A nova tradução de poemas de Paul Celan, assinada por Gilda Lopes Encarna-ção, não foi poupada pela crítica. Pedro Mexia disse que a tradutora usou «pa-lavras monstruosas» e António Guerreiro, que inventou verbos. Todos sabemos que a poesia de P. Celan é hermética, como a de Herberto Hélder (influenciada também pelas metáforas de Walt Whitman, facto que os críticos não veem), e exige ao tradutor o conhecimento da vida do poeta, dos textos sagrados judaicos e da língua alemã. Como não falo a língua alemã, concentrei-me apenas nos poemas traduzidos e não os considero assim tão medíocres. O que importa mesmo é não cair na difamação – esse substantivo que Henry Fielding abominara.
Todos os teus sinetes quebrados. Nunca.
Vai, cedreia-a também,
a perfídia da pele de carta,
de onze
cascos:
que a vaga, a distante-
-mel, a próxima-
-leite, quando
a coragem a move para o lamento,
o lamento para a coragem,
de novo,
que ela não reflicta também,
o idiota-dos-electrões,
que processa
tâmaras para
macacos
-premonitórios.
terça-feira, 31 de março de 2015
A RTP enlouqueceu
O "Agora Nós" fez um programa cujo tema é "Vacinação: Sim ou Não?":
No serviço público de televisão, este tema não pode ter pontos de interrogação. Do ponto de vista jornalístico isto também não faz sentido nenhum, uma vez que não se pode dar igual destaque e legitimidade as dois pontos de vista. Seria equivalente a fazer um programa com o tema "Bater na mulher: sim ou não?". "Ir para o Estado Islâmico: sim ou não?".
Isto é puro lixo tóxico, não é digno de qualquer órgão de comunicação social, público ou privado.
QUO VADIS PORTUGAL ?
Não é novidade para
ninguém. Desde que o neoliberalismo cego do PSD (traidor do pensamento e da
prática social democrata que lhe deu nascimento) tomou conta dos nossos
destinos, amparado nesta actual muletazinha conhecida pela sigla CDS-PP, vai
para quatro anos, os portugueses assistem, resignados e pacificamente, ao
retrocesso social e cultural imposto por uma União Europeia cada vez mais
afastada e hoje um logro da esperança que assinámos a 12 de Junho de 1985, faz
agora trinta anos.
As conquistas na
segurança social, nos cuidados de saúde, na ciência, no ensino e no apoio à
cultura conseguidas na vivência em democracia que se seguiu à Revolução dos
Cravos estão a fugir da nossa vida colectiva como areia por entre os dedos.
Perdemos uma parte
significativa da independência nacional e assistimos à asfixia e destruição de
muitas das nossas valências económicas. Estamos a viver tempos de miséria e,
até, de fome para um número cada vez maior de famílias, de miserável abandono
dos idosos, de corrupção descarada e impune e de aumento do número e da riqueza
dos ricos. A chamada classe média está a afundar-se, o desemprego tornou-se uma
realidade dramática dos que já não conseguem encontrar um posto de trabalho e é
um incentivo crescente à igualmente dramática emigração de uma juventude que a democratização
do ensino qualificou a níveis nunca antes conseguidos.
Tudo isto e mais alguma
coisa foi sabiamente previsto por Natália Correia (1923-1993), grande
portuguesa que deixou nome na poesia e na política (deputada à Assembleia da
República entre 1980 e 1991). Estou muito longe de ter lido toda a obra desta
saudosa açoriana de São Miguel, mas o que li e ouvi ler, em especial, poesia, sempre me
mostrou, pela excelência do conteúdo e da forma, a mulher com quem tive o
privilégio de conviver nos últimos anos da sua vida. Quando a procurei, em
começos da década de 90 eu era um profissional, a tempo inteiro, com 30 anos de
dedicação exclusiva a uma ciência demasiado terra-a-terra - a geologia - em
busca de um outro caminho que tinha o dela e de muitos outros mestres da
palavra, por modelo. Prenderam-me a esta lutadora a intransigência com que
defendia a liberdade, a solidariedade, a justiça e a cultura, o desassombro, a
elevação e a beleza, a força e a energia, que usou na palavra falada e escrita,
características que sempre igualei às do também grande e saudoso Ary dos
Santos.
Apraz-me aqui e agora
transcrever, pelo que têm de impressionante realismo, algumas premonições desta
grande Senhora, trazidas a público por Fernando Dacosta em “O Botequim da
Liberdade” (Casa das Letras, 2013).
"Portugal vai
entrar num tempo de subcultura, de retrocesso cultural, como toda a Europa,
todo o Ocidente".
"Os neoliberais vão
tentar destruir os sistemas sociais existentes, sobretudo os dirigidos aos
idosos. Só me espanta que perante esta realidade ainda haja pessoas a pôr gente
neste desgraçado mundo e votos neste reaccionário centrão".
"As primeiras
décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção,
desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia
vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de
Abril, e Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas
rupturas. Abandonados, os idosos vão definhar, morrer, por falta de assistência
e de comida. Espoliada, a classe média declinará, só haverá muito ricos e muito
pobres. A indiferença que se observa ante, por exemplo, o desmoronar das
cidades e o incêndio das florestas é uma antecipação disso, de outras
derrocadas a vir".
Galopim de Carvalho
Os seres humanos podem ser perigosos mas não é porque têm na sua composição mais de 80000 químicos!
Se disser ao meu
amigo que o seu corpo está cheio de químicos o meu amigo acredita
ou acha que eu perdi a cabeça e lhe estou a chamar drogado?
O meu amigo acredita - e muito bem - que fumar faz mal à saúde, mas essa de ter o corpo cheio de químicos é difícil de engolir! Então os "químicos" não são coisas que fazem mal?
Pois pode o meu
amigo ter a certeza de que tem no seu corpo mais de oitenta
mil tipos
de compostos
(químicos)
naturais diferentes, dos quais para aí cinquenta mil são proteínas
(e isto é uma estimativa provavelmente por baixo!)
Para
além disso, a fazer fé, em alguns estudos, poderá ainda
acrescentar cerca de setecentos compostos exógenos,
naturais ou artificiais, provavelmente a maior parte inóquos. E, acredite, todos estes compostos são feitos com cerca de sessenta
tipos de átomos, na maioria hidrogénio, oxigénio, carbono e nitrogénio.
Estes números
referem-se, claro, aos tipos diferentes de elementos e compostos que
temos no nosso corpo, pois o número total de átomos e compostos é
astronómico. Em massa, uma pessoa de 70 quilogramas tem cerca de 43
de oxigénio, 16 de carbono, 7 de hidrogénio, 1.8 de nitrogénio, 1 de
cálcio e 0.8 de fósforo. No entanto em número de átomos temos
valores mesmo muito grandes, 1 600 000 000 000 000 000 000 000 000
(16 seguindo de 26 zeros) de átomos de oxigénio, 800 000 000 000
000 000 000 000 000 (8 seguido de 26 zeros) de átomos de carbono,
420 000 000 000 000 000 000 000 000 000 (42 seguido de 27 zeros) de
hidrogénio, e aí por diante. O número total de compostos é mais
difícil de estimar mas, considerando um peso molecular médido de 53
kDa por proteína e uma massa de 12 quilogramas destas no corpo
humano, obtém-se qualquer coisa como 1 300 000 000 000 000 000 000
000 (13 seguido de 22 zeros) moléculas de proteínas. Para a água,
considerando um valor de 49 quilogramas, obtém-se 1 600 000 000 000
000 000 000 000 000 (16 seguido de vinte seis zeros) de moléculas de
água. Outros compostos são ainda mais difícies de estimar, mas é
fácil de aceitar que serão muitas moléculas!
Olhemos agora para
as trocas com o exterior. Tipicamente, um ser humano ingere por dia
cerca de dois litros de água e um pouco menos de quilograma e meio
de alimentos (sem considerar a água). Essa dieta corresponde a
milhares de tipos diferentes de compostos, dos quais o mais abundante
é obviamente a água. A seguir, mas em muito menores quantidades,
teremos provavelmente o amido (presente no arroz e outros cereais e
legumes) e a sacarose (presente em muitos alimentos naturais, para
além da que se adiciona a outros). Falta fazer a conta dos outros
milhares!
No processo da
respiração, inspiramos diariamente cerca de dez mil litros de ar
que contém essencialmente nitrogénio e oxigénio, mas também árgon
e vapor de água, entre outros componentes minoritários. Expiramos
todo o azoto que entrou e mil e setecentos litros de oxigénio, dos
cerca de dois mil que tinhamos inspirado, e ainda cerca de quinhentos
litros de dióxido de carbono (perto de um quilograma deste composto)
e quinhentos litros de vapor de água (cerca de 300 mililitros). Uma
parte da água proveniente da respiração pode também escoar-se na
urina e respiração.
Produzimos cerca de
litro e meio de urina que tem, em geral, mais de três mil compostos
diferentes. Mesmo assim é um material bastante estéril que já foi
usado como desinfectante. Cerca de setenta destes compostos são provenientes
de bactérias que habitam o nosso corpo e cerca de dois mil estão
relacionados com a dieta, medicamentos, cosméticos e exposição
ambiental, sendo que mil e quatrocentos são produzindo pelo próprio
corpo.
Sobre as fezes é
melhor não dizer nada! Mas sobre o suor é mesmo necessário
dizer alguma coisa, pois suar é fundamental! Cerca de 22% do calor que temos de libertar para
não aquecermos demasiado é perdido através da transpiração.
