Se estamos seriamente interessados na qualidade do ensino, temos de perguntar o que realmente tem efeitos causais na qualidade do ensino ministrado pelos professores. Não vale a pena andar com malabarismos futuristas pensando que daqui a vinte anos os piores professores terão sido afastados e substituídos por professores de excelência, por via de um qualquer sistema de avaliação. Ninguém será despedido ou afastado do ensino por incompetência ou por haver melhores professores do que eles fora do sistema. Isso não acontecerá nesta avaliação nem vai acontecer em qualquer outra. Mesmo um professor com graves deficiências de língua portuguesa, ou de cálculo, ou de conhecimento histórico, acabará por atingir a idade da reforma no sistema. É puro delírio pensar que algum professor alguma vez será afastado por incompetência ou, ainda mais delirante, por ser menos competente do que outros. Isso jamais acontecerá. É por isso que toda esta conversa da avaliação dos professores é uma mentira política.
Tentando olhar para as coisas com realismo, vejo seis factores que me parece terem realmente impacto na qualidade do ensino. Outros haverá, mas estes parecem-me centrais:
1) O domínio das matérias por parte do professor. Como formador de professores de filosofia, com centenas de horas de formação no meu currículo, a minha experiência é esta: são poucos os professores que procurei formar que estão em condições dar boas aulas de filosofia, a menos que recebam ajuda constante e formação contínua de qualidade. Não conhecem as bibliografias, saíram das universidades em estado virginal, não têm hábitos de estudo, e têm fortes limitações cognitivas por pura falta de treino. É preciso apoiá-los, porque ninguém os vai despedir; temos de contar com eles, e muitos deles, apesar de todas as deficiências, têm realmente vontade de fazer melhor, se alguém lhes disser claramente como se faz isso e se forem apoiados nesse esforço.
2) O rigor dos programas. Estes são muito importantes, se forem bem feitos, pois ajudam os professores a fazer melhor o seu trabalho. Mas, pensando no caso da Filosofia, o programa actual tem muitas deficiências, para dizer as coisas com candura: não tem indicações de conteúdos científicos reconhecíveis como tal (limita-se a dizer “ensinem algo”), mas tem imensas prescrições pedagógicas. Devia fazer precisamente o oposto: deixar as estratégias pedagógicas ao professor — até porque estas têm de se ajustar aos contextos de aula — e tornar os conteúdos claros, precisos, rigorosos, e indicar fontes bibliográficas lúcidas. E este é um sinal das indicações emanadas da ideologia do “eduquês” que prolifera no Ministério da Educação, e que vê as coisas um pouco como os positivistas lógicos: pensam que há um Método Pedagógico que, se for aplicado, resolve todos os problemas do ensino, se aplica a todos os contextos e é independente do conteúdo das disciplinas. Infelizmente, não há tal Método Pedagógico, e a atenção devia estar nos conteúdos científicos e não nesse fantasiado Método Pedagógico.
3) A qualidade dos manuais escolares. Manuais com muitos erros científicos, conversas moles sobre cidadanias, incoerências página sim página não, indecisão sobre o que se quer ensinar ao aluno, linguagens desnecessariamente vagas e complexas, falta de precisão — isto só impede o ensino de qualidade. Mas não há maneira de ter melhores manuais excepto estimulando a produção de melhores manuais, porque se fizermos um sistema de avaliação de manuais quem os vai avaliar terá deficiências científicas e didácticas tão graves quanto as pessoas que os escrevem. Não podemos entrar no delírio de pensar que há massa crítica por aí ao pontapé para fazer um bom trabalho de avaliação — se houvesse, não haveria manuais com falta de qualidade, pois essas pessoas escreveriam os manuais, nem haveria programas risíveis, pois uma vez mais essas pessoas fariam os programas. Temos de assumir de uma vez por todas as nossas deficiências formativas de base e trabalhar a partir de uma vontade humilde de fazer melhor, estudando, discutindo ideias e métodos e conteúdos, procurando bibliografias e comparando-as, para encontrar as melhores.
4) A existência de boa bibliografia de apoio escolar, que ajude professores e estudantes, apresentando as matérias relevantes de maneira rigorosa e despretensiosa, numa linguagem clara, e que ajude o leitor não apenas a compreender os conteúdos da disciplina em causa (em vez de os decorar), mas também a) o gosto de estudar, b) e as competências centrais da disciplina em causa (no caso da filosofia: argumentar e teorizar, analisar teorias e argumentos alheios, traçar distinções conceptuais relevantes, formular problemas filosóficos e distingui-los dos que não são filosóficos, etc.).
