Meu artigo no último As Artes entre as Letras (no foto minha no Verão de 1975 quando participei no Youth Science Fortnight em Londres, estou de óculos atrás):
Em 25 de Abril de 1974, eu era caloiro do curso de Física
da Universidade de Coimbra (UC). Fui para Física por ter lido vários livros de
divulgação científica, alguns deles de Rómulo de Carvalho. Também contribuiu a
visita que fiz, no 7.º ano do Liceu D. João III, ao Laboratório de Física da UC.
Escrevi sobre essa visita no jornal O Estudante, dos alunos daquela
escola, elogiando o ministro da Educação José Veiga Simão, professor de Física da
UC, a quem «cravei» sete contos para o jornal. O facto de ele ter acedido logo revelou-me
que os tempos estavam a mudar. A Revolução chegou-me a meio da manhã: foi-me
cancelada uma aula de Cálculo Infinitesimal, no edifício da Matemática. Voltei
para casa para ouvir a rádio e, à noite, ver a televisão.
O PREC não afectou o meu curso, que só tinha quatro alunos (todos eles se doutoraram). Beneficiei de excelentes professores que, como Veiga Simão, se tinham formado em Inglaterra e me transmitiram a física moderna. Assim, passados cinco anos, terminei o curso, na especialidade de Física Teórica. O meu primeiro congresso foi em 1978, na Fundação Gulbenkian, o 1.º Encontro da Sociedade Portuguesa de Física (SPF), fundada em 1974. Logo que acabei o curso fui convidado para dar aulas como assistente.
Nessa altura
passou pela UC uma delegação alemã que queria reforçar a cooperação académica e
fui aliciado a fazer um doutoramento na Alemanha: fi-lo na Universidade Goethe,
em Frankfurt am Main, entre 1979 e 1982. Nesse tempo, os doutoramentos em
Portugal eram raros e demorados, ao contrário do que sucedia lá fora. No ano em
que defendi a minha tese, só houve 130 novos doutores portugueses, a maior
parte deles no estrangeiro. Para verificar a transformação que o país realizou
na ciência, basta olhar para a PORDATA e ver que, em 2022, foram concluídos 2317
doutoramentos, a maioria em Portugal: nos 40 anos entre 1982 e 2022, o número
de novos doutorados aumentou quase 20 vezes. Destaco o facto de hoje haver mais
doutoramentos de mulheres do que de homens, reflectindo a ascensão social das
mulheres que Abril proporcionou. Se em 1982 os investigadores em Portugal
publicaram 388 artigos científicos, em 2022 publicaram 30.078, quase 80 vezes
mais. Tal crescimento só foi possível graças a um grande salto no financiamento
da ciência. Em 1982 só se investiu 0,3% do PIB, mas em 2022 o valor já foi de
1,7%, quase seis vezes mais (aquém, contudo, da média europeia de 2,2%).
Regressado a Portugal aos 26 anos participei, como
professor da UC e investigador do Centro de Física Teórica, apoiado pelo Instituto
Nacional de Investigação Científica (INIC), antecessora da Fundação para a
Ciência e Tecnologia, em lutas pelo aumento do financiamento para ciência. Estive
de estada sabática na Universidade Tulane, em Nova Orleães, nos Estados Unidos, em
1990, onde trabalhei com John Perdew, com quem escrevi um artigo com um número
record de citações. Tinha conhecido, em 1984, José Mariano Gago numa
Conferência de Física em Évora da SPF. Demo-nos muito bem: partilhávamos os mesmos
ideais. Foi, por isso, com júbilo que o vi encabeçar o primeiro Ministério da
Ciência e Tecnologia, em 1995. Em 1998 contribuí para a criação do Centro de
Física Computacional, na UC, onde promovi a criação do Laboratório de
Computação Avançada, que tem albergado alguns dos maiores supercomputadores
nacionais (o laboratório foi inaugurado pelo ministro em 1999). Dirigi o novo
Centro, hoje integrado no Centro de Física de Coimbra. Mariano Gago, ministro em dois governos de Guterres e dois de Sócrates, foi, sem dúvida, a
figura de mais relevo na ciência em Portugal nos últimos 50 anos.
Interessei-me desde cedo pela difusão da cultura científica: participei nos primeiros projectos do Ciência Viva (num tempo em que essa agência era inovadora: hoje, paralisada na rotina, é uma pálida sombra do que foi). Interessei-me pela produção e experimentação de software educativo, pois havia que aproveitar a enorme transformação digital em curso (o IBM-PC é de 1981 e a World Wide Web é de 1989). Em 2008 criei, com a ajuda de Mariano Gago, o Rómulo - Centro Ciência Viva da UC, um moderno centro de recursos educativos, que entretanto a Ciência Viva, sem qualquer razão, extinguiu. Participei no esforço de difusão da ciência com livros (o meu primeiro livro, Física Divertida, saído na Gradiva, a editora de Guilherme Valente, em 1991, foi um best-seller; escrevi depois mais 70, sem o mesmo êxito), artigos em jornais e revistas (hoje escrevo no Correio da Manhã), sites, podcasts e programas de rádio e TV.
Desde há dez anos dirijo a colecção Ciência Aberta da
Gradiva. Um ano marcante da Física em Portugal foi 2005 - Ano Internacional da
Física, que celebrou o centenário do annus mirabilis de Einstein: nesse
ano recebi a Ordem do Infante D. Henrique. Ajudei na criação do Museu de
Ciência da Universidade de Coimbra, inaugurado em 2006 e premiado
internacionalmente (nos últimos anos tem estado meio inerte).
Fui director da Biblioteca Geral da UC de 2004 a 2011.
Empenhei-me na sua modernização, ajudando a concretizar repositórios digitais. Publiquei
numerosos manuais escolares, de Física e Química, para todos os graus de
ensino, na Texto Editora. Na Fundação Francisco Manuel dos Santos, dirigi o programa de
conhecimento. Ajudei a fundar em 2013 uma startup, a Coimbra Genomics, no Biocant, Cantanhede,
apercebendo-me do caminho que ainda falta percorrer para aliar a ciência à
economia.
Aposentei-me em 2021, para dar o meu lugar aos mais novos
e ter mais tempo para desafios da sociedade. Infelizmente, não vejo que os
jovens estejam a beneficiar das oportunidades semelhantes às que tive. A
ciência, embora tendo crescido muito desde 1974, conheceu períodos de
retrocesso, designadamente após a intervenção da troika. Hoje, a ciência
portuguesa podia e devia estar melhor. O seu desenvolvimento é uma das marcas
de Abril. Continuar esse caminho é cumprir uma das esperanças que se abriram há
50 anos.
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