Nesse processo perdemos, num dia calmo e ameno, cerca meio litro de
água por dia, assim como (também aqui) libertamos centenas de tipos
de compostos em diferentes quantidades que tornam o nosso odor único.
Se estiver calor, ou fizermos muito exercício iremos perder muito
mais água por transpiração e teremos por isso de beber mais água.
Para além do suor,
urina e fezes, o nosso corpo vai perdendo uma quantidade grande de
compostos de vários tipos em células mortas da pele, mucosas,
pêlos, cabelos e outros tecidos. Ao mesmo tempo, o nosso corpo vai
renovando e reconstruindo todas as células com milhares de compostos
diferentes. Tomemos o exemplo mais ou menos simples do cabelo que
cresce cerca de um centímetro por mês. Uma estimativa grosseira
aponta para a utilização de 100 000 000 000 aminoácidos por
segundo para fazer crescer um único cabelo. Numa pessoa típica com
cerca de 100 000 cabelos, isso dá cerca de 900 000 000 000 000 000
000 aminoácidos, que em termos de massa não é mais do que cerca de
0.2 g. Ou seja não é preciso mais do que dois décimos de grama de
proteínas por dia para fazer crescer o cabelo!
À nossa volta, no
ar e na água, circulam milhares de tipos diferentes de compostos que
provêm de árvores, flores, ervas, bactérias, fungos e animais. As plantas comunicam através de substâncias químicas (hormonas vegetais, por exemplo) e
fazem guerra química umas às outras, assim como aos predadores, usando insecticidas e herbicidas naturais entre outros compostos.
Por isso muitos destes compostos nos causam alergias ou são
venenosos. Como é sabido, actualmente, também circulam no ar e água
compostos de origem artificial, mas estes são uma pequena minoria,
cada vez mais controlada.
E sabemos cada vez
mais sobre estes milhares de compostos, tanto naturais como
artificiais, porque todos os dias melhoram as capacidades analíticas
da química, podendo actualmente chegar-se à determinação de
nanogramas (0, 000 000 001 g), ou valores inferiores, de muitos
compostos. As quantidades detectadas são de tal forma que conduzem a
resultados paradoxais muitas vezes mal interpretados. Por exemplo, um
estudo com notas americanas mostrou que a grande maioria tinha
resíduos de cocaína! Ou a análise de águas de rios indicou
quantidades de estrogénios que pareceram exageradas. “Químicos”
à solta nos nossos bolsos e ambiente? Calma! O primeiro caso parece
que è devido às máquinas de contar (uma única nota com cocaína
pode contaminar milhares de outras) e no segundo, afinal os
estrogénios mostraram ser essencialmente de origem natural e não
provenientes de contraceptivos como se supôs (pode ser preocupante,
mas a sua origem é natural). Um cisco ao microscópio pode parecer
assustador, mas não passa de um cisco. Existem milhões de
compostos, mas isso não torna o mundo mais assustador, pois a maior
parte destes, ou faz parte de seres vivos, ou é fundamental à nossa
vida, ou é inoqua.
Diga-me então
meu amigo se não concorda que ser feito de milhares de químicos
diferentes é uma coisa natural e boa e que, se estes não existissem, o
meu amigo não estaria aqui para se queixar da química sem pensar bem no que está a dizer?
[Embora a notação científica seja muito prática e de conhecimento comum, optei por apresentar os números com todos os seus zeros para realçar a sua dimensão. As estimativas
foram feitas (em parte) a partir de dados obtidos aqui, aqui e aqui (acedidos
30 de Março de 2015). Só para dar um exemplo: a estimativa do número
proteínas no corpo humano é de cerca de 50 000; como numa bactéria
E-coli existam 5 000 compostos orgânicos, dos quais 3 000 são
proteínas, a estimativa para um ser humano será de cerca 80 000 compostos
orgânicos diferentes.]
segunda-feira, 30 de março de 2015
Saberás tu?
O jornal I , com o apoio do Ciência Viva, tem publicado na última página questões curiosas de ciência com as respectivas respostas de cientistas. Consulte a lista de perguntas e respostas aqui.
Ciência e tecnologia nas notícias, 1854-1929.
Informação recebida da investigadora Maria Antónia Pires de Almeida:
Este novo livro apresenta os resultados da investigação sobre a divulgação da
Ciência e da Tecnologia a um público não especializado. O objetivo foi
descobrir como o conhecimento científico chegava ao público
em geral e a principal fonte utilizada foi a imprensa generalista, com a
qual se pretendeu construir uma imagem da popularização da Ciência em
Portugal. Foram recolhidas mais de 6700 notícias, artigos desenvolvidos
e anúncios, com os quais se construiu uma
base de dados sobre temas do conhecimento científico e tecnológico da
segunda metade do século XIX e início do XX. Os temas da saúde e da
higiene surgiram como o principal fator de interesse nos jornais
consultados, já que os anos escolhidos foram marcados
por crises sanitárias particularmente graves, nos quais se manifestaram
em Portugal, e especialmente no Porto, epidemias de cólera, peste
bubónica, febre tifoide, gripe pneumónica e varíola, o que teve como
consequência uma maioria significativa de 64% destes
temas no conjunto das notícias e anúncios sobre ciência e tecnologia. A
análise desta questão foi desenvolvida na obra
Saúde pública e higiene na imprensa diária em anos de epidemias, 1854-1918,
Editora Colibri, 2013. O presente livro é sobre os outros 36%.
Continua-se aqui a análise das notícias sobre Ciência e Tecnologia e
apresenta-se em anexo a totalidade da base
de dados construída, com imagens.
COISAS DO ARCO DA VELHA
Meu artigo no último "As Artes entre as Letras" (quadro do pintor neoclássico austríaco Joseph Anton Koch, mostrando uma oferenda de Noé a Deus no fim do Dilúvio) :
Neste Ano da Luz
vale a pena falar do arco-íris. Este fenómeno atmosférico tem descrições muito
antigas. Uma referência aparece no Génesis
(9, 12-16):
“E disse Deus:
Este é o sinal do pacto que firmo entre mim e vós e todo ser vivente que está convosco, por gerações perpétuas: O meu arco tenho posto nas nuvens, e ele será
por sinal de haver um pacto entre mim e a terra. E acontecerá que, quando eu
trouxer nuvens sobre a terra, e aparecer o arco nas nuvens, então me lembrarei
do meu pacto, que está entre mim e vós e todo ser vivente de toda a carne que
está sobre a terra.”
Esta citação explica por que razão em português
arcaico se chama ao arco-íris “arco da velha”: Por velha subeentende-se a velha
aliança entre Deus e os seres vivos segundo a qual o Dilúvio não se voltará a
repetir. Coisas do arco da velha, por extensão, são coisas extraordinárias. O
arco-íris aparece também na cultura popular: de acordo com a lenda irlandesa
existe um pote de ouro num extremo do arco-íris. De facto, esse pote é uma
quimera, pois o arco-íris não passa de uma imagem. Se nos tentarmos aproximar
de uma ponta do arco-íris verificaremos que ela é etérea: mantém-se à mesma
aparente distância.
O arco-íris é uma imagem da luz do Sol, intermediada
por numerosas gotas de chuva (uma torneira
de rega também serve). Para haver arco-íris o dia tem de estar chuvoso, mas ao
mesmo tempo tem de fazer Sol: o Sol fica por trás do observador quando ele vê o
arco-íris. Se no tempo do anónimo escritor bíblico o arco-íris era um sinal
divino, hoje sabemos que não passa de um fenómeno natural. A luz do Sol entre
numa gota, é reflectida internamente na parede fronteira da gota e sai desta. Um
raio de luz muda ligeiramente de direcção ao entrar (fenómeno conhecido por refracção),
reflecte-se na parede do fundo e muda de novo ligeiramente de direcção ao sair.
O arco-íris resulta de duas refracções e de uma refracção em cada gota. Se o
Sol estiver demasiado alto, como acontece ao meio-dia, não haverá meio de a luz
entrar, ser reflectida e chegar aos olhos de um observador à superfície da
Terra (embora um arco-íris possa ser visto por um observador a bordo de um avião,
que poderá mesmo ter o privilégio de ver um arco circular completo, ao
contrário de um observador terrestre que não verá mais do que meio arco).
Esta explicação foi dada por um monge dominicano
alemão Teodorico de Freiberg, no início
do século XIV, embora o persa Qutb al-Din al-Shirazi tenha chegado quase ao mesmo tempo à mesma
conclusão. Os dois, sem qualquer contacto entre eles, conheciam as obras
antigas dos gregos (principalmente Aristóteles) e dos árabes (o mais famoso Ibn
Al-Haytham, cujo tratado de óptica data de há um milénio). E os dois
experimentaram a refracção com o auxílio de vasos esféricos de água.
Uma teoria mais elaborada da refracção, com uma lei
matemática precisa, foi proposta pelo francês René Descartes na obra Dióptrica
que aparece em apêndice ao Discurso do Método de 1637. Se o livro era
considerado um meio de encaminhar a razão de modo a não errar, o apêndice fornece
exemplos de aplicação. Chama-se em França lei de Descartes à descrição
cartesiana da refracção, mas no resto do mundo chama-se – e justamente – lei de Snell-Descartes ou
simplesmente lei de Snell, porque, em rigor, o holandês Willebrord
Snellius antecipou
essa lei (discute-se ainda hoje se Descartes teria tido conhecimento ou não do
trabalho de Snell), Uma famosa figura no livro do Discurso do Método apresenta
a descrição basicamente correcta do fenómeno do arco-íris.
