segunda-feira, 13 de junho de 2016

O Conselho Nacional de Educação e a Avaliação dos Professores

“Não gosto da democracia, quando os que nos governam não são os mais competentes”.
Sócrates (Diálogos de Platão”)


Acabo de ler, no jornal “Público” de hoje, um editorial, intitulado “Alertas ao ensino na semana de exames”, que faz eco de um conselho do Conselho Nacional de Educação. Dele extraio a parte derradeira: “Se os inspectores também pudessem observar as aulas, talvez as avaliações (de professores, alunos e escolas) fossem melhor e mais justas. Resta saber se tais alertas serão escutados ou apenas tidos como decorativos”.

 Por ser de há muito, e em vários textos, defensor de uma avaliação séria dos professores capacitada, com a fragilidade das limitações da condição humana, para distinguir, numa escala gradativa de William Ward, “o professor medíocre que diz, o bom professor que explica, o professor superior que demonstra e o grande professor que inspira”, publiquei aqui no “DRN”(27/02/2008), um post intitulado “A avaliação dos Professores”, que reproduzo integralmente, imediatamente abaixo:

 “Existe um declarado braço-de-ferro no sistema educativo português que o programa da RTP 1 “Prós & Contras” de 25 de Fevereiro de 2008 veio mostrar e até agudizar. Para esta situação muito tem contribuído por um lado a teimosia da ministra da Educação e por outro as sucessivas manifestações sindicais de rua, por vezes à porta das escolas e na presença dos alunos, pautadas por um comportamento cívico pouco próprio. Aliás, a forma de estar de ambos os litigantes numa discussão nada clarificadora sobre a avaliação dos professores está bem caricaturada num alusivo cartoon: “Parece que os professores não estão contentes com as novas medidas da ministra da Educação. E o que dizem os sindicatos? Uns que tem 1,50 m e outros 1,60 m”.

 Neste clima de guerrilha permanente, noticiava “O Primeiro de Janeiro”, no passado dia 20 de Fevereiro, medidas de intimidação por parte da Fenprof: “Mas, se a política não mudar, os professores ameaçam tornar a vida do Governo muito difícil no que resta da legislatura”. É certo que a situação de prepotência inviabiliza qualquer diálogo. Mas não é menos certo que se deve excluir a utopia de o sistema educativo possuir apenas bons profissionais nos quadros docentes ou, mesmo até, como exagerou Mário Nogueira da Fenprof, no referido programa televisivo, ao querer passar a sua mensagem sindical de excelência docente, “de haver professores mais excelentes e professores menos excelentes” . Quando a fartura é muita, o pobre desconfia!

 Debrucemo-nos sobre a realidade dos factos. Até ao recente congelamento das carreiras docentes, o acesso dos professores licenciados ao 10.º escalão era feito num processo avaliativo similar aquele que João Lobo Antunes teve num dos seus livros como uma “calha que permitia deslizar sem atrito”. Ou seja, o acesso dos professores ao escalão de topo dependia dos anos de serviço e da frequência de acções de formação meramente presenciais, por vezes em temáticas nada relacionadas com as disciplinas ministradas. Não considerando os casos de indivíduos que entretanto faleceram ou desistiram da docência, tratava-se, portanto, de um processo de avaliação laxista: a percentagem dos que chegavam ao 10.º escalão devia andar perto dos 100 por cento. Seria vantajoso que o ministério da Educação publicasse o valor exacto dessa percentagem.

 Assim tornar-se-ia possível confrontar esta percentagem de êxito docente com a percentagem de fracasso de alunos, isto é, que não completaram os seus estudos, apesar das recentes medidas governamentais relativas às “Novas Oportunidades” e outras, como, por exemplo, o acesso ao ensino superior de maiores de 23 anos, em que o simples BI substitui o diploma do 12.º ano de escolaridade.

 Tentemos, agora, encontrar paralelos entre o panorama educacional português da actualidade e o descrito neste texto de Arthur Schopennauer (1778-1860):

“O que em sociedade desagrada aos grandes espíritos é a igualdade de direitos e, portanto, de pretensões, em face da desigualdade de capacidades, de realizações (sociais) dos outros. A chamada boa sociedade admite méritos de todo o tipo, menos os intelectuais: estes chegam a ser contrabando. Ela obriga-nos a demonstrar uma paciência sem limites com qualquer insensatez, loucura, absurdo, obtusidade. Por outro lado, os méritos pessoais devem mendigar perdão ou ocultar-se, pois a superioridade intelectual, sem interferência nenhuma da vontade, fere pela sua mera existência. Eis porque a sociedade, chamada boa, não tem só a desvantagem de pôr-nos em contacto com homens que não podemos louvar nem amar, mas também a de não permitir que sejamos nós mesmos, tal qual é conveniente à nossa natureza. Antes nos obriga, por conta do uníssono com os demais, a encolhermo-nos ou mesmo a desfigurarmo-nos” (in “Aforismos para a Sabedoria da Vida”).

 O ambiente de polémica que se vive na avaliação dos professores não pode ser desbloqueado convenientemente por partes desavindas postas a público em intervenções televisivas em que o coração fala mais alto do que a razão, como aconteceu no programa “Prós & Contras”. Exige uma arbitragem das forças litigantes, por exemplo através de uma comissão a funcionar com plena independência do poder político e de interesses corporativos. E mesmo com capacidade para intervir com bases científicas sólidas em tão melindroso e complexo assunto (vide, in “De Rerum Natura”, de 20 de Fevereiro de 2008, o oportuno e lúcido texto de Helena Damião, “A excelência é rara”). Daqui a pergunta: terá sido solução do problema a criação (tardia) do Conselho Científico para a Avaliação dos Professores, ainda por cima constituído por uma única pessoa: a sua presidente? Não, de forma alguma, tratou-se simplesmente de pôr o carro à frente dos bois!

 Como bem refere César Cantú, “a democracia fundada sobre a igualdade absoluta é a mais absoluta tirania”. Sem nos encolhermos ou nos desfigurarmos, há que denunciar uma tirania que iguala desiguais, pondo em causa a própria honorabilidade de uma profissão que vê o seu prestígio atacado pela tutela, afinal a grande responsável pelo descalabro educativo.

 “O tempora! o mores!” No reinado de D. José, o Marquês de Pombal manifestou o seu grande apreço pelos professores ao ordenar que no teatro pudessem ocupar os primeiros lugares da plateia que, por norma, se destinavam à nobreza. A actual ministra da Educação arruma-os nas galerias! “

Passados oito anos deste meu post, a exemplo de Vergílio Ferreira, “tenho esperança; é o que me vem sustentando: a esperança de que amanhã é que é”. Mas será mesmo que o poder político se arroje a distinguir, “comme il faut”, os bons dos maus professores? Aqui chegado, renasce em mim a desesperança.

2 comentários:

Ildefonso Dias disse...

Caríssimo Professor Rui Baptista, acabo de ler nos jornais de hoje que António Costa, esse homem generoso, como lhe chamou o Prof. Galopim de Carvalho, e possuidor de tantas qualidades... e aqui as enumerou nas vantagens do seu voto, li, o pedido de António Costa para que os professores imigrassem. Oh! quão péssimo deve ser o hoje estado de alma, o pesar da consciência de alguns alguns autores do Blog, não para sí, evidentemente, que sempre compreendeu melhor que outros. São papéis.

Rui Baptista disse...

Prezado Eng.º Ildefonso Dias, acabo de publicar um post em resposta a este seu comentário, que agradeço.