"Não esperes de mim um estilo ataviado e polido. Empregá-lo-ia se quisesse mas a verdade escapa-se quando estamos a escolher muito as palavras e usamos de rodeios: isso é nem mais nem menos que enganar. Se é isso que desejas, recorre a Cícero, pois é esse o seu ofício. O que eu disser será bastante belo, se bastante verdadeiro. As belas frases convêm aos retóricos, aos poetas, aos áulicos, aos namorados, às cortesãs, aos proxenetas, aos aduladores, aos parasitas e semelhantes, para os quais o falar bem é um fim. Para a ciência basta, e é necessária mesmo, a propriedade, o que não pode conjugar-se com aquilo. Não exijas também de mim muitas citações, ou uma reverência para com os autores que é mais própria de um ânimo servil e inculto do que de um espírito livre e que busca a verdade. A autoridade manda crer; a razão demonstra; aquela é própria da fé; esta, da ciência. Dos outros, aquilo que me parecer verdadeiro, confirmá-lo-ei com a razão; o que me parecer falso, infirmá-lo-ei. Oxalá que tudo aquilo que eu atentamente elaboro, depois de elaborado tu o recebas com o mesmo espírito e precaução, e o julgues com são critério: e que tudo aquilo que parecer falso, tu o destruas com razões sólidas (coisa que, sendo, como é, própria de um filósofo, me é extremamente grata), e não, como fazem os invejosos e alguns ignorantes, com injúrias ineptas e que nada invalidam (coisa que, sendo, como é, própria de mulheres, é indigna de um filósofo, e para mim absolutamente desagradável); aquilo, porém, que parecer justo, oxalá que tu o aproves e confirmes".
terça-feira, 22 de outubro de 2013
QUE NADA SE SABE
Ontem numa aula de mestrado em Saúde Pública da Faculdade de Medicina de Coimbra tive ocasião de lembrar o prefácio do médico e filósofo português Francisco Sanches, professor de Medicina na Universidade de Toulouse contemporâneo de Galileu, na sua obra "Que nada se sabe" ("Quod nihil scitur"):
Francisco Sanches, Que Nada se Sabe, Lisboa, Vega, p. 60
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1 comentário:
e não, como fazem os invejosos e alguns ignorantes, com injúrias ineptas e que nada invalidam (coisa que, sendo, como é, própria de mulheres, é indigna de um filósofo, e para mim absolutamente desagradável);
Com o devido respeito por Francisco Sanches e pela obra, as "injurias ineptas e que nada invalidam" são próprias de mentes tacanhas, sem diferença de género. Ou está o mundo repleto de mulheres que não sabíamos.
Mas pronto, o senhor viveu nos séculos XVI/XVII. Mas podia não ser preconceituoso. E observar que não era dada a mesma oportunidade à mente feminina e masculina. Nem aos dois géneros em geral.
Ora bolas para o senhor doutor sábio.
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