E porquê as cores do arco-íris, supostamente sete,
mas de facto em número infinito, pois a cor vai variando continuamente no
arco-íris do vermelho em cima para o violeta em baixo? Pois foi Newton o
primeiro a oferecer uma explicação razoável: para ele a luz era formada por
corpúsculos e estes, dependendo da cor, andariam com velocidade diferente,
dentro de uma gota de água. Cerca de 1666 o inglês Isaac Newton efectuou
experiências com um prisma, que ele próprio poliu, de modo a criar um arco-íris
em sua casa. Para ele as cores estavam contidas na luz branca (na luz branca
existiriam, portanto, partículas vermelhas e violetas), não tendo origem no
prisma, que apenas as separava. Newton, ao tentar ver o que acontecia quando a
luz vermelha passava por um segundo prisma, verificou que esta não se
desdobrava em mais cor nenhuma. O branco contém as cores todas, mas o vermelho
já é uma cor elementar. A diferença entre os ângulos de entrada e saída da luz
branca e de raios violeta e vermelho numa gota é de, respectivamente, 40º e 42.º
Um observador verá o vermelho de uma gota mais acima e o violeta de uma outra
gota mais abaixo no céu. Cada observador vê o seu arco-íris, pois ele é uma miragem
individual: Outro observador, apesar de ver algo parecido, estará a receber os
raios vindos de outras gotas. De certo modo, cada observador é o centro do seu
próprio arco-íris, pelo que o leitor quando voltar a ver um arco-íris lembre-se
que ele é apenas seu.
Apesar da matematização do arco-íris, ele continuou
a maravilhar os seus mirones. Mas houve quem reagisse à sua captura pela
ciência. Em 1820, quando a reacção romântica se erguia contra a acção
iluminista, o inglês John Keats escreveu o poema:
“Todos os encantos não se
vão
Ao mero toque da fria
filosofia?
Existia um maravilhoso
arco-íris no firmamento:
Conhecemos a sua trama, a
sua textura, aparece
No frio catálogo das
coisas comuns.
A filosofia podará as asas
de um Anjo,
Decifrará os mistérios por
instrumentos,
Esvaziará o encanto do ar
e o tesouro escondido –
Desvendará o arco-íris.”
Julgo que não tinha razão, pois a ciência
acrescenta ao encanto estético do arco-íris o encanto da sua compreensão.
domingo, 29 de março de 2015
Charlie Don't Surf...
Em júbilo e orgulho, chegaram ao fim os trabalhos da comissão parlamentar de inquérito ao caso BES, ou mais rigoroso, caso GES. Os jornalistas festejam o aparecimento de "novas estrelas” da vida parlamentar que, para os jornalistas, lhes deu a oportunidade de publicarem em orgãos de informação internacional como a Bloomberg ou o Financial Times. E, como em quase tudo o que acontece quando o estado português se envolve, o resultado é uma grotesca asneira com consequências enormes para o futuro do país e de milhares de famílias associadas a pequenos investidores, no GES e na PT.
Da esquerda à direita, nenhum dos deputados envolvido imagina o que seja um banco. Mesmo aqueles que se orgulhavam de “terem estudado os aspectos técnicos” fizeram uma enorme figura de parvo de frente a gestores várias vezes mais inteligentes que eles e substancialmente mais espertos. Os media festejaram em júbilo o facto de uma jovem deputada ter chamado de “amador” um antigo CEO da PT por este ter a liquidez demasiado concentrada no GES quando era óbvio para qualquer pessoa ligada ao tema que o problema estava longe de ser esse. Reduzir a questão à concentração é uma estupidez como há poucas. Aliás, o sujeito estava com aquele ar de não acreditar a sorte que estava a ter e, mantendo a regra que qualquer pessoa inteligente segue, se a coisa estava a favor dele, porquê interromper? “Amador” era mesmo o melhor que lhe podiam chamar e, estou certo, ainda hoje deve estar a rir às bandeiras despregadas. Questionaram-se vários reguladores para se perceber se tinham regulado bem e estes, como bons amanuenses, só tinham a responder que cumpriram com todas as regras e mais algumas. Mas ninguém se questionou se o problema poderia estar nas regras. E as regras vão continuar até ao próximo caso...
O serviço que os deputados fizeram ao país foi fazerem uma lavagem aos envolvidos, meter uma camada de terra por cima dos reais problemas e causas, garantindo que daqui a uns anos estarão a fazer a comissão de inquérito ao Qualquer Coisa, depois de terem feito a do BES e a do BPN. Porquê? Porque se resolveram substituir a centenas de profissionais, a quem nós pagamos para serem especialistas do assunto, para aparecerem nos telejornais a falarem de um assunto que não sabem, confrontando pessoas muito mais inteligentes e muito experientes que eles. Para o português normal, que sabe tanto do assunto como os próprios deputados, a coisa até não correu mal. Para os envolvidos na cabeceira da mesa, foi um sucesso. Afinal, no meio de centenas de processos a que provavelmente poderiam estar a responder nesta altura, que vão desde crimes bancários no âmbito do BES a abusos de confiança no âmbito da PT, ser chamado de “amador” não se pode dizer que seja exactamente mau.
Achar que ler uma porcaria de um pdf do site do Banco de Portugal, dá para confrontar um gestor com duas décadas de experiência à frente de uma boa percentagem do PSI20 ou um regulador com milhares de pessoas, é bem pior que achar que consegue pilotar um A380 só porque teve um primo piloto. E uma coisa pode o país agradecer a estes voluntariosos deputados. Vamos ter mais comissões destas e mais famílias a protestar nas ruas pelas poupanças perdidas. Só porque resolveram ler uns pdfs e estragar o trabalho dos profissionais que deveriam estar eles a investigar os casos sem este festim à volta.
sábado, 28 de março de 2015
O fumo faz mal porque tem mais de 70 compostos cancerígenos e não porque tem mais de 7000 químicos!
Fumar faz mal à saúde de quem fuma e de quem está perto. Por isso a campanha iniciada recentemente pela Direcção Geral de Saúde é muito meritória e oportuna. Infelizmente, nalguns dos cartazes e anúncios é usada uma argumentação falaciosa que contém ideias preconceituosas sobre uma entidade mítica que é senso comum actualmente chamar químicos.
O fumo é mau para a saúde porque contém mais de 70 químicos comprovadamente cancerígenos e não porque tem mais de 7000 químicos!
As laranjas, as mangas ou as ervilhas que comemos têm tal como o tabaco centenas ou milhares de químicos, a maior parte de origem natural, mas estes, felizmente, não são na generalidade cancerígenos nem tóxicos nem nocivos, embora alguns desses compostos naturais possam causar alergias, intolerâncias, ou ser, nalguns casos, suspeitos de serem cancerígenos. Para além disso, não os consumimos completamente queimados, nem inalamos o fumo dessa combustão. Se o fizessemos também seríamos expostos a milhares de compostos cancerígenos, neste caso provenientes do fumo das laranjas, mangas ou ervilhas!
Todos os materiais naturais contêm milhares de compostos e o facto de serem naturais não os torna melhores ou piores: os compostos mais venenosos e perigosos são naturais. O mais tóxico de todos é a toxina do botulismo, usado no conhecido botox. O fumo resultante da combustão de produtos naturais é um produto natural, mas infelizmente, no fumo estão presentes muitos compostos cancerígenos.
O tabaco e o seu fumo têm sido - como é bem sabido - dos materiais mais estudados; por isso conhecemos os tais milhares de químicos. Mas volto a dizer, o problema não é serem químicos, mas sim serem químicos cancerígenos e nocivos que resultam da combustão do tabaco e da presença da nicotina e de outros alcalóides!
A niticotina, por exemplo, que muitos acreditam ser um composto que não causa danos, sendo, supostamente, responsável apenas pelo vício, é um insecticida natural que embora não nos mate provoca, com o seu consumo continuado, alterações fisiológicas e mais danos do que se pensa. E a nicotina queimada no tabaco, ou acidificada de alguma forma, vai originar derivados ácidos que são ainda mais nocivos e reconhecidos como cancerígenos. Para além disso, o fumo do tabaco ou da combustão de qualquer outra planta tem milhares de compostos poliaromáticos (designados muitas vezes como alcatrão), os quais são extremanente cancerígenos.São esses compostos que se acumulam nos dedos, móveis e paredes das casas com a característica cor castanha. Sim, são muito cancerígenos, mas não apenas porque são químicos, mas sim porque se confirmou experimentalamente que provocam tumores, porque se ligam ao DNA e provocam um elevado número de mutações que eventualmente podem conduzir ao aparecimento de cancro passados anos.
Conheci várias pessoas que morreram com um tipo de cancro do pulmão que é específico do fumador e uma delas era apenas fumadora passiva. O fumo faz mal e provavelmente ainda fará pior às crianças por estarem em desenvolvimento. Por isso apoio a campanha, mas não posso aceitar a sua argumentação falaciosa e preconceituosa.
Assim, peço aos autores da campanha que mudem o texto para "muitos dos mais de 70 compostos comprovadamente cancerígenos presentes no fumo do tabaco" e ficará correcto, mantendo-se a importante mensagem.
Em qualquer dos casos recomenda-se o abandono do fumo pois, como é bem conhecido, é caro e nocivo. E se não se abandonar o fumo, pelo menos que não se fume junto de outras pessoas.
Mas também não se recomendam as máquinas de fumar. Estas podem não gerar fumo cancerígeno no sentido clássico, mas a nicotina e os seus derivados, assim como outros compostos que lá sejam colocados (e não nos dizem, em geral, quais são), também podem causar problemas!
