sexta-feira, 25 de outubro de 2013

OS NOVOS ESTRANGEIRADOS

Está a sair a revista XXI Ter Opinião - Anuário de 2013 da Fundação Francisco Manuel dos Santos. Para abrir o apetite para a suculenta revista deixo o pequeno artigo que a encerra sobre o estado da ciência em Portugal.

Está a haver “fuga de cérebros” em Portugal? A expressão poderá não ser a melhor para designar a emigração de trabalhadores muito qualificados e responder à questão pode não ser fácil por falta de indicadores fiáveis, mas a resposta de muitos observadores, incluindo o autor destas linhas, é afirmativa.  Infelizmente está.

Não será uma observação rigorosa, mas há evidência à nossa volta. Todos nós sabemos de jovens muito qualificados que se vêem obrigados a emigrar, em geral para a Europa, dada a aflitiva falta de emprego de base científica nesta altura em Portugal.  Estando as fronteiras abertas, não registo dos jovens que procuram emprego temporário ou definitivo noutros países. Mas o desemprego jovem, isto é, pessoas até aos 25 anos, tem crescido entre nós assustadoramente (é hoje de 37%), tal como aliás todo o desemprego. Basta ir à PORDATA para verificar o boom do desemprego desde 2000. Quer dizer as nossas universidades e os politécnicos formecem todos os anos fornadas  de diplomados que o mercado de trabalho nacional não consegue absorver.  As escolas de ensino superior, melhor ou pior, estão a fazer o seu papel, mas o mercado não está a fazer o dele.

As afirmações não só do ex-ministro Miguel Relvas mas também, e embora noutro tom, do próprio primeiro-ministro no sentido de sugerir a quadros jovens que procurem trabalho no estrangeiro não foram decerto as mais felizes. Governantes que aconselham os seus governados a emigrar estão, de certa forma, a demitirem-se das suas responsabilidades. Um governante não pode dizer aos jovens  que se governem como puderem, mas tem antes de criar e transmitir futuro. Não sendo Portugal abundante em recursos naturais, a sua maior riqueza  reside nos  cérebros dos seus cidadãos, em particular  aqueles que estão em idade de maior criatividade e, entre estes, os que estão mais bem preparados. E é desolador ver que as escolas superiores formam pessoas que tenham de se estrangeirar, não por opção pessoal, mas por falta de qualquer alternativa.

O caso é particularmente grave nos doutorados, uma vez que tem continuamente subido o seu número e alguns deles têm mostrado, através de publicações científicas com impacte internacional, a sua alta qualidade. Ora, estes doutores não estão, em geral, a ingressar nas universidades e politécnicos, rejuvenescendo um corpo docente  envelhecido.  São bem conhecidos os casos de candidatos que se eternizam na renovação das suas bolsas por falta de oportunidades profissionais. Não estão também a entrar em quadros das instituições privadas sem fins lucrativas que foram criadas quando as universidades portuguesas pareciam incapazes de usar os avultados recursos à disposição para investigação e desenvolvimento. Acontece ainda que as bolsas de doutoramento e de pós-doutoramento são cada vez menos (algumas áreas, como a da promoção da ciência e a história da ciência, foram surpreendentemente fechadas). Há sempre a solução do empreendorismo (“crie o seu próprio emprego”, fartam-se de nos dizer), mas, apesar de alguns bons exemplos, são claras as dificuldades que, num quadro recessivo, as novas empresas encontram para vingarem. 

 A  crise podia ser aproveitada pelo governo para “casar” melhor o ensino superior com a investigação, colocando os fundos de ciência directamente à disposição das melhores universidades, designadamente para refrescar os seus quadros. Contudo, não é isso que está a ser feito.  As universidades estão com a corda na garganta. Invocando a excelência individual (um conceito algo difuso, sobretudo quando se trata de comparar disciplinas) a Fundação para a Ciência e Tecnologia - FCT está a promover concursos de “investigadores FCT”, mas os lugares são muito poucos e sempre temporários, não permitindo dar consistência a instituições que já deram sobejas provas de produtividade científica. Esquece que tão ou mais importantes que a capacidade individual são as equipas e as infraestruturas. A FCT pretende manter, numa época de “vacas magras”, um sistema científico que foi montado, sob a sua tutela, ao lado das universidades numa época de “vacas gordas”. E esquece-se que algumas das nossas universidades, hoje muito melhores do que há vinte anos, têm de ver a sua competitividade reforçada para singrar no quadro europeu.

Onde estão os doutores? Na sua maioria, nas universidades. Em 2009, dos 17 010 doutores a trabalhar em Portugal, 82% estavam no ensino superior, 13% em instituições privadas de investigação, 4% no resto do Estado  e apenas 1% em empresas. As universidades com mais peso científico (a maior de todas está  a emergir em Lisboa) deviam,  portanto, ter mais voz na questão do emprego científico. Mas estão dissolvidas no Conselho de Reitores – CRUP, que trata todas as universidades por igual. Os investigadores estão silenciosos, cada centro ou grupo pocurando competir na disputa dos escassos recursos, manietados por regras que parecem em muitos casos abstrusas para não dizer absurdas. Parece ser mais o que divide os cientistas do que aquilo que os une.  Existe uma associação de bolseiros e uma outra de investigadores, mas não há uma academia nacional de ciência que dê voz forte aos cientistas no seu conjunto. Lá fora, os jovens cientistas lusos estão organizados nalguns casos (no PARSUK no Reino Unido e no PAPS nos Estados Unidos), mas não há  uma comunidade organizada à escala global dos cientistas portugueses no estrangeiro que tenha capacidade de intervenção no país. Os novos estrangeirados, ao contrário dos antigos, não têm grandes meios para influenciar a sua terra natal.

A fuga de cérebros é e, a avolumar-se, será ainda mais um drama nacional. Sendo a ciência um empreendimento internacional, é natural que os cientistas ignorem as fronteiras. Mas não faz sentido que o país invista na formação de jovens cujos conhecimentos e capacidades vão, maciça e directamente, beneficiar outros países. Precisa-se de um ministro da ciência e não apenas da educação.

2 comentários:

Paulo disse...

É difícil estar mais em acordo com as suas palavras. Eu pergunto-me: existe algum plano para o sistema científico português, existe alguma política - no seu sentido genuíno - para a ciência em Portugal? A resposta parece ser não. A política morreu e foi substituída pela gestão dos momentos. E assim, entre uns que vão envelhecendo como professores universitários e outros que vão emigrando como investigadores jovens, vai o país viajando de regresso ao passado. No final - pois é a única semelhança com política que vejo - talvez nos digam até que o melhor é fechar a FCT e privatizar as universidades. É uma medida típica de pequena gestão onde o que importa - o que apenas importa - é reduzir despesas no imediato e ficar bem no relatório e contas anuais...certo e sabido é que, neste caminho, mais tarde, o prejuízo para nós será maior que a poupança para eles.

Fernando Sousa disse...

Nao era o seu amigalhaco Crato, o que urrava contra o "eduques", que ia por a educacao portuguesa toda nos eixos?
De que se queixa? Nao lhe foi servido exactamente o que pediu?
Sabe a cinzas? Bom apetite!
Nao se esqueca de pedir factura para se habilitar a um magnifico automovel.

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...