Estes são quatro factores internos, digamos, causalmente relevantes para a qualidade do ensino. Outros dois factores, externos, digamos, são os seguintes:
5) A eliminação da identificação das matérias “nobres” (como a História ou a Matemática, a Filosofia ou a Física) com a superioridade social (ou até racial). O objectivo do ensino público é dar a todos — pobres e ricos, amarelos e azuis, rapazes e raparigas — a oportunidade de descobrir estas coisas. Não há mal algum em não gostar delas e preferir o surf, a telenovela ou jogos de computador. O mal é aluno não ter tido a oportunidade de conhecer essas matérias à melhor luz possível, para ver se isso lhe interessa ou não. Quando o ensino público não faz isso, só os filhos das famílias privilegiadas se interessam por essas coisas — os outros, ficam cativos do Big Brother e do resto, sem que tenham escolhido realmente essa via. Os actuais responsáveis educativos aprofundaram como nunca a ideia absurda de que aos filhos dos pobres não vale a pena tentar ensinar física quântica, pois estes só podem interessar-se por jogos de computadores e surf. Claro que os filhos deles mesmos se interessam precisamente por essas matérias "nobres".
6) Programas de valorização do estudo, que façam as famílias mais carenciadas apoiar o estudo dos seus filhos e passar a ver o estudo como algo importante, e não como uma maneira de “depositar os filhos” para ir trabalhar. Para fazer isto é crucial o factor 5: enquanto continuarem a aparecer uns senhores de gravata na televisão com uma linguagem ininteligível para um taxista a dizer que ler livros é muito importante, a mensagem que está realmente a ser transmitida é a oposta: o taxista confirma que aquilo não é para o filho dele, até porque nunca se fala de dinheiro nem de saídas profissionais nessas conversas moles sobre a importância superlativa da “cóltura”. A história, biologia, filosofia ou matemática ou química ou música erudita devem ser encaradas como coisas com a mesmíssima dignidade social (ou racial) do que a tarefa de recolher lixo, fazer pão e conduzir comboios. O que conta é que as pessoas possam escolher, depois de conhecer, aquilo em que revelam mais talento e que se sentem melhor a fazer, pois é essa a melhor contribuição que podem dar aos outros: serem competentes na sua área, seja qual for, e fazer o que fazem por gosto. Isto no nosso país é uma meta longínqua porque há uma história social triste em que as pessoas se tornam médicos ou advogados ou professores ou seja o que for não por gostarem realmente do que fazem, mas porque era a única maneira de ter um certo estatuto social, apropriado ao estatuto social da sua família. O resultado é uma imensa distorção na nossa sociedade: a energia cognitiva e afectiva das pessoas não está na profissão que desempenham a contragosto, mas noutra coisa qualquer, na qual são então também igualmente incompetentes precisamente porque têm apesar de tudo de dar alguma atenção cognitiva à sua profissão real.
Caso se estivesse a pensar seriamente na qualidade do ensino, teríamos de estar a discutir estes e outros tópicos igualmente relevantes. A conversa sobre a avaliação dos professores nada tem a ver com isto. É pura mentira política: uma maneira de poupar dinheiro, nada mais.
Tentando olhar para as coisas com realismo, vejo seis factores que me parece terem realmente impacto na qualidade do ensino. Outros haverá, mas estes parecem-me centrais:
1) O domínio das matérias por parte do professor. Como formador de professores de filosofia, com centenas de horas de formação no meu currículo, a minha experiência é esta: são poucos os professores que procurei formar que estão em condições dar boas aulas de filosofia, a menos que recebam ajuda constante e formação contínua de qualidade. Não conhecem as bibliografias, saíram das universidades em estado virginal, não têm hábitos de estudo, e têm fortes limitações cognitivas por pura falta de treino. É preciso apoiá-los, porque ninguém os vai despedir; temos de contar com eles, e muitos deles, apesar de todas as deficiências, têm realmente vontade de fazer melhor, se alguém lhes disser claramente como se faz isso e se forem apoiados nesse esforço.