[corrigi a expressão vaga "milhares de compostos cancerígenos" para um valor mais correcto e comprovável "mais de setenta compostos comprovadamente cancerígenos"; Mais informação aqui, aqui e aqui.]
sexta-feira, 27 de março de 2015
2015 – ANO INTERNACIONAL DOS SOLOS
Transcrevo, com a devida vénia, o seguinte texto da autoria da Direcção da Sociedade Portuguesa da Ciência do Solo que foi publicado primeiramente na imprensa regional através do projecto "Ciência na Imprensa Regional - Ciência Viva".
Para lembrar um recurso vital e frequentemente
esquecido
A importância do solo para as sociedades
humanas e para o nosso modo de vida levou as Nações Unidas a declararem 2015 –
Ano Internacional dos Solos. A urbanização crescente e a evolução tecnológica tendem
a fazer-nos esquecer deste recurso e das ameaças a que está sujeito. Segundo a
FAO o solo fornece 99% de toda a biomassa produzida no mundo, para a alimentação
humana e animal, para a produção de fibras vegetais com múltipla aplicações
industriais, bioenergia, produtos bioquímicos, produtos farmacêuticos e outros.
Este dado, só por si, revela bem a nossa dependência avassaladora deste
recurso, praticamente tão vital como o ar e a água.
Mas o que é o solo? A palavra ‘solo’ é aplicada em muitas situações,
por vezes só para referir o chão. Porém, o solo tem espessura, é uma cobertura
de material solto (mineral e orgânico) existente à superfície da terra, que
serve de meio natural para o crescimento das plantas e de muitos outros
organismos.
A par da produção de biomassa, os solos desempenham outras
funções (e serviços para a humanidade) que os tornam indissociáveis da evolução
da vida terrestre e das sociedades humanas em particular: intervêm nos ciclos de
renovação da vida, como os ciclos da água, do carbono e do azoto, para referir
apenas os mais relevantes para o clima e as alterações climáticas; têm dos
maiores níveis de biodiversidade da Terra – neles vivem inúmeras espécies de
organismos, macro e microscópicos, na sua maioria ainda desconhecidos; guardam
vestígios de enorme interesse científico, cultural, artístico e até religioso.
É comum desvalorizar a nossa dependência do solo, assumindo
que é um recurso abundante e imutável. Todavia, o solo é um recurso finito. Aliás,
é cada vez mais reduzida a parcela de solo arável (adequado para culturas
anuais e prados temporários) por habitante. E prevê-se que continue a diminuir,
dos quase 0,25 ha actuais, para menos de 0,2 ha em 2050 (a par do aumento da
população de 7 para mais de 9 mil milhões de habitantes). Em Portugal já só temos
0,1 ha de solo arável por habitante, um dos valores mais baixos da Europa. O
solo também não é imutável. Embora se forme muito lentamente – demora 1 000 a 2
000 anos para formar apenas 10 cm de solo – pode sofrer uma degradação muito
rápida, por vezes em horas ou minutos, por deslizamentos e enxurradas
associados a chuvas mais intensas.
Mas processos de degradação mais prolongados são igualmente
graves porque, sem vigilância ou monitorização, podem ser evidentes tarde de
mais. A União Europeia reconheceu as seguintes ameaças aos solos da Europa:
selagem (impermeabilização ou pavimentação), erosão (pela água e pelo vento), perda
de matéria orgânica, perda de biodiversidade, compactação, salinização,
contaminação (por poluição concentrada e difusa), cheias e deslizamentos. Todas
estas formas de degradação têm origem humana, associadas a muitos tipos de usos
do solo.
Uma vez degradado, a recuperação de um solo pode demorar
várias gerações, por isso tem de ser considerado um recurso natural não
renovável. Também não é razoável admitir que a evolução tecnológica encontre
outros recursos capazes de substituir as funções do solo. A ciência e a
tecnologia são sim, indispensáveis para promover o uso e a gestão sustentável
do solo e prevenir todas as formas de insegurança a médio-longo prazo,
nomeadamente as decorrentes das alterações climáticas. Mas, para ser eficaz, é
preciso que cada vez mais cidadãos adoptem uma atitude ética inspirada nos melhores
agricultores do passado, que procuravam legar aos descendentes terras tão ou
mais férteis do que as que tinham recebido dos seus antepassados.
Ao longo de 2015 a SPCS participa na promoção do Ano
Internacional dos Solos com um conjunto de acções que vão sendo divulgadas em www.spcs.pt.
Direcção da Sociedade Portuguesa da Ciência do Solo (SPCS)
quinta-feira, 26 de março de 2015
A campanha eleitoral está de volta. É altura de a CGD a construir
Sou eu que tenho mau feitio ou é isto é a CGD a fazer a campanha eleitoral do PSD/CDS?
Não há nenhum produto publicitado. Nenhuma conta, nenhuma linha de crédito, nada. É feita uma referência indirecta à evolução da taxa de desemprego e até à decisão de um casal ter filhos, supondo-se que se vive em Portugal um ambiente de grande optimismo.
Vota CGD!!
Não há nenhum produto publicitado. Nenhuma conta, nenhuma linha de crédito, nada. É feita uma referência indirecta à evolução da taxa de desemprego e até à decisão de um casal ter filhos, supondo-se que se vive em Portugal um ambiente de grande optimismo.
Vota CGD!!
A LUZ EM LOULÉ
Anúncio e resumo da minha palestra hoje à noite na Câmara Municipal de Loulé integrada no ciclo “Horizontes do Futuro”
“Haja Luz! A Luz quando nasce é para todos?” é o tema que o físico Carlos Fiolhais irá abordar em Loulé, no âmbito do ciclo de conferências “Horizontes do Futuro”, no próximo dia 26 de março, quinta-feira, pelas 21h00, no Salão Nobre dos Paços do Concelho.
Resumo:
Por determinação da UNESCO e da ONU, em 2015 celebra-se em todo o mundo, incluindo Portugal o Ano Internacional da Luz. A luz é o fenómeno físico ao qual devemos a vida (sem a luz, portadora de energia, vinda do Sol não poderia haver vida na Terra) e o nosso conhecimento do mundo (tanto através da luz visível como luz invisível). A luz, de modo muito claro nos dias de hoje, é também tecnologia, que torna a vida mais confortável: Mas a luz é também uma metáfora de entendimento, razão e verdade. Luz pode ainda significar o bem, como na "metáfora do Sol" de Platão. Ao chamar a atenção para a luz, neste Ano da Luz, pretende-se não só que haja maior consciência do fenómeno como um melhor aproveitamento da luz para benefício da nossa vida comum no planeta. Com vários exemplos da história e da cultura, o orador irá mostrar o enorme poder que a luz tem tido de concitar a atenção dos seres humanos. Num simples arco-íris, por exemplo, há muita ciência ao mesmo tempo que há também arte e poesia.
ESSE PAÍS NÃO É O MEU
A Professora de Economia em França Cristina Sambiano publicou um artigo no PUBLICO de hoje onde comenta a lamentável "magistratura" do Presidente da República, em breve a ser substituído para nosso alívio. Destaco o que diz essa emigrante de segunda geração sobre a nova torrente de emigração, agora de jovens qualificados que o actual governo abandonou à sua sorte:
"Como é que esses novos emigrantes, a população estrangeira mais numerosa a chegar actualmente a França e a quem o jornalista Giv Anquetil consagrou a sua reportagem para o programa de France Inter do passado dia 14, Comme un bruit qui court, poderão acolher o discurso de um Presidente que diz aos emigrantes que Portugal é um país bom para investir, bom para os franceses se irem instalar, bom para irem passar férias (recordando que, no ano passado, um milhão de franceses visitou o país) e pedindo-lhes que sejam os embaixadores desse país, que o aconselhem aos vizinhos, aos colegas de trabalho, aos amigos? Será que eles, filhos de um país de que foram expulsos, poderão gabar os seus atractivos a terceiros?
Seguramente não, nem a Elisabete, professora de Inglês a exercer a profissão de porteira em Paris, para “poder acudir às necessidades dos fi lhos, dar-lhes uma educação e pagar a casa em Portugal”, nem a Sofia, filha de emigrantes, nascida em França, que havia decidido ir viver em Portugal e que, dez anos depois, foi obrigada a regressar, nem a Rosa, que acumulava dois trabalhos, um dos quais num bar, à noite, que paga 2,5 euros à hora, não declarados, “porque quando se precisa aceita-se tudo”, seguramente nenhum deles se reconhece nem no país próspero de que falou o Presidente, nem na emigração portuguesa de sucesso a que ele se dirigiu. Não, esse país não é o meu, nem essa emigração existe."
Cristina Sambiano (Economista, lecciona Economia Portuguesa na Universidade de Paris IV — Sorbonne; autarca na região de Pari)"
"Como é que esses novos emigrantes, a população estrangeira mais numerosa a chegar actualmente a França e a quem o jornalista Giv Anquetil consagrou a sua reportagem para o programa de France Inter do passado dia 14, Comme un bruit qui court, poderão acolher o discurso de um Presidente que diz aos emigrantes que Portugal é um país bom para investir, bom para os franceses se irem instalar, bom para irem passar férias (recordando que, no ano passado, um milhão de franceses visitou o país) e pedindo-lhes que sejam os embaixadores desse país, que o aconselhem aos vizinhos, aos colegas de trabalho, aos amigos? Será que eles, filhos de um país de que foram expulsos, poderão gabar os seus atractivos a terceiros?
