quinta-feira, 14 de dezembro de 2023

O SEGUNDO CARDEAL PORTUGUÊS A RECEBER O PRÉMIO FERNANDO PESSOA

Por Eugénio Lisboa

É a segunda vez que o Prémio Fernando Pessoa é atribuído a um cardeal português. A primeira vez foi concedido, em 2009, a D. Manuel Clemente, que nessa altura era ainda Bispo do Porto e, agora, ao cardeal Tolentino de Mendonça. Em qualquer dos casos, parece-me difícil justificar ambos os galardões, a não ser por um grande apetite de arrastar a asa à Igreja Católica. A obra de investigação histórica de D. Manuel Clemente poderá interessar muito mais à Igreja Católica do que aos Portugueses em geral e a que interessa aos portugueses não me parece que tenha nem a importância nem a dimensão da produzida por outros historiadores.

Quanto à obra Poética e crítica de Tolentino de Mendonça, não tem nem a dimensão nem tem suficiente idade, que justifique tão apressada consagração. E tem até perturbadoras atitudes, como a de excluir de uma antologia de poesia dedicada à temática de Deus, dois nomes maiores da literatura portuguesa, tais José Régio e Miguel Torga, que, nesse território, têm poucos rivais. Mas tratava-se talvez de não ofender certas vestais, um pouco confusas com a ideia de “modernidade”, conceito responsável por alguns dos maiores dislates escritos em língua portuguesa.

Porém, conhecendo o nosso milieu literário como conheço, mentiria se dissesse que este prémio foi, para mim, uma surpresa. Comentei com vários amigos meus, por várias vezes, que estava escrito nas estrelas que ou o Camões ou o Pessoa não demoraria muito a ser atribuído àquele cardeal português, não por razões de mérito (que tem algum), mas por razões bizantinas, daquelas que se sussurram nos corredores e que nunca chegam à superfície. No campo da historiografia ou do ensaio literário ou da ficção ou poesia, não seria minimamente difícil encontrar nome mais consensual de escritor, com obra começada há muito mais tempo. Mas talvez seja muito “chic” incluir príncipes da Igreja, na lista dos laureados. Por que não? É sabido que a Academia Francesa adora lá meter marechais do reino e altas hierarquias da Igreja, porque eles dão, com seus trajos e condecorações, enorme brilho àquela sociedade. Anatole France dixit.

Júris do Camões, tenham coragem: D. José Tolentino de Mendonça aguarda com alguma impaciência a vossa decisão.

Eugénio Lisboa

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