2) O rigor dos programas. Estes são muito importantes, se forem bem feitos, pois ajudam os professores a fazer melhor o seu trabalho. Mas, pensando no caso da Filosofia, o programa actual tem muitas deficiências, para dizer as coisas com candura: não tem indicações de conteúdos científicos reconhecíveis como tal (limita-se a dizer “ensinem algo”), mas tem imensas prescrições pedagógicas. Devia fazer precisamente o oposto: deixar as estratégias pedagógicas ao professor — até porque estas têm de se ajustar aos contextos de aula — e tornar os conteúdos claros, precisos, rigorosos, e indicar fontes bibliográficas lúcidas. E este é um sinal das indicações emanadas da ideologia do “eduquês” que prolifera no Ministério da Educação, e que vê as coisas um pouco como os positivistas lógicos: pensam que há um Método Pedagógico que, se for aplicado, resolve todos os problemas do ensino, se aplica a todos os contextos e é independente do conteúdo das disciplinas. Infelizmente, não há tal Método Pedagógico, e a atenção devia estar nos conteúdos científicos e não nesse fantasiado Método Pedagógico.
3) A qualidade dos manuais escolares. Manuais com muitos erros científicos, conversas moles sobre cidadanias, incoerências página sim página não, indecisão sobre o que se quer ensinar ao aluno, linguagens desnecessariamente vagas e complexas, falta de precisão — isto só impede o ensino de qualidade. Mas não há maneira de ter melhores manuais excepto estimulando a produção de melhores manuais, porque se fizermos um sistema de avaliação de manuais quem os vai avaliar terá deficiências científicas e didácticas tão graves quanto as pessoas que os escrevem. Não podemos entrar no delírio de pensar que há massa crítica por aí ao pontapé para fazer um bom trabalho de avaliação — se houvesse, não haveria manuais com falta de qualidade, pois essas pessoas escreveriam os manuais, nem haveria programas risíveis, pois uma vez mais essas pessoas fariam os programas. Temos de assumir de uma vez por todas as nossas deficiências formativas de base e trabalhar a partir de uma vontade humilde de fazer melhor, estudando, discutindo ideias e métodos e conteúdos, procurando bibliografias e comparando-as, para encontrar as melhores.
4) A existência de boa bibliografia de apoio escolar, que ajude professores e estudantes, apresentando as matérias relevantes de maneira rigorosa e despretensiosa, numa linguagem clara, e que ajude o leitor não apenas a compreender os conteúdos da disciplina em causa (em vez de os decorar), mas também a) o gosto de estudar, b) e as competências centrais da disciplina em causa (no caso da filosofia: argumentar e teorizar, analisar teorias e argumentos alheios, traçar distinções conceptuais relevantes, formular problemas filosóficos e distingui-los dos que não são filosóficos, etc.).
Estes são quatro factores internos, digamos, causalmente relevantes para a qualidade do ensino. Outros dois factores, externos, digamos, são os seguintes:
5) A eliminação da identificação das matérias “nobres” (como a História ou a Matemática, a Filosofia ou a Física) com a superioridade social (ou até racial). O objectivo do ensino público é dar a todos — pobres e ricos, amarelos e azuis, rapazes e raparigas — a oportunidade de descobrir estas coisas. Não há mal algum em não gostar delas e preferir o surf, a telenovela ou jogos de computador. O mal é aluno não ter tido a oportunidade de conhecer essas matérias à melhor luz possível, para ver se isso lhe interessa ou não. Quando o ensino público não faz isso, só os filhos das famílias privilegiadas se interessam por essas coisas — os outros, ficam cativos do Big Brother e do resto, sem que tenham escolhido realmente essa via. Os actuais responsáveis educativos aprofundaram como nunca a ideia absurda de que aos filhos dos pobres não vale a pena tentar ensinar física quântica, pois estes só podem interessar-se por jogos de computadores e surf. Claro que os filhos deles mesmos se interessam precisamente por essas matérias "nobres".
6) Programas de valorização do estudo, que façam as famílias mais carenciadas apoiar o estudo dos seus filhos e passar a ver o estudo como algo importante, e não como uma maneira de “depositar os filhos” para ir trabalhar. Para fazer isto é crucial o factor 5: enquanto continuarem a aparecer uns senhores de gravata na televisão com uma linguagem ininteligível para um taxista a dizer que ler livros é muito importante, a mensagem que está realmente a ser transmitida é a oposta: o taxista confirma que aquilo não é para o filho dele, até porque nunca se fala de dinheiro nem de saídas profissionais nessas conversas moles sobre a importância superlativa da “cóltura”. A história, biologia, filosofia ou matemática ou química ou música erudita devem ser encaradas como coisas com a mesmíssima dignidade social (ou racial) do que a tarefa de recolher lixo, fazer pão e conduzir comboios. O que conta é que as pessoas possam escolher, depois de conhecer, aquilo em que revelam mais talento e que se sentem melhor a fazer, pois é essa a melhor contribuição que podem dar aos outros: serem competentes na sua área, seja qual for, e fazer o que fazem por gosto. Isto no nosso país é uma meta longínqua porque há uma história social triste em que as pessoas se tornam médicos ou advogados ou professores ou seja o que for não por gostarem realmente do que fazem, mas porque era a única maneira de ter um certo estatuto social, apropriado ao estatuto social da sua família. O resultado é uma imensa distorção na nossa sociedade: a energia cognitiva e afectiva das pessoas não está na profissão que desempenham a contragosto, mas noutra coisa qualquer, na qual são então também igualmente incompetentes precisamente porque têm apesar de tudo de dar alguma atenção cognitiva à sua profissão real.