Seguramente não, nem a Elisabete, professora de Inglês a exercer a profissão de porteira em Paris, para “poder acudir às necessidades dos fi lhos, dar-lhes uma educação e pagar a casa em Portugal”, nem a Sofia, filha de emigrantes, nascida em França, que havia decidido ir viver em Portugal e que, dez anos depois, foi obrigada a regressar, nem a Rosa, que acumulava dois trabalhos, um dos quais num bar, à noite, que paga 2,5 euros à hora, não declarados, “porque quando se precisa aceita-se tudo”, seguramente nenhum deles se reconhece nem no país próspero de que falou o Presidente, nem na emigração portuguesa de sucesso a que ele se dirigiu. Não, esse país não é o meu, nem essa emigração existe."
Cristina Sambiano (Economista, lecciona Economia Portuguesa na Universidade de Paris IV — Sorbonne; autarca na região de Pari)"
quarta-feira, 25 de março de 2015
CIÊNCIA EM PORTUGAL: CONTINUA O "FALHANÇO PLENO"
Hoje o Jornal de Notícias difunde a notícia dos centros que estão a levantar processos em tribunal contra a FCT e tudo indica que outros se seguirão. Toda esta trapalhada era perfeitamente
evitável se o ministro Nuno Crato fosse de facto ministro da Ciência e Tecnologia. Na prática demitiu-se há muito tempo,
deixando o terreno livre a gente incompetente, inculta e arrogante. Gente acima de tudo sem quaisquer princípios éticos. Basta um mínimo de honestidade
intelectual para ver que o processo de "avaliação" das unidades não
foi sério. Muitos investigadores, nacionais e estrangeiros, já o
disseram. Os reitores já o disseram: a carta deles chamou à
"avaliação" um "falhanço pleno", que é como quem diz um desastre
total e completo.
Já era um desastre e continua um desastre. Dos centros que passaram à 2.ª fase (cerca de 50% pelo contrato secreto celebrado entre a FCT e a ESF) 123 protestaram, apesar de terem recebido financiamento.. Portanto reclamaram e aguardam resposta devidamente justificada cerca de 76% dos centros que sobreviveram na 2.ª fase. Isto não é normal em país nenhum do mundo e alguém deve
ser responsabilizado. A FCT, que reclama a excelência, é manifestamente medíocre, pois não indica prazos nem indica pessoas idóneas para rever os processos. A sua incompetência é tanta que ontem os seus servidores não serviam para nada: estavam bloqueados. Agora está a fazer chantagem (sim, não há outro nome: é chantagem) com os centros de investigação, obrigando-os a aceitar qualquer coisa num prazo absurdo. A FCT não tem prazos nem respeita prazos e quer que os outros respondam de hoje para amanhã, sob pena de cortar o financiamento a que tem direito.
Para que se perceba: o financiamento público à ciência é um direito da ciência e da sociedade e não uma benesse dada por apaniguados de partidos circunstancialmente no poder. Ninguém percebe o financiamento da FCT nem a nota que deveria estar associado a ele, se o processo fosse recto e rigoroso. As regras não são conhecidas a tempo e as que vão sendo conhecidas são alteradas arbitrariamente em qualquer altura. Leio nas notícias que um centro tinha 15 mil e de repente sem mais nem porquê passou a ter 75 mil euros por ano. Os outros também querem aumentos desta percentagem: 400%. Reina a arbitrariedade e a prepotência. A FCT parece estar sem controlo e era bom que o ministro mandasse instaurar rigoroso inquérito, poupando trabalho aos tribunais. Imagino o que custa aos investigadores terem, como recurso último e por não haver ministro da Ciência, de lutar na justiça pela ciência em vez de estarem a trabalhar nos seus laboratórios. Não está em causa se os que reclamam são piores ou melhores que outros, está simplesmente em causa saber se vale tudo num Estado de Direito. A ciência em Portugal, com este governo PSD-CDS e este ministro que abandonou a ciência em favor de outros interesses, está pelas ruas da amargura.
Já era um desastre e continua um desastre. Dos centros que passaram à 2.ª fase (cerca de 50% pelo contrato secreto celebrado entre a FCT e a ESF) 123 protestaram, apesar de terem recebido financiamento.. Portanto reclamaram e aguardam resposta devidamente justificada cerca de 76% dos centros que sobreviveram na 2.ª fase. Isto não é normal em país nenhum do mundo e alguém deve
ser responsabilizado. A FCT, que reclama a excelência, é manifestamente medíocre, pois não indica prazos nem indica pessoas idóneas para rever os processos. A sua incompetência é tanta que ontem os seus servidores não serviam para nada: estavam bloqueados. Agora está a fazer chantagem (sim, não há outro nome: é chantagem) com os centros de investigação, obrigando-os a aceitar qualquer coisa num prazo absurdo. A FCT não tem prazos nem respeita prazos e quer que os outros respondam de hoje para amanhã, sob pena de cortar o financiamento a que tem direito.
Para que se perceba: o financiamento público à ciência é um direito da ciência e da sociedade e não uma benesse dada por apaniguados de partidos circunstancialmente no poder. Ninguém percebe o financiamento da FCT nem a nota que deveria estar associado a ele, se o processo fosse recto e rigoroso. As regras não são conhecidas a tempo e as que vão sendo conhecidas são alteradas arbitrariamente em qualquer altura. Leio nas notícias que um centro tinha 15 mil e de repente sem mais nem porquê passou a ter 75 mil euros por ano. Os outros também querem aumentos desta percentagem: 400%. Reina a arbitrariedade e a prepotência. A FCT parece estar sem controlo e era bom que o ministro mandasse instaurar rigoroso inquérito, poupando trabalho aos tribunais. Imagino o que custa aos investigadores terem, como recurso último e por não haver ministro da Ciência, de lutar na justiça pela ciência em vez de estarem a trabalhar nos seus laboratórios. Não está em causa se os que reclamam são piores ou melhores que outros, está simplesmente em causa saber se vale tudo num Estado de Direito. A ciência em Portugal, com este governo PSD-CDS e este ministro que abandonou a ciência em favor de outros interesses, está pelas ruas da amargura.
FCT EM TRIBUNAL
Informação recebida do SNESUP:
O Centro de Matemática (CMat) da Universidade do Minho e o Centro
de Química (CQ-VR) da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro decidiram
avançar para tribunal com a impugnação judicial do processo de avaliação da FCT.
Trata-se de um passo de coragem perante uma instituição que concentra em si todo
o poder, sendo ao mesmo tempo avaliadora, financiadora e
fiscalizadora.
Essa mesma razão levou a que várias unidades nos comunicassem o
seu sentimento de condicionamento (senão mesmo, intimidação) em relação à sua
capacidade de poderem recorrer aos tribunais para resolver esta questão. Algumas
comunicaram mesmo ao Ministério Público este sentimento, afirmando sentirem-se,
por isso, legitimamente representadas na denúncia apresentada pelo SNESup, que
surgia como a defesa de todo o sistema perante uma avaliação ferida de várias
ilegalidades.
Este gesto por parte destas duas unidades demonstra que ainda
existem cidadãos que não se deixam condicionar. A liberdade é feita de gestos
como este e que não vão ficar por aqui conforme notícia do JN que enviamos em
anexo.
Quer o CRUP, quer o CCISP, devem ser coerentes com as críticas a
este processo. Foi o que o SNESup procurou fazer, com todas as formas ao seu
alcance, prestando o seu auxílio jurídico e dando todo o seu apoio, por uma
questão de estado e de defesa de princípios basilares. É óbvio que se necessário
tal tem que ser esgrimido na última instância com competência para dirimir
ilegalidade, os tribunais.
Entretanto a trapalhada avoluma-se, com a comunicação à FCT para
que as unidades atualizem os seus orçamentos. Numa jogada claramente tática a
FCT acena agora com o famoso fundo de reserva, que surge na altura da assinatura
do termo de aceitação do financiamento. A lógica é simples e ignóbil: no final o
que importa é o dinheiro. Unidades avaliadas com Bom veem agora quintuplicar o
seu financiamento, para que tudo fique bem. Afinal a avaliação serviu
para...?
O lodo em que está a Ciência deixa marcas. Ter-se deixado para os
tribunais o que deveria ser resolvido politicamente é um péssimo sinal para a
república portuguesa. A cada passo a reputação desce.
Re(Acção)! Química e Cinema! O Canto do Estireno e O Último Homem na Terra
Na Sala do Carvão hoje pelas 21:30, O Canto do Estireno
(1958), real. Alain Resnais | O Último Homem na Terra
(1964), real. Ubaldo Ragona e Sidney Salkow. ENTRADA LIVRE.
Apontamentos para um comentário aos filmes:
“O Canto do Estireno” de Alain Resnais é um documentário com cerca de 13 minutos, datado de 1958, cujo título e personagem principal é o poliestireno, um plástico ainda actualmente muito usado. Resultante de uma encomenda de uma empresa química, o filme é um objecto estético de uma perfeição desconcertante e paradoxal no qual os seres humanos, afinal os destinatários dos plásticos, aparecem como personagens secundárias. Aproximavam-se os anos 1960, a partir dos quais os produtos da química começaram a ser diabolizados, muitas vezes de forma injusta, e estava ainda longe a preocupação com o destino dos plásticos na natureza. Em 1958, este material, aparentemente sem alma, criado pelos homens ganha neste documentário vida nas imagens de Resnais e nos versos alexandrinos de Raymond Queneau,
Apontamentos para um comentário aos filmes:
“O Canto do Estireno” de Alain Resnais é um documentário com cerca de 13 minutos, datado de 1958, cujo título e personagem principal é o poliestireno, um plástico ainda actualmente muito usado. Resultante de uma encomenda de uma empresa química, o filme é um objecto estético de uma perfeição desconcertante e paradoxal no qual os seres humanos, afinal os destinatários dos plásticos, aparecem como personagens secundárias. Aproximavam-se os anos 1960, a partir dos quais os produtos da química começaram a ser diabolizados, muitas vezes de forma injusta, e estava ainda longe a preocupação com o destino dos plásticos na natureza. Em 1958, este material, aparentemente sem alma, criado pelos homens ganha neste documentário vida nas imagens de Resnais e nos versos alexandrinos de Raymond Queneau,
Ô temps,
suspends ton bol, ô matière plastique
D'où viens-tu ?
