sábado, 25 de abril de 2015

Sobre a herança de Gago: Minha entrevista ao Expresso

Para o Expresso de hoje respondi a três perguntas colocadas por Virgílio Azevedo:

1. A herança de Mariano Gago em termos de política científica está a ser abandonada pelo Governo?

Está, sem dúvida, a ser abandonada. Mariano Gago expandiu o sistema científico nacional, pois sabia que a massa crítica de cérebros era indispensável para o nosso desenvolvimento. Crato encolheu a ciência, com o corte no número de bolsas e a execução sumária de metade das unidades de investigação. Gago concretizou um sistema de avaliação rigoroso da ciência, reconhecido por todos. Crato montou uma farsa de avaliação, contestada por quase todos e já alvo de vários processos judiciais. Gago criou um consenso alargado acerca da política de ciência. Crato partidarizou a ciência: basta ver que a sua “avaliação” só foi segura pelos votos do PDS-CDS. Finalmente, Gago achava que para recuperar do atraso era necessária uma base de apoio social da ciência, sendo a promoção da cultura científica uma prioridade. Este governo não sabe o que é a cultura científica, tendo acabado com as áreas de História da Ciência e de Promoção da Ciência, preferindo uma ciência fechada, como a que havia no Estado Novo.

Para se ter uma política científica é necessário conhecer bem o país. Gago conhecia-o. Crato tudo leva a crer que não. Tem apenas ideias preconcebidas e sem fundamento. De facto não há hoje política científica. A não ser que se chame isso à ocupação da máquina do Estado para defender interesses particulares. Gago tinha uma visão de futuro para o país, uma visão baseada na ciência e na cultura científica. Crato, para meu grande desgosto, não tem.

2. Os resultados provisórios do último Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional revelam que a despesa em I&D em percentagem do PIB caiu de 1,46% para 1,36% entre 2011 e 2013. Como é possível a ciência portuguesa evoluir e  aproximar-se dos países mais desenvolvidos da UE se o investimento está a diminuir de ano para ano?

Não é possível. A ciência portuguesa fez um percurso notável nas últimas duas décadas, mas é preciso não esquecer o atraso que tínhamos para recuperar. A aproximação à Europa exigia e exige um investimento continuado. No momento em que era necessário seguir em frente, fizemos inversão de marcha, levando à emigração de cérebros. Mas é pior que desinvestimento. Ao concentrar os meios num número bastante menor de unidades, em geral da Grande Lisboa, está a coarctar-se o desenvolvimento regional e nacional. Com a “poda” de metade das unidades por um processo fraudulento de “avaliação”, a aposta continuada na ciência seria impossível mesmo com mais meios. Um euro investido numa unidade que já tem muitos tem um retorno bem menor que um euro investido numa unidade que poderá não ser tão boa mas tem bastante mais potencial para progredir e ter impacto na sua região e no país. Nunca se deve caiar um elefante que já é branco. Não faz, por exemplo, qualquer sentido pôr o erário público a sustentar grandes fundações privadas. Lá fora é precisamente ao contrário: são as fundações que ajudam o Estado.

 3. O acesso da ciência portuguesa aos fundos estruturais europeus no âmbito do Portugal 2020 só vai ser possível a partir do verão de 2015. O resultado das negociações de Portugal com a UE neste contexto foi satisfatório? A ciência portuguesa pode viver só com o Orçamento de Estado durante metade do ano?    


Boa pergunta. Há aqui uma enorme falta de transparência. Dá a ideia que o governo não soube negociar com Bruxelas. O crescimento da ciência no tempo de Gago foi muito ajudado pela União Europeia, mas parece que Crato desistiu dessa ajuda. Seria relevante conhecer os totais do orçamento para a ciência, em particular para a FCT, antes e agora, assim como saber o que se passa com os fundos europeus. Vai haver fundos estruturais que antes eram destinados à ciência  e agora ficam fora do Ministério da Educação e Ciência? Para quem, para quê e como?  

1 comentário:

Unknown disse...

Há algumas questões que precisam de ser vistas: É benefico ou prejudicial formar doutorados para estarem maioritariamente no estado?
Como se pode compensar os gastos publicos com formação de tantos licenciados que acabam naturalmente por emigrar? reduzindo as propinas apenas para as famílias que não podem pagar?

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