Caso se estivesse a pensar seriamente na qualidade do ensino, teríamos de estar a discutir estes e outros tópicos igualmente relevantes. A conversa sobre a avaliação dos professores nada tem a ver com isto. É pura mentira política: uma maneira de poupar dinheiro, nada mais.
20 comentários:
"É puro delírio pensar que algum professor alguma vez será afastado por incompetência ou, ainda mais delirante, por ser menos competente do que outros."
Mas por que é que considera que é menos delírio considerar que (1) se consegue que os professores passem a dominar melhor as matérias, (2) que os programas passam a ser rigorosos, (3) que os manuais escolares passam a ter mais qualidade, (4) que passa a haver mais e melhor bibliografia de apoio escolar, (5) que se conseguem impor programas exigentes às disciplinas básicas a todos os alunos e (6) que os programas de valorização de estudo passam a ter efeitos reais, quando até agora nunca os tiveram?
Enfim, não consigo perceber porque é que os mecanismos que a sociedade tem para resistir a uma avaliação consequente dos professores não se aplicam exactamente na mesma ao que o Desidério gostaria que mudasse. Resumindo, por que é que o meu delírio é maior do que o seu?
Aliás, parece-me que uma boa forma de nada se fazer, e que acaba por ser um dos mecanismos que a sociedade tem para resistir à mudança, é precisamente fazer o que o Desidério está a fazer. Sempre que se quer mudar alguma coisa (mesmo que seja uma pequena parte), logo aparece alguém que quer enquadrar a política em algo mais geral, a querer repensar todo sistema, revolucionando tudo de alto a baixo. Claro que até se pode começar a discutir isso tudo, mas é, parece-me, delírio acreditar que se chega a algum lado. Um delírio bem mais realista é avançar por pequenos passos.
PS Uma ressalva para quem me lê. Não pensem que eu sou a favor deste sistema de avaliação proposto. Apenas escrevo isto porque o nosso caro Desidério disse que NENHUM sistema de avaliação serviria qualquer propósito. Portanto é o sistema actual que está em discussão.
Obviamente que a última frase do meu comentário anterior deveria ter sido "NÃO é o sistema actual que está em discussão."
Luís,
Desculpe entrar na conversa mas não concordo consigo por uma razão especial: 1º porque o Desidério fez um bom manual, dá boas boas formações, elaborou bons documentos de apoio aos programas e traduz bem e boas introduções à filosofia, razão pela qual não podemos acusar de delírio o Desidério. O que ele propõe é realmente o que ele faz. Curiosamente o trabalho dele tem feito mais pela filosofia do que todas as reformas juntas do ME que só tem dado cabo da disciplina. Como ele há mais: Carlos Fiolhais na Física e Nuno Crato na matemática, s+o para citar dois. O problema é que 1) são poucos e 2) tem de levar com muita resistencia de muitos professores, os mesmos que obedecem sem resistência a qualquer reforma de caracácá do ministério (ainda que resmunguem sempre). Temos de ter consciência que parte do problema da educação actual é nós, professores, termos deixado tudo entregue às mãos do todo poderoso ministério da educação. Claro que o Luís tem parcilamente razão já que é puro delírio esperar que o ME, qualquer um que seja, vá fazer tudo aquilo que o Desidério propõe no seu texto. Mas o Desidério fá-lo. E por que razão nós, professores, não o começamos a fazer, mesmo com todas as dificuldades que temos pela frente? A educação não é a nossa arte, a nossa profissão? Então estamos à espera de quê?
Luis, julgo que o que o Desiderio esta' a dizer e' que o principal problema do ensino e' a falta de competencia dos professores e, em seguida, a falta de coerencia e qualidade dos manuais e dos programas escolares. Se isto for verdade, o que me parece bastante plausivel, a accao mais urgente e' melhorar a preparacao dos professores. Isto so' se consegue promovendo a sua formacao continua o que pressupoe o seu (deles) assentimento, colaboracao activa e entreajuda.