Qui es-tu ? Et qu'est-ce qui explique
Tes rares
qualités ? De quoi donc es-tu fait ?
Quelle est ton
origine ? En partant d'un objet
Retrouvons ses
aïeux! Qu'à l'envers se déroule
Son histoire
exemplaire. Voici d'abord, le moule.
[...]
Os famosos versos de Lamartine “Ô temps ! Suspends ton vol (...)” são refundidos aqui de forma irónica e intraduzível: ao tempo, matéria plástica, pede-se que suspenda a sua tigela! No ano seguinte, 1959, Queneau publicou o seu mais famoso livro “Zazie no Metro” e Resnais apresentou o sua primeira longa metragem, “Hiroxima meu amor”, filme em que Pierre Barbaud, o inventor da música algorítmica e autor da banda sonora de “O Canto do Estireno”, tem um papel como actor.
Vemos assim como “O Canto do Estireno” se revela um objecto estético onde se cruzam a técnica e as artes de forma profunda.
“O Último Homem
na Terra”, filme de Ubaldo Ragona e Sidney Salkow, datado de 1964
e baseado livremente no livro de 1954 de Richard Matheson “Eu Sou a Lenda”
poderá parecer a alguém menos atento apenas mais um filme de ficção
científica e de terror. O argumento é aparentemente
simples: uma doença misteriosa transforma os habitantes da terra
numa espécie de vampiros só sobrando um ser humano não infectado que procura desesperadamente encontrar outros.
Em comum com “O
Canto do Estireno”, o “Último Homem na Terra” apresenta um
paradoxal desaparecimento dos seres humanos, mas faz com o filme
anterior um contraponto radical: o desaparecimento é, no segundo
caso, apocalíptico e definitivo. No entanto, ao contrário que poderíamos
ser levados a pensar, com base na retórica que se desenvolveu a
partir dos anos 1960, não é sugerido no livro e filme que a doença misteriosa tenha
causa humana e muito menos química!
No livro são
datalhadas as tentativas para perceber a doença e para encontrar, se
não um antídoto, uma defesa eficaz. O sobrevivente (Neville)
encontra um modo de sintetizar sulfureto de alilo, um
dos compostos
activos do alho, mas verifica que este
composto não é ineficaz
como repelente de vampiros
ou como tóxico para as células do
microorganismo (é de notar que no filme continua a usar alhos até
ao final!). Finalmente, descobre (tarde de mais) que o medo do
alho
e cruzes era devido a atavismo e recordações do
comportamento
esperado de um vampiro (e não ao
sulfureto de alilo) e que a
humanidade tinha começado a reorganizar-se e começava a adaptar as
suas vidas e
tomar fármacos que lhe permitiam viver com a doença.
Neville era o último humano não contaminado e
tornou-se assim a
nova lenda: um ser diferente (agora
o humano) que os normais
(agora os vampiros) querem
eliminar. Trata-se assim também de um
filme sobre a diferença e sobre o medo que temos desta.
O filósofo Slavoj
Žižek chama a atenção para um aspecto que considera político nas
versões cinematográficas de “Eu Sou a
Lenda”. As versões
posteriores, já não terminam
com uma mudança radical na
normalidade, que tem horror aos seres diferentes, procurando
eliminá-los, mas
sim com um herói que se sacrifica para que se
consiga
reverter a situação para a anterior normalidade.
Este filme inspirou
directa ou indirectamente um sem número de filmes-tragédia com
tramas fantásticas ou realistas, envolvendo causas naturais,
artificais ou imaginárias, desde agentes biológicos e químicos a
zombies e outros produtos da imaginação humana. A nossa percepção
dos riscos e da história das tragédias é quase sempre destorcida.
Uma bactéria pode, em geral, ser muito mais perigosa do que um
produto químico natural ou artificial. Mas como pensamos que os
poderíamos ter controlado, somos muito mais sensíveis a estes
últimos. E também já houve tempo em que a doença era vista como
uma fatalidade normal. Por exemplo, a gripe pneumónica de 1918 matou
mais pessoas do que as duas guerras mundiais, tendo sido a maior
causa de morte no século XX, mas quase não é lembrada em
comparação com outras tragédias.
Um bom filme de
ficção científica ou de terror não é aquele que nos causa o
maior medo mas o que nos suscita as reflexões e interrogações mais
profundas.
[adaptado parcialmente de Jardinsde Cristais: Química e Literatura, SérgioRodrigues, Gradiva, 2014]
[adaptado parcialmente de Jardinsde Cristais: Química e Literatura, SérgioRodrigues, Gradiva, 2014]
Organização:
Departamento de Química da FCTUC e Departamento de História,
Estudos Europeus, Arqueologia e Artes da FLUC
Ciclo integrado
na 17.ª Semana Cultural da Universidade de Coimbra e nas
comemorações dos 725 anos desta instituição.
terça-feira, 24 de março de 2015
A TRAPALHADA DA FCT CONTINUA
A FCT transformou-se, com a complacência do ministro Nuno Crato (afinal ele é que é o responsável!), na grande perturbadora do sistema científico-tecnológico nacional, criando a cada passo novas trapalhadas, emendando erros com outros erros, num fuga desesperada para a frente. Ler no PÚBLICO aqui. A palavra "excelência" fica mal na boca do ministro, pois a sucessão de arbitrariedades que está à vista com o seu aparente beneplácito é precisamente o oposto de excelência. A pobre vítima é a ciência em Portugal. Mas Portugal é um Estado de direito: há tribunais e Ministério Público a funcionar. E o mandato político da actual FCT e do ministro tem os dias contados. Estão já em contagem decrescente e já a arrumar os papéis, talvez mesmo a destruir alguns papéis.
FCT VAI TER DE RESPONDER EM TRIBUNAL
Hoje o Público noticia que a FCT e provavelmente o próprio ministro da Ciência e Tecnologia vão ter de responder em Tribunal pelas atropelos à lei que cometeram no famigerado processo de "avaliação" da ciência. Lembro que há também um processo no Ministério Público que põe em causa todo o processo. A FCT ignorou a lei e os regulamentos, incluindo as determinações que ela própria fez, e está num processo descontrolado de "fuga para a frente", querendo rapidamente e pela força tornar definitivo um processo eivado de erros formais (para não falar já de erros científicos e más intenções). Não é apenas a lei que a FCT atropela, é também a gramática, como se pode ver pela resposta que a FCT deu aquele jornal: "A FCT não comenta processos de natureza jurídica, quer estejam a decorrer ou se perspectivem que venham a ser constituídos.” Como pode gerir a ciência quem nem sequer sabe falar português?
Com a devida vénia, transcrevo artigo de Samuel Silva:
"A polémica relativa à avaliação das unidades de investigação pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que se arrasta há meses no meio científico, vai agora transferir-se para os tribunais. Há pelo menos dois centros de investigação de universidades públicas que apresentaram impugnações judiciais do processo, invocando várias ilegalidades cometidas por aquele organismo público, como mudanças de regras com o processo em andamento e outros “erros grosseiros”, que os levam a pedir a anulação de todo a avaliação
Estes dois processos judiciais contra a FCT foram apresentados no final do mês passado, movidos pelo Centro de Matemática (Cmat) da Universidade do Minho (UM), junto do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, e o Centro de Química da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), no TAF de Mirandela. Além da coincidência temporal, as duas queixas partilham o mesmo tipo de argumentos contra a avaliação feita para a FCT pela European Science Foundation (ESF), sendo postas em causa a legalidade de algumas das decisões.
Nos dois processos conhecidos há três problemas que são apontados a esta avaliação. Entre esses, destaca-se a indicação que surgia no contrato assinado entre o organismo tutelado pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) e a ESF de que só 50% das unidades avaliadas iria passar à segunda fase da avaliação, o que só se soube cerca de três semanas depois do anúncio dos resultados da primeira fase (em que 144 centros acabaram por ficar pelo caminho e 178 é que passaram à segunda fase). Na acção do Cmat considera-se que essa leitura “resulta clara do contrato celebrado com a ESF” e que uma condicionante desse tipo nunca tinha sido publicitada pela FCT. “Deste modo, violou o princípio da transparência”, defende-se no mesmo documento.
Depois, é apontada uma mudança introduzida no processo de avaliação já com este em andamento. Na acção movida pelo centro de investigação da Universidade do Minho é considerado uma “grave ilegalidade” a alteração do número de avaliadores em cada painel. Argumenta o Cmat que, a 29 de Abril de 2014, numa “informação adicional”, a FCT passou a referir que a avaliação seria feita por três relatores, quando, no primeiro guia da avaliação, publicado a 31 de Julho de 2013, era anunciado que haveria cinco avaliadores por cada centro. Essa mudança “altera o procedimento avaliativo a meio do procedimento, em clara violação dos princípios da confiança e da transparência”, defende-se na acção que deu entrada no TAF de Braga.
