quinta-feira, 31 de outubro de 2013

O poder do professor

Na sequência de um texto aqui publicado, a leitora Sílvia Ferreira referiu que gostava de ver discutido o poder do professor, "Ora, escreveu Sílvia, na sala de aula, independentemente da forma de gestão adotada, é o professor quem tem mais estatuto, logo mais poder. O professor pode é decidir dar mais ou menos espaço de intervenção aos alunos". Pedimos a João Lopes que nos esclarecesse, ao que ele amavelmente correspondeu.
Qualquer tipo de relação social tem inerente uma mais ou menos explícita relação de poder. As relações laborais têm-na, as relações pais-filhos têm-na, as relações professor aluno têm-na, etc.
O poder do professor deriva antes de mais de uma outorga social (o Estado entrega esse poder ao professor) mas também de um diferencial de conhecimentos e de idades. O que acontece é que há professores que partilham mais e outros que partilham menos esse poder com os alunos, em larga medida devido a posicionamentos ideológicos ou pessoais quanto à natureza das relações professor-alunos (cuja assimetria alguns professores acham adequada e procuram conservar e que outros professores acham menos adequada e deliberadamente procuram mitigar).
Esta ideia é anterior à noção de controlo, a qual se vai estruturando no decurso das aulas ou do ano lectivo. Há professores que acreditam que devem partilhar com os alunos o poder de que se encontram investidos pelo Estado mas que, devido a problemas nas interacções com os alunos, sentem o controlo da aula ameaçado e retrocedem nas suas intenções (ficando numa posição de desvantagem). E há mesmo professores (a que poderíamos chamar ambivalentes) que acham que devem partilhar o poder mas que utilizam sistematicamente o sarcasmo (uma forma pouco discreta de agressão) ou outras atitudes dificilmente compreensíveis pelos alunos, para tentar manter o controlo da situação.
Em resumo: numa sala de aula o poder é uma questão central. Este poder, cuja distribuição poderia assentar na assimetria de conhecimentos, é muitas vezes desafiado ao nível dos papéis comportamentais e não tanto ao nível dos conhecimentos (área em que os alunos genericamente sentem que são incapazes de desafiar o professor). A sua gestão depende naturalmente e em primeiro lugar, do professor. A organização e gestão de sala de aula é, neste contexto, o principal organizador das relações entre professor e alunos e, em certa medida, entre os próprios alunos. Cabe definitivamente ao professor conduzi-la e estruturá-la.
João Lopes

2 comentários:

Ildefonso Dias disse...

Caríssima Professora Helena Damião;

O que se lê neste post é a confirmação do que dizia o Professor Sebastião e Silva quando se referia a que “o ensino em Portugal encontra-se hoje, praticamente, numa fase pré-socrática”

… eu transcrevi um texto em comentário no DRN onde se pode ler isso, no link:

http://dererummundi.blogspot.pt/2012/09/apresentacao-do-livro-os-anos.html

Agora transcrevo do livro “A Matemática na Antiguidade” (notas das `lições de Historia do Pensamento Matemático do Professor Sebastião e Silva).

(…) “Os povos que sobrevivem são os que tem maior adaptação e sabem responder adequadamente aos desafios da historia.
Por tudo isto a mensagem de Sócrates é de importância fundamental para todas as formas de investigação e ensino. Na educação das crianças e jovens deverá adoptar-se a atitude socrática sob a forma de métodos activos heurísticos em que a personalidade do mestre deve apagar-se o mais possível a fim de permitir que se afirme e realize a personalidade do discípulo. O método heurístico no ensino também chamado de redescoberta (o aluno descobre factos conhecidos que não conhece) [Heurístico vem de heúreka, exclamação atribuída a Arquimedes ao descobrir no banho o peso especifico dos corpos. O ensino deve levar a tais exclamações por parte dos alunos!


Professora Helena Damião, agora repare no que escreve o Professor João Lopes «poder, cuja distribuição poderia assentar na assimetria de conhecimentos ...»
… e assim pergunto-lhe, não é para a senhora Professora evidente que ainda estamos numa fase pré-socratica no ensino, e sabendo nós hoje que “é preciso notar que também Sócrates já está ultrapassado: nos Diálogos, o mestre aparece a impor discretamente o seu ponto de vista, conduzindo os discípulos onde quer que eles precisamente cheguem... Mas hoje é necessário mais: é necessário que o diálogo assente inteiramente numa base de compreensão mútua.”?

Cumprimentos

Sílvia disse...

Professora Helena
Agradeço os esclarecimentos dados pelo Professor João Lopes.
Permitiu-me perceber que os conceitos de poder e de controlo são usados com um significado diferente daquele que têm na teoria de Bernstein (2000). No caso dessa teoria e da investigação desenvolvida, na relação professor-aluno, o professor assume o estatuto mais elevado e, por isso, a relação de poder entre sujeitos é assimétrica. É o professor quem tem mais poder (as fronteiras entre estas duas categorias de sujeitos estão bem demarcadas). Para além de se relacionarem em termos de poder, o professor e o aluno relacionam-se em termos de controlo, isto é, em termos da comunicação que há entre eles. Por exemplo, o professor pode decidir dar mais controlo ao aluno na forma de comunicação entre eles, explicando-lhe as razões porque se deve comportar de determinada maneira ou permitindo que o aluno critique a sua prática, entre outras características.
A distinção entre estes conceitos de poder e de controlo na análise de práticas pedagógicas apresenta imensas potencialidades.

Atentamente,
Sílvia Ferreira

Bernstein, B. (2000). Pedagogy, symbolic control and identity: Theory, research, critique (rev. ed.). Londres: Rowman & Littlefield.

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