Aplicar um modelo de avaliacao nao resolve por si nenhum destes problemas e, pelo contrario, ate' arrisca a piora'-los porque vai colocar os professores em condicoes de competicao individual e quebrar a necessaria boa vontade para um trabalho que e' colectivo (embora o esforco seja individual) e que necessita de uma enorme entreajuda.
Em resumo, se colocares varios atletas da maratona em treino e em competicao vais ter um espectaculo desportivo empolgante. Se colocares a malta que nao tem uma ideia clara do que e' praticar um desporto, nem tem o corpo preparado para tal, so' vais ter e' gente com lesoes a caminho do hospital a jurar a pes juntos que correr nunca mais. Nao vais conseguir completar nenhuma maratona.
Miguel, repare que eu não questiono o que o Miguel está a escrever. A minha questão é mais singela.
O Desidério afirma que é um delírio pretender instaurar um sistema de avaliações consequente. Torno a citar: "É puro delírio pensar que algum professor alguma vez será afastado por incompetência ou, ainda mais delirante, por ser menos competente do que outros."
Em alternativa propõe uma abordagem mais geral e que ataque vários problemas simultaneamente. A minha pergunta é bem simples: Acreditar que isto que o Desidério propõe é exequível não é um delírio bem maior do que acreditar que um sistema de avaliações consequente é exequível?
Caro Miguel: Obrigado, é isso mesmo!
Caro Luís
Obrigado pelos seus comentários, este e os outros. Vejamos: o que eu proponho é exactamente o oposto do que parece ter entendido. Não proponho políticas gerais, coisas oficiais grandiosas, mas apenas o trabalho diário modesto, mas honestamente feito. Avaliar professores é irrelevante porque nenhum professor incompetente será despedido e porque os professores titulares não terão mais influência nas escolas para melhorar o ensino, mesmo admitindo a fantasia de que estes serão mais competentes do que os outros. A única coisa que acontece é que ganham mais do que os outros, nada mais.
As escolas e os professores não têm autonomia, precisamente porque sempre que se pensa em melhorar as coisas se pensa em medidas imensas, grandiosas, a nível nacional, com legislação, e normas, e processos, e circulares. Tudo isso é vão. E tudo isso serve para tapar o Sol com a peneira: o ensino é mau porque os profissionais do ensino não trabalham como deveriam. Os filósofos não fazem bons livros de filosofia, os matemáticos de matemática, os biólogos de biologia. Esta é a verdade desagradável. Cada qual está apenas a pensar na sua carreirazinha, no seu fim-de-semana, no seu carro novo e no furúnculo do pé esquerdo. E quase ninguém pensa no bem geral, nos seus deveres como profissional, na qualidade do seu trabalho como educador. Quando se escrevem livros ou manuais é para ganhar dinheiro, ou prestígio, e não para melhorar as coisas, dando melhores instrumentos a alunos e professores.
Os responsáveis educativos vivem precisamente na ilusão positivista de que se pode melhorar o ensino por via legislativa, quando tudo o que tinham de fazer era dar liberdade a professores e escolas, e ao mesmo tempo criar mecanismos SIMPLES de estímulo à excelência. Não é desejável fazer sistemas rígidos de avaliação porque todos irão falhar quando a generalidade do corpo docente não conhece as bibliografias, não reúne as competências e sobretudo não tem qualquer apetência pela vida intelectual e educativa. E isso não se inculca de modo algum com legislação; tudo o que podemos fazer é apontar o caminho, estimular nessa direcção, e deixar que naturalmente os melhores professores — e há muitos muitíssimo bons — tomem cada vez mais iniciativas próprias, por si mesmos, tomando nas mãos as rédeas do ensino.
Hoje em dia o que vê você? Exactamente o oposto disto tudo. Os documentos que emanam dos responsáveis educativos são tolices pejadas de legalês mentecapto, que fazem as alegrias dos legalistas que desprezam a vida intelectual e educativa, o estudo, os livros, a excelência do ensino. Os programas (os que conheço, de filosofia) são uma choldra, os manuais escolares (os que conheço, de filosofia) uma vergonha científica e didáctica (e não tenho razões para pensar que os programas e manuais de matemática ou biologia são melhores). Os responsáveis educativos, em vez de assumirem o seu papel de guias generosos e cooperantes, assumem o seu papel de ditadores ingénuos, que pensam ter a verdade educativa no bolso das calças, impondo a todos os seus métodos educativos alegadamente científicos.