Já a lista dos painéis de peritos para a avaliação foi proposta pela FCT em 4 de Abril de 2014 – tendo a secretária de Estado da Ciência Leonor Parreira homologado as listas de especialistas quatro dias depois –, numa altura em já tinha terminado há meses o prazo para as unidades de investigação submeterem os seus processos de candidatura à avaliação. Esse desfasamento temporal com a nomeação dos peritos a ser feita numa data posterior às candidaturas também fere, de acordo com a acção entregue em tribunal pelo Cmat, os princípios da isenção e da imparcialidade e é mais uma causa para ser pedida a anulação do concurso. “Até à data, e completamente ultrapassado o prazo legal, continuamos sem qualquer resposta da FCT”, explica ainda ao PÚBLICO Ana Jacinta Soares, coordenadora do Cmat, que subscreve a acção judicial.
Na primeira fase da avaliação, divulgada no final de Junho do ano passado, o Cmat foi avaliado como “Razoável”, pelo que não tinha direito a qualquer tipo de financiamento. A primeira reclamação da unidade de investigação da Universidade do Minho permitiu-lhe passar a “Bom”, mas isso não foi suficiente para o Cmat, que considera terem sido excluídos alguns dos seus argumentos “de forma injusta e ilegal”.
No documento de instrução do processo são ainda recordados os vários passos do processo de avaliação das unidades de investigação, desde a abertura do concurso em Julho de 2013, bem como os principais defeitos de que se foram queixando publicamente vários laboratórios científicos ao longo dos últimos meses, como a inadequação dos painéis de avaliadores – segundo a acção judicial do Cmat, dos 11 elementos do Painel das Ciências Exactas, só três são efectivamente de matemática – ou o facto de não terem sido convenientemente considerados os indicadores bibliométricos.
O principal motivo de contestação por parte do Centro de Química da UTAD são precisamente os critérios de avaliação da produtividade científica. Esta unidade teve nota 3 neste item, apesar de aparecer melhor classificada do que os centros que acabaram por ter nota 4 nos vários parâmetros analisados pelo estudo bibliométrico publicado pela FCT no início do processo de avaliação.
Esta unidade de investigação passou de uma classificação de Muito Bom, na anterior avaliação de 2007, para “Bom” no novo processo. Por isso, receberá um financiamento anual de 10 mil euros, que terão de ser divididos entre as 27 pessoas que o compõem.
Também para este centro existiram “erros grosseiros” na avaliação dos centros de investigação que deviam determinar a sua anulação. “Tudo isto foi tão rocambolesco, que a FCT não tem outra solução a não ser começar de novo”, defende o director daquela unidade científica, Paulo Coelho.
Estes são os únicos dois processos judiciais motivados pela avaliação das unidades de investigação de que o PÚBLICO teve conhecimento. A FCT não divulgou se existem outros. De resto, sobre esta matéria houve uma única reacção daquela entidade pública, através do seu gabinete de comunicação: “A FCT não comenta processos de natureza jurídica, quer estejam a decorrer ou se perspectivem que venham a ser constituídos.”
Samuel Silva Público
Com a devida vénia, transcrevo artigo de Samuel Silva:
"A polémica relativa à avaliação das unidades de investigação pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que se arrasta há meses no meio científico, vai agora transferir-se para os tribunais. Há pelo menos dois centros de investigação de universidades públicas que apresentaram impugnações judiciais do processo, invocando várias ilegalidades cometidas por aquele organismo público, como mudanças de regras com o processo em andamento e outros “erros grosseiros”, que os levam a pedir a anulação de todo a avaliação
Estes dois processos judiciais contra a FCT foram apresentados no final do mês passado, movidos pelo Centro de Matemática (Cmat) da Universidade do Minho (UM), junto do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Braga, e o Centro de Química da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), no TAF de Mirandela. Além da coincidência temporal, as duas queixas partilham o mesmo tipo de argumentos contra a avaliação feita para a FCT pela European Science Foundation (ESF), sendo postas em causa a legalidade de algumas das decisões.
Nos dois processos conhecidos há três problemas que são apontados a esta avaliação. Entre esses, destaca-se a indicação que surgia no contrato assinado entre o organismo tutelado pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) e a ESF de que só 50% das unidades avaliadas iria passar à segunda fase da avaliação, o que só se soube cerca de três semanas depois do anúncio dos resultados da primeira fase (em que 144 centros acabaram por ficar pelo caminho e 178 é que passaram à segunda fase). Na acção do Cmat considera-se que essa leitura “resulta clara do contrato celebrado com a ESF” e que uma condicionante desse tipo nunca tinha sido publicitada pela FCT. “Deste modo, violou o princípio da transparência”, defende-se no mesmo documento.
Depois, é apontada uma mudança introduzida no processo de avaliação já com este em andamento. Na acção movida pelo centro de investigação da Universidade do Minho é considerado uma “grave ilegalidade” a alteração do número de avaliadores em cada painel. Argumenta o Cmat que, a 29 de Abril de 2014, numa “informação adicional”, a FCT passou a referir que a avaliação seria feita por três relatores, quando, no primeiro guia da avaliação, publicado a 31 de Julho de 2013, era anunciado que haveria cinco avaliadores por cada centro. Essa mudança “altera o procedimento avaliativo a meio do procedimento, em clara violação dos princípios da confiança e da transparência”, defende-se na acção que deu entrada no TAF de Braga.
Já a lista dos painéis de peritos para a avaliação foi proposta pela FCT em 4 de Abril de 2014 – tendo a secretária de Estado da Ciência Leonor Parreira homologado as listas de especialistas quatro dias depois –, numa altura em já tinha terminado há meses o prazo para as unidades de investigação submeterem os seus processos de candidatura à avaliação. Esse desfasamento temporal com a nomeação dos peritos a ser feita numa data posterior às candidaturas também fere, de acordo com a acção entregue em tribunal pelo Cmat, os princípios da isenção e da imparcialidade e é mais uma causa para ser pedida a anulação do concurso. “Até à data, e completamente ultrapassado o prazo legal, continuamos sem qualquer resposta da FCT”, explica ainda ao PÚBLICO Ana Jacinta Soares, coordenadora do Cmat, que subscreve a acção judicial.
Na primeira fase da avaliação, divulgada no final de Junho do ano passado, o Cmat foi avaliado como “Razoável”, pelo que não tinha direito a qualquer tipo de financiamento. A primeira reclamação da unidade de investigação da Universidade do Minho permitiu-lhe passar a “Bom”, mas isso não foi suficiente para o Cmat, que considera terem sido excluídos alguns dos seus argumentos “de forma injusta e ilegal”.
No documento de instrução do processo são ainda recordados os vários passos do processo de avaliação das unidades de investigação, desde a abertura do concurso em Julho de 2013, bem como os principais defeitos de que se foram queixando publicamente vários laboratórios científicos ao longo dos últimos meses, como a inadequação dos painéis de avaliadores – segundo a acção judicial do Cmat, dos 11 elementos do Painel das Ciências Exactas, só três são efectivamente de matemática – ou o facto de não terem sido convenientemente considerados os indicadores bibliométricos.
O principal motivo de contestação por parte do Centro de Química da UTAD são precisamente os critérios de avaliação da produtividade científica. Esta unidade teve nota 3 neste item, apesar de aparecer melhor classificada do que os centros que acabaram por ter nota 4 nos vários parâmetros analisados pelo estudo bibliométrico publicado pela FCT no início do processo de avaliação.
Esta unidade de investigação passou de uma classificação de Muito Bom, na anterior avaliação de 2007, para “Bom” no novo processo. Por isso, receberá um financiamento anual de 10 mil euros, que terão de ser divididos entre as 27 pessoas que o compõem.
Também para este centro existiram “erros grosseiros” na avaliação dos centros de investigação que deviam determinar a sua anulação. “Tudo isto foi tão rocambolesco, que a FCT não tem outra solução a não ser começar de novo”, defende o director daquela unidade científica, Paulo Coelho.
Estes são os únicos dois processos judiciais motivados pela avaliação das unidades de investigação de que o PÚBLICO teve conhecimento. A FCT não divulgou se existem outros. De resto, sobre esta matéria houve uma única reacção daquela entidade pública, através do seu gabinete de comunicação: “A FCT não comenta processos de natureza jurídica, quer estejam a decorrer ou se perspectivem que venham a ser constituídos.”
Samuel Silva Público
segunda-feira, 23 de março de 2015
Concurso PORDATA Inovação
Anúncio recebido da PORDATA, base de dados de Portugal:
No
âmbito da celebração do 5º aniversário da PORDATA, a Fundação Francisco
Manuel dos Santos (FFMS) apresenta a primeira edição do Prémio PORDATA
Inovação.
Esta
é uma iniciativa que, uma vez mais, dentro da missão da FFMS, procura
promover e aprofundar o conhecimento da sociedade portuguesa.
O
Prémio PORDATA Inovação pretende reforçar a articulação entre a PORDATA
e os agentes de produção de conhecimento, incentivando o
desenvolvimento de indicadores
inovadores, que representem uma mais-valia para a compreensão das
dinâmicas da sociedade. É, por isso, especialmente encorajada a
participação da comunidade científica nacional.
Prazo final de apresentação de propostas: 23 de Maio 2015.
