da Cruz), não percebe, ou não quer perceber, uma coisa óbvia.
A Bial é uma respeitável empresa farmacêutica, dirigida pelo não menos respeitável Dr. Luís Portela. Mas, mesmo sendo privada, concorre a fundos públicos.
E Miguel Seabra é um respeitável investigador, dos melhores que temos na sua área.
Mas quem está no lugar onde estava deve abster-se de condicionar implicitamente os outros – no caso o júri – pois ao depararem-se com uma candidatura da pessoa que chefia a entidade que avalia os centros de investigação e os financia, e mesmo que os elementos do júri não queiram, mesmo que sejam competentes e íntegros, no mínimo, sentir-se-ão constrangidos.
Porque à mulher de César não basta ser séria, é preciso também parecer que é séria.
Qualquer mortal minimamente informado sabe isto.
E o Doutor João Pires da Cruz também. Fora o Governo do PS, p. ex., e fora o presidente da FCT outro investigador dessa área política e o Doutor JPC defenderia uma posição diferente.
Cara Claudia,
A prática cotidiana prova que a hegemonia do ambiente político ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos procedimentos normalmente adotados.
cumps
Rui Silva
Disclaimers: abomino a FCT, o PSD, o Miguel Seabra e tudo o que foi feito nos últimos tempos. Mais: para que não restem dúvidas - o meu centro de investigação não passou à segunda fase, foi avaliado com fair num processo de liquidação ignóbil da ciência em Portugal.
Dito isto, afirmo, sem sombra de dúvida que o texto da Teresa Firmino é mesquinho e ignóbil, tentando aniquilar uma pessoa que, lá por ter sido um péssimo gestor, pode ter feito ciência. A Bial não é a FCT. São independentes e aí termina a história.
Não esquecer também a presidência da Science Europe!
http://www.scienceeurope.org/about-us/bodies-2/presidency
O João Pires da Cruz não é doutorado, pelo que não é Doutor. É apenas mais um licenciado em Física sem qualquer CV na área que justifique outros títulos.
Caro Anónimo das 21:39:
Eu acho que é, embora não possa provar.
Ele próprio disse que estava a fazer o doutoramento e recebeu os parabéns pela conclusão com êxito, parabéns dados pelos amigos do blogue Quarta República, que ele e um grupo de amigos de partido e ideologia alimentam e frequentam.
Já nada me surpreende nesta República.
"PhD student" na página institucional:
http://cftc.cii.fc.ul.pt/membro.php?username=joao
1) Tentativa de ser engraçada com a analogia, mas o Sr. Seabra deveria ser o gato e não o Schrödinger
2) Alguém se demite por conflito de interesses? Deixem-me rir! AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAH. E quando o investigador Miguel Seabra concorreu a (e ganhou?) projectos da FCT, esta questão não se pôs? E todos os outros casos espalhados pela função pública, especialmente na assembleia? Nada contra a demissão do Sr. Seabra, mas os outros que lhe sigam o exemplo!
~D
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