Minhas declarações ao Público a propósito da morte de Peter Higgs:
Deixou-nos Peter Higgs, físico teórico emérito da Universidade de Edimburgo. O seu nome é famoso porque há uma partícula essencial para a arquitectura do mundo que tem o seu nome, a partícula de Higgs. Ela é a responsável pelas massas das partículas elementares. Depois de intensa busca foi encontrada no acelerador LHC do CERN, em Genebra, na Suíça, a Organização Europeia de Investigação Nuclear a que Portugal pertence desde 1985 (vários físicos portugueses participaram na descoberta). Quando o anúncio foi feito, a 4 de Julho de 2012, Higgs estava lá e não pôde conter algumas lágrimas.
Decorreu quase meio século desde que ele, em 1964, tinha previsto a partícula em dois artigos (um deles rejeitado pela revista a que foi submetido e publicado noutra). Prever partículas não é tão simples como prever eclipses… A partícula permaneceu incógnita porque não existia a energia suficiente para a produzir. Foi preciso acelerar protões quase à velocidade da luz num anel subterrâneo de 30 km de diâmetro para que ela se dignasse aparecer. Foi um alvoroço na Física. Logo no ano seguinte Higgs recebeu o Prémio Nobel da Física juntamente com o belga François Englert (um sobrevivente do Holocausto, ainda vivo), que tinha feito uma previsão semelhante num trabalho independente em colaboração com o seu colega belga de origem norte-americana Robert Brout na Universidade Livre de Bruxelas (Brout não recebeu o Nobel por, entretanto, ter falecido).
Em geral é assim que funciona a Física: os teóricos imaginam e os experimentalistas com os seus instrumentos verificam se a “imaginação” da Natureza está de acordo com a nossa (a Natureza “imagina” melhor do que nós, mas alguns génios têm uma imaginação prodigiosa). Depois da descoberta do Higgs ainda não houve nenhuma outra grande descoberta no CERN. Estamos à espera que a Natureza nos surpreenda, uma vez que a imaginação dos físicos não tem dado resultados. Temos de prosseguir pacientemente. Há uma controvérsia sobre se três outros físicos, os americanos Gerald Guralnik e C. R. Hagen e o o britânico Tom Kibble (só o primeiro está vivo), não teriam merecido o Nobel pela partícula de Higgs, por terem chegado a semelhante conclusão pela mesma altura, mas o prémio só pode ser dado no máximo a três cientistas.
O físico experimental norte-americano Leon Lederman, também Nobel e também já falecido (visitou um dia Portugal para participar num congresso da Sociedade Portuguesa de Física realizado na Figueira da Foz) chamou-lhe “partícula de Deus” no título de um seu livro. De facto, chamou-lhe originalmente “partícula maldita” por ela se recusar a aparecer, mas o editor mudou o nome para aquele que ficou famoso. O nome não é apropriado pois ciência é uma coisa e religião é outra. As outras partículas também serão “filhas de Deus”, se é que Este existe. Higgs era ateu e protestou contra o nome de "partícula de Deus". Mas não era ateu fundamentalista como Richard Dawkins, achando que ciência e religião são incompatíveis. O nome de Deus tem muita força e faz levantar as orelhas a muita gente. Colou tanto que temos de falar de “partícula de Deus” agora que Higgs faleceu. Um cartoon divulgado num jornal aquando do anúncio da descoberta mostrava os reis magos a quererem entrar no CERN para levarem presentes… O guarda fitava-os atónito!
Peter Higgs era uma pessoa modesta, apesar de ter vários prémios e distinções para além do Nobel. Falava pouco à imprensa. Não usava telemóvel, pelo que soube do Nobel porque um vizinho lhe disse. Teve a paciência de esperar décadas, sem praticamente qualquer publicidade, para saber que a sua teoria estava certa, que a sua imaginação estava de acordo com a da Natureza. Ele não está mais entre nós, mas a “sua” partícula está por todo o lado do cosmos e é imortal. Isto é, aparecerá sempre que houver energia suficiente.
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