Nova conferência do Casino
Informação recebida dos organizadores:
Num momento
de grande necessidade e urgência para o país, um grupo de cidadãos
decidiu reeditar para o século XXI a experiência das Conferências do
Casino do século XIX, então lideradas por Antero de Quental e
participadas por figuras como Eça de Queirós e Adolfo Coelho, entre
outros.
Assim, terá lugar no próximo dia 28 de março, no CASINO ESTORIL, pelas 16:00h, mais uma sessão das Novas Conferências do Casino, subordinada ao tema Educação para a Morte, reunindo os oradores Pe. António Vaz Pinto e Miguel Real, com a coordenação a cargo de Isabel Nery.
Educação em Jardins Botânicos – 16 anos de experiência
Mensagem recebida de Ana Cristina Tavares, auto autora do livro com o título acima, disponível livremente em versão electrónica:
"É com muito gosto que venho partilhar a edição on-line do livro “Educação em Jardins Botânicos – 16 anos de experiência”, registado com ISBN.
Está disponível em http://www.eumed.net/libros-gratis/2015/1442/index.htm
Oxalá seja de agrado, seja partilhado e útil a muitos profissionais e entusiastas (como eu*) de Educação em Ciência, em particular em espaços naturais."
Ana Cristina Tavares
TODAS AS COISAS VISÍVEIS E INVISÍVEIS
Recebi de Jerónimo Nogueira, deficiente visual, esta interessantíssima recolha poética sobre a impossibilidade de visão. O tema é muito oportuno neste Ano Internacional da Luz. A poesia é uma forma de acesso à luz. Quando celebramos a luz devemos lembrar-nos de quem não a pode ver (o quadro "Rapariga Cega" é de Millais).
TODAS AS
COISAS VISÍVEIS E INVISÍVEIS
(tópicos
poéticos para a discussão de um problema)
"Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há ideias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se
abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
(…)
Eu nunca passo para além da realidade imediata.
Para além da realidade imediata não há nada.
(…)
Ter a certeza é não estar vendo.
Depois de amanhã não há.
O que há é isto:
Um céu de azul, um pouco baço, umas nuvens brancas no
horizonte,
Com um retoque de sujo em baixo como se viesse negro
depois.
Isto e o que hoje é,
E, como hoje por enquanto é tudo, isto é tudo.
Quem sabe se eu estarei morto depois de amanhã?
Se eu estiver morto depois de amanhã, a trovoada de
depois de amanhã
Será outra trovoada do que seria se eu não tivesse
morrido.
Bem sei que a trovoada não cai da minha vista,
Mas se eu não estiver no mundo,
O mundo será diferente –
Haverá eu a menos –
E a trovoada cairá num mundo diferente e não será a
mesma trovoada"
Alberto Caeiro em“ Poemas
inconjuntos”
São Audazes … Porquê? Porque são cegos!
Hão-de gastar os dentes nessa lida;
Hão de gastar, depois, ainda a cabeça;
Hão-de gastar por fim o corpo todo!
Antero
Quental em “Odes Modernas”, P. 96
"Oh! A vida é um abismo! Mas fecundo!
Mas imenso! Tem luz – e luz que cegue."
Idem p. 56
"Examino como quem cisma. Vejo como quem pensa."
Fernando Pessoa, em “O Livro do Desassossego“ por
Bernardo Soares
Obra em Prosa, Vol. I Circulo de Leitores, p. 72
"Ver é talvez sonhar, mas se lhe chamamos ver em vez de
lhe chamarmos sonhar, é que lhe distinguimos sonhar de ver"
Idem, p. 222
"A Vida é que o que fazemos dela. As viagens são os
viajantes.
O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos."
Idem, p. 72
"Quem me tapa os olhos não me cega, porém impede-me de
ver."
Idem p. 259
"Dá-me a tua mão! …que eu saiba da tua mão …que as tuas
mãos são as minhas! …que sejam outras mãos como as minhas…as minhas mãos não me
bastam…faltam-me outras mãos como as minhas!”
Almada Negreiros em
“Antes de Começar”, Obra completa”, Vol. III, Imprensa Nacional, p. 38
"Ora
a maior ambição do mundo é tirar o homem das trevas para a claridade; e é a
maior ambição a portadora do maior sofrimento."
“Ver”, p. 235
"Homero
é cego e foi ele quem descobriu a vida interior do homem projectando depois
para fora do homem por sobre o mundo a vida interior o homem para que
finalmente se visse."
Idem p. 237
"É
cego, enfim, porque é cego tudo quanto, a bem ou a ou a mal, se mete de permeio
entre a vida e o homem."
Idem p, 234-235
"Aqui, sei onde sangra o lábio oculto.
De quem me vê, até de olhos fechados!
E, como os cegos, reconheço um vulto,
Pelo roçar dos dedos namorados…"
Pedro Homem de Melo em “Ao Porto”, Colectânea de poesia sobre o Porto, p. 129
"Cada vez mais vivo e cada vez mais cego através dos
anos, é um mistério que nunca pude decifrar.
Penso nele e lembro-me logo daquelas monstruosidades
anatómicas, diante das quais a razão, cheia de pasmo, pergunta em que fonte da
vida bebem as suas raízes."
Miguel Torga, Diário I “, p. 162
"E não me resigno intimamente a essa entrega
incondicional, não por apego ao mundo, de que me vou sentindo excluído, mas
pela simples dignidade de me não conformar. A dizer não à fatalidade é que eu
tenho a ilusão de vencer."
“Diário XVI”, p. 106
"Vagos e rodeados de abismos caminhamos
Indefinidamente
sem sair de onde estamos.
Nada
se vê. Só se ouve rangente a esc"
Natália
Correia em “ Poesia Completa” p. 541
"Ouvindo o teu sossego
A pouco e pouco encher
Como os olhos do cego
A luz do íntimo ver."
Vitorino Nemésio“
Outra Lição”,Antologia Poética, p. 100
"Rejeitemos
decididamente esse radicalismo indecente que nos exorta dar à luz o que é da
luz e às trevas o que é das trevas. Por que as trevas estão na luz como o Yin
está no Yang; e a luz está nas trevas como o Yang está no Yin."
Natália Correia, “Poesia
Completa” p. 505
"Gosto
da noite imensa, triste, preta,
Como
esta estranha e doida borboleta.
Que
eu sinto sempre a voltejar em mim!..."
Florbela Espanca em “Sonetos” P. 63
"Trago no olhar visões extraordinárias.
De coisas que abracei de olhos fechados…"
Idem, p.203
"No dia seguinte à leitura
Seus olhos desembocam em outras visões."
Mia Couto em “Terra Sonâmbula”, p. 69
"Cego quem é quem só abre os olhos
quando a si mesmo se contempla"
“Cego”, em “Idades, Cidades e Divindades”, p. 106
"Enquanto não, o pescador não pode ver o peixe dentro
do rio. O pescador acredita uma coisa que não vê.
Aquela era a lição do que há-de vir da vida e ele,
agora, lembrava as sábias palavras."
“Vozes Anoitecidas”, p. 58
O cego curioso, queria saber de tudo. Ele não fazia
cerimónia no viver. O sempre lhe era pouco e o tudo insuficiente.
“Estórias
Abensonhadas” p. 29
"Nós temos olhos que se abrem para dentro, esses que usamos
para ver os sonhos. O que acontece, meu filho, é que quase todos estão cegos,
deixaram de ver esses outros que nos visitam.
Os outros? Sim, esses que nos acenam da outra margem."
Idem, p. 16
"Com medo da noite foi andando, aos tropeços. Os dedos
teatrais interpretavam ser olhos."
Idem p. 31
"Acontece que o mundo é sempre grávido de imenso. E os
homens, moradores de infinitos, não têm olhos a medir.
Seus sonhos vão à frente de seus passos. Os homens
nasceram para desobedecer aos mapas e desinventar bússulas. Sua vontade é a de
desordenar paisagens."
“Cada
Homem é uma Raça”, p. 167
"Como podemos florir
ao peso de
tanta luz?"
Eugénio de Andrade, “Obra Completa “, Vol. I,, Círculo de Leitores, p. 100
"E
as mãos do homem não tem mais sentido que imitar
as
raízes debaixo da terra."
Idem p. 130
"A noite inteira nos olhos desmedidos."
Idem, p. 195
"São muitos anos dedicados ao ofício, a mão cega
procurando iluminar as funduras da alma, ou esforçando-se, com o tempo, a
esquecer o que foi aprendendo."
“A sombra da Memória”. p. 98
"A página é cegante, na sua lucidez"
Idem p. 38
"A
noite inteira nos olhos desmedidos."
Idem p. 195
"O
ASTRÓNOMO
À sombra de um templo
O meu amigo e eu
Vimos um cego
Sentado e solitário.
O meu amigo disse:
- Olha que esse
é o homem mais sábio da nossa terra.
Então, deixando o meu amigo,
Aproximei-me do cego,
Saudei-o e começamos a falar.
Pouco depois disse-lhe:
-Desculpa a pergunta,
mas há quanto tempo está cego?
Ele respondeu:
-Desde que nasci.
Perguntei então:
-
E que caminho de sabedoria escolheste?
- Sou astrónomo.
Em seguida levou a mão ao peito e acrescentou:
Em seguida levou a mão ao peito e acrescentou:
- Observo todos estes sóis, estas luas e estrelas."
Khalil Gibran
Khalil Gibran
“Se um olhar de novo brilho
ao meu olhar se enlaçasse…”
Alexandre O´Neil
“Vem serenidade, põe nos
olhos dos cegos a luz que lhes pertence!”
Raul de Carvalho
Recolha de textos de Jerónimo Nogueira
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