O que precisamos é de pensar no que realmente faz a diferença causal no sistema de ensino. Claro, faria uma imensa diferença se você pudesse despedir os professores incompetentes e pôr no lugar deles os competentes. Mas isto nunca vai acontecer porque 1) está a pressupor que é possível legalmente despedir um professor de filosofia que na verdade não sabe filosofia, apesar de ter uma graduação e talvez até um mestrado em filosofia, 2) está a pressupor que há uma imensa massa de professores altamente competentes cheios de vontade de tomar o lugar dos outros, o que é falso: a incompetência profissional é transversal na nossa sociedade, e tanto a encontra nos graduados que são professores como nos outros, que não o são. Assim, o que é preciso pensar é: o que podemos fazer que seja causalmente relevante, COM OS PROFESSORES QUE TEMOS? E parece-me que os factores que apresentei são pelo menos passos seguros na direcção certa.
Temos de ter a humildade para estudar e aprender com os nossos colegas que sabem mais e a generosidade para ensinar e ajudar os colegas que sabem menos. Pôr os professores a avaliar-se entre si não ajuda a fazer isto.
Esqueceu-se de um factor: a dimensão das turmas e a distribuição do tempo pelo currículo.
Como é que um professor de Língua Portuguesa no ensino básico pode prestar atenção a 3 ou 4 alunos com atrasos manifestos de aprendizagem quando integrados numa turma de 25 alunos?
Veja-se uma situação que nem é insólita: uma turma de 8.º ano em que dois alunos não dominam convenientemente a técnica de leitura (soletram, trocam sílabas, etc.), enquanto a generalidade da turma já faz leitura expressiva à primeira vista. O que faz o professor nas suas 4 horas semanais? Treina a leitura com esses dois, enquanto os restantes 23 morrem de tédio a ouvir as leituras intragáveis dos colegas?
O que acontecerá na mesma turma ao professor de matemática que tenta explicar equações enquanto 4 alunos não dominam sequer as operações básicas?
E o professor de Inglês nível 4, que tem de ensinar alunos já com alguma fluência ao mesmo tempo que outros não compreendem "What is your name"?
E que fazer com uma turma inteira de 28 alunos nas 2 horas semanais de "Estudo Acompanhado" ou nas 2 horas de "Área de Projecto", quando uns têm ideias claras sobre as matérias e a organização do estudo e outros nem sequer sabem usar um dicionário?
Não são possíveis milagres nestas condições, mesmo com excelentes professores, manuais impecáveis e programas imaculados.
Tem de haver turmas reduzidas, tem de haver recursos para recuperar atrasos de aprendizagem, tem de haver uma melhor gestão das horas atribuídas a disciplinas irrelevantes, sem programa e sem peso na avaliação. Andamos a perder imenso tempo a "fazer colheres", como diz o povo.
Caro João Filipe
Tem toda a razão no que diz. Não abordei este aspecto mais prático, e é um aspecto crucial. Mas repare no seguinte: este aspecto deveria pertencer EXCLUSIVAMENTE à escola. A escola deveria ter a autonomia para fazer turmas diferenciadas, turmas de recuperação, explicações gratuitas (como um comentador referiu). Nada disto pode acontecer enquanto se desejar que as escolas sigam todas o mesmo padrão educativo pretensamente científico emanado do Ministério da Educação.
Mas é claro para mim uma coisa: as escolas não têm autonomia porque nunca a reivindicaram. Os professores nunca meteram o Ministério na linha, precisamnete por sempre terem vivido numa mentalidade salazarista, com medo do Ministério.
Vou contar-lhe uma coisa: uma vez estive numa reunião com vários responsáveis educativos do ministério, não vou referir nomes. Mas uma dessas pessoas cai-me em cima com um discurso pateta sobre um documento que eu ajudei a produzir. E eu fiquei espantado: como é que uma besta que nada sabe de filosofia poderia sentir que tinha autoridade para decidir fosse o que fosse, só por ser funcionário do Ministério? Resposta: porque estava habituado a isso. Nunca um professor lhe disse na cara "Não lhe reconheço qualificações científicas para se pronunciar sobre o meu trabalho em Filosofia; só reconheço essas qualificações aos meus colegas professores de Filosofia." O problema é este: a mentalidade portuguesa dá autoridade automática a qualquer tolo que seja funcionário de um Ministério qualquer. E isto é o mundo de pés para o ar: esses funcionários existem para, DEPOIS de ouvir os especilistas das diversas áreas, tomarem decisões sensatas para o bem geral. Não deviam arrogar-se o direito de fingir saber das áreas sobre as quais legislam.
