terça-feira, 1 de março de 2022

"O homem de hoje faz tantas barbaridades como o das caverna"

De modo pouco convencional, em 1995, Rómulo de Carvalho aceitou ser entrevistado como António Gedeão, o seu pseudónimo literário. 

Reitera aí o seu cepticismo acerca da natureza humana. "Há pessoas com muitas virtudes", disse, "mas sozinhas não conseguem nada".

Em tempos de guerra, mais do que em tempos de paz, as palavras do poeta fazem, infelizmente, especial sentido...

“Os seres humanos continuam como eram há séculos e séculos O nosso melhoramento é de natureza científica e técnica

[Intelectual e afectivamente não mudámos?]. Permanecemos exactamente os mesmos. 

[Nem uma maior preparação académica propiciou melhorias?] Não creio. O homem de hoje faz tantas barbaridades como o das cavernas. 

[Terá as mesmas motivações?]. Podem ser outras. A maneira de planear também mais cínica, possivelmente. Os outros eram mais impulsivos, agora tudo se faz com mais mediação. Mas o homem contínua bárbaro, como há milénios. O nosso progresso é todo técnico e científico

[O homem caminha para a autodestruição?] Não caminha, está sempre nessa situação. Basta ver os episódios da História das várias nações, mesmo na idade contemporânea. Olhe o exemplo de Auschwitz. Seria uma coisa própria de uma humanidade civilizada? E temos exemplos ainda mais recentes. Verifica-se um grande progresso na ciência e na técnica, mas apenas aí.

[Não existe esperança?] Quem puder que a tenha. Eu não tenho esperança numa melhoria social (…). A minha estrela polar é esse desejo inatingível de a humanidade melhorar nos sentimentos e na forma de actuar.”
 
Entrevista de M.A. Silva a “António Gedeão”, 1995, sp. (ver aqui)

2 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Os animais, em geral, e o animal humano, em particular, são estruturas físico-químicas em interação com outras estruturas físico-químicas, que resolvem tudo de um modo físico-químico, mais ou menos ruidoso, mais ou menos conflituoso, ou harmonioso, segundo reações de acomodação, incomodação, satisfação/insatisfação, que nós constatamos serem efeitos/causas umas das outras, que não estão propriamente sob controlo, embora pela sua natureza nos apareçam como tal. Por exemplo, quando sete cães disputam um osso, o emaranhado de causas e efeitos que se potenciam e estão por detrás da violência que podemos observar, não é nem mais nem menos descontrolado do que a calma que se segue ao facto de o osso ter sido devorado. São apenas modos, ou formas físico-químicas de estar. Anular o apetite dos cães para ossos, se resolve algum problema talvez crie outros.
Os humanos aprenderam que os interesses e a partilha dos interesses se fazem pela físico-química, nomeadamente pela coacção e pela violência e que o exercício destas constitui a parte não menos importante da organização social.
É efectivamente o resultado natural de escolhas que não podem deixar de ser feitas, num quadro de possibilidades, reais ou imaginárias, subjectivas, intersubjectivas, ou objectivas, segundo critérios racionais de dever-ser.
Esta é a minha teoria, que julgo ser aplicável, aliás, a todo o tipo de acção, desde o pensamento mais simples, até à conclusão científica, passando pelo juízo estético, ético ou moral.
A parte não menos interessante desta teoria, na minha óptica, é que ela considera a escolha como a melhor (mesmo não sendo boa) e conduz a pensar, em geral, que, mesmo quando opta pela violência, o ser humano o faz na perspectiva de melhor.
Assim sendo, a humanidade, se não se aniquilar, vai progredir inelutavelmente, até por força da natureza do determinismo físico-químico, que não tem outro modo de ser.

Anónimo disse...

Rómulo de Carvalho foi professor de Física. As consequências das explosões das bombas atómicas em Hiroxima e Nagasáqui são tão horríveis como as do "exemplo de Auschwitz".
Qualquer professor do liceu contacta muito de perto com as fragilidades da natureza humana nas pessoas dos seus alunos. Conta-se que, já depois do 25 de Abril, um aluno, que guardava, com um pau na mão, a entrada do Liceu Pedro Nunes, deu uma pancadinha no braço do professor Rómulo de Carvalho e disse "este pode passar". Passados poucos dias, o professor pediu a reforma. Não obstante os corifeus da Escola Flexível e Inclusiva das Aprendizagens Essenciais apregoem que, com a sólida formação académica e democrática que as escolas secundárias providenciam, todos os alunos sairão da escolaridade obrigatória com um perfil de bom cidadão, a realidade, pura e dura, com a indisciplina e violência a tomar conta dos recintos escolares, aqui está para os desmentir!
Se tudo começa na escola, deixar que os professores sejam humilhados pelos alunos, não é o melhor caminho para construir um mundo sem guerras.

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