Caro Desidério,
Permita-me discordar.
Enquanto não se perceber que:
- os alunos vão para a "escola" pública com o único propósito de se divertirem com os amigos;
- os pais colocam os filhos na "escola" pública com o único propósito de serem bem guardados e no final obterem um "certificado" escrito onde se diga que sabem de qualquer coisa, mesmo não sabendo nada de coisa nenhuma.
Não se percebe aquilo que é hoje a "escola" pública!
Pode-se discutir o que se quiser, pode-se discutir tudo e mais alguma coisa, enquanto não se perceber isto, não se percebe nada e não se resolve nada.
Diga-me caro Desidério se acredita mesmo, mas mesmo, que os melhores professores estão para aturar uma "escola" assim....
Acredita mesmo que os melhores professores que tanto apregoa ainda ensinam na "escola" pública?
Eu tenho para mim que os melhores, todos aqueles que nos faziam vibrar com os conteúdos há muito deixaram a "escola" do entretenimento e guarda! Alguns podem ainda por lá andar, podem até entrar nas salas de "aula" e até podem abrir a boca de vez em quando, mas há muito que deixaram a "escola" e há muito que deixaram de ser professores!
Fartinho,
só um apontamento que pode ajudar: a sua visão da escola é algo dramática e exagerada. É verdade que a escola está transformada num lugar onde a pedagogia é mais relevante que o saber, mas daí não se segue que a escola não seja mais do um lugar de divertimento. isso é falso, como é falso que os melhores professores fujam para o privado, ainda que nos grandes centros essa tendência pudesse ter aumentado qualquer coisa. Eu fiz o contrário: estive no privado e fugi para o público como muitos colegas.
Caro Rolando Almeida,
Essa é a sua opinião com a qual não concordo, mas respeito.
Eu vivo na grande Lisboa e tenho trabalhado na grande Lisboa e aquilo que disse acima é o que se tem passado por cá, se no resto do país a situação é diversa não sei, no entanto aceito que nos centros mais pequenos os "professores" não tenham qualquer alternativa de emprego e que os pais não tenham também qualquer alternativa à "escola" das brincadeiras e das experiências "pedagógicas". Também acredito que os problemas nesses locais sejam substancialmente diferentes, mas por cá é assim mesmo.
Deixe-me apenas acrescentar que eu não disse que há uma fuga de "professores" para o privado. Disse que há uma fuga dos "professores", ponto final. Os "professores" têm fugido para as escolas privadas, para as empresas privadas, para outros sectores do Estado e até para a reforma! Sendo que os restantes continuam a ir à "escola" pública, continuam a entrar nas salas de "aula", continuam a falar cada vez mais para as paredes e cada vez menos para os "alunos", mas já deixaram há muito de ser professores.
Esta é a realidade por cá!
Enquanto não se resolver o problema da crescente e inacreditável indisciplina, continuaremos todos a discutir o sexo dos anjos, pelo menos por cá!
Consultando as listas de colocações de professores(concurso nacional que nem devia existir) vêem-se lá muitos candidatos provenientes do privado.
Mas isto é absolutamente lateral para a discussão.
Fartinho,
A sua caracterização é que me soou algo exagerada. Coloca a realidade num falso dilema: ou a escola é um lugar onde só se aprende, ou então é um lugar onde os alunos só lá vão para se divertirem. O que acontece na escola actual (e neste sentido as escolas não são diferentes por serem de Lisboa ou de Lamego)é que existe uma combinação dos dois. O seu comentário deixa a ideia de que na escola mais não se faz do que diversão e borga.Mas isto não é a minha opnião, é a realidade que não é diferente de Lisboa para o Cartaxo. Xiça! Isso dá uma ideia errada da escola. Como é exagerada a ideia de que os professores fogem do público para o privado ou, sequer, que há uma fuga. Creio que esse argumento é pouquíssimo plausível.
Caro Desidério,
a autonomia da escola é, de facto, uma miragem. Mas não concordo que seja por culpa das escolas. Não imagina as pressões, manobras e estratagemas que as escolas tentam para obter uma coisa tão simples como serviços de psicologia. No caso da minha escola já se chegou ao caricato de propor a uma família sem os mínimos recursos que fizesse 200 km para frequentar uma consulta de psicologia absolutamente essencial.
E sabe que mais? A correspondência que se envia às direcções regionais por vezes "extravia-se" e nunca obtém resposta.
E sabe qual o tempo médio de espera para uma chamada telefónica ser atendida em algumas direcções regionais? Segundo a minha experiência é à volta de 30 minutos só para conseguir falar com a telefonista e depois mais uns 15 minutos para conseguir ligar ao serviço. Acredite, os professores gritam para as paredes. Aliás, os últimos tempos mostraram isso mesmo a todo o público.
Caro Rolando,
se numa escola se mistura brincadeira e trabalho terá como resultado muita brincadeira e pouco trabalho. É a vida!
Se acha que as escolas de Lamego e da Amadora são iguais, que posso eu dizer?
Quanto à minha fértil imaginação em relação à fuga de professores, verá no próximo concurso...!
Fartinho,
A falar é que a gente se entende. No sentido apontado as escolas de Lamego ou Amadora não são diferentes. O que faz com que estudantes brinquem nas aulas e não estudem? Os programas vazios de conteúdos, de saber, conhecimento, que são coisas que dão trabalho e cheios de pedagogia. E os programas de Lamego são iguais aos da Amadora.
Em relação à fuga de professores, não sabia que se está a referir ao futuro. Não sei realmente o que acontecerá.
Caro Rolando,
A diferença principal entre as escolas de um local e de outro é a indisciplina dos "alunos". Por cá os "alunos" até se agridem dentro da sala de "aula" quando o "professor" vira as suas costas para escrever qualquer coisa no quadro; e não se pense que estes acontecimentos são incidentes esporádicos, são factos diários. O problema é que ninguém os denuncia porque o "professor" foi treinado para acreditar que tudo o que se passa na sala de "aula" é da sua responsabilidade, desta forma sente um certo constrangimento em denunciar o que se passa na realidade. Por outro lado, os "professores" que se atrevem a fazer aquilo que devem, passado muito pouco tempo percebem que o que ganham é muito inferior ao que perdem, ou seja depois de denunciarem o acontecimento têm o "Conselho Executivo", os "pais", os "alunos" e até quase todos os "colegas" à perna e ainda por cima tem que escrever dezenas de páginas e um número assustador de relatórios sobre o ocorrido, sobre a sua responsabilidade no ocorrido, sobre a responsabilidade dos "alunos" e até, imagine-se, apresentar soluções para o problema....
Esta é a "escola" real, o resto é conversa para entreter meninos.
O DA deve ter algum problema com a iniciativa privada :)
Diga-me uma coisa, onde acha que os filhos do PM e da grande maioria das elites estão matriculados? Na "escola" pública?
Apesar de concordar com a generalidade do que aqui se afirma, eu não concordo com a não consideração do factor social, precisamente porque não concordo com que o processo educativo seja perspectivado de forma isolada e despolitizada (no sentido mais puro da palavra original). Não há qualidade de ensino quando o aluno dorme na sala por ter acordado às seis para atravessar a serra para ir à escola; não há qualidade de ensino quando o aluno não ouve o que o professor lhe diz porque o estômago lhe grita por pão ou o frio lhe chega aos ossos, não há qualidade de ensino quando o aluno gasta o tempo de estudo a ajudar os pais ou quando o aluno desperdiça as férias num trabalho sem contrato; nem quando o professor faz quilómetros e quilómetros para chegar à escola passando quase tanto tempo na estrada como a ensinar ou quando tem de acumular horários em escolas diferentes com horários diferentes, critérios diferentes, projectos educativos diferentes, numa esquizofrenia comum - infelizmente - a muitos colegas; não há qualidade de ensino quando os livros são demasiado caros para o orçamento das famílias ou quando o aluno não tem o acompanhamento dos pais que, divididos entre dois empregos, saem e entram em casa quando os filhos já estão a dormir. Não há qualidade de ensino quando muitos vivem assim e uns poucos vivem como deve de ser!
Sónia Duarte
"Diga-me uma coisa, onde acha que os filhos do PM e da grande maioria das elites estão matriculados? Na "escola" pública"?"
Numa escola relativamente homogénea do ponto de vista social e do aproveitamento escolar dos alunos, com poucos pobres e delinquentes.
Pode ser pública, quando algumas apresentam estas características, é o caso dos Liceus de Coimbra (Infanta D.Maria e José Falcão) e de mais algumas em Lisboa e no Porto.
Caro, se os Liceus Públicos por cá ainda existissem(tal como acontece nas "Finlândias") não havia mercado para os privados.
Já agora sou contra a escola unificada. Defendo escolas especializadas.
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