sexta-feira, 25 de março de 2022

NÃO HÁ GUERRAS BOAS


Novo texto de Eugénio Lisboa: 

 Os poetas odeiam o ódio e fazem guerra à guerra. 
 Pablo Neruda

 Nunca houve uma guerra boa nem uma paz ruim. 
 Benjamin Franklin
 

s um problema que tem angustiado os homens, de não há muito tempo a esta parte. As mulheres, que, durante muitos séculos, não tiveram de participar activamente na carnificina, mas tiveram de a sofrer, na sombra, sem poder intervir, mas arcando, depois, com as consequências da destruição, dos ferimentos e da morte dos seus, reagiram, desde muito cedo, à folia bélica com que os homens se entretinham a resolver problemas, muitas vezes de lana caprina. Mais ligadas à terra e à vida (são elas que geram vida), mais sensatas, menos dadas a fantasias com pés de barro, as mulheres opuseram-se, desde cedo, à folia mortífera da guerra. Já no ano de 411 A. C. o famoso comediógrafo grego Aristófanes pôs em cena uma hoje famosa comédia, intitulada LISISTRATA, criticando a guerra de uma maneira muito imaginativa e provavelmente eficaz. Nessa peça, as mulheres gregas, lideradas pela dinâmica Lisistrata, fartas das guerras entre Atenas e Esparta, resolvem trancar-se num templo e fazer greve sexual, enquanto se não pusesse termo à guerra. Aristófanes dava certamente voz, na sua comédia, ao sentimento que as suas conterrâneas gregas deviam andar a tornar bem visível e audível. Contudo, até tempos relativamente recentes (vésperas da primeira guerra mundial), aceitava-se, sem grandes estados de alma, o conceito de Clausewitz: “A guerra é a continuação da política por outros meios”. A guerra era o último recurso, quando a diplomacia esgotava os seus. Não havia, por assim dizer, um problema ético. Grandes fazedores de guerras, como Napoleão, eram admirados por gigantes como Goethe, Stendhal e Beethoven, não necessariamente, por causa da guerra, mas, pelo menos, apesar dela. Quando se tornou claro, nos primeiros anos do século XX, que se estava à porta de um novo grande conflito europeu – que viria de facto a começar em Agosto de 1914 – vozes corajosas de alguns grandes escritores começaram a erguer-se, com grande coragem e eloquência, contra a insensatez e a imoralidade da guerra, como modo de resolver conflitos de interesses. De entre os intelectuais europeus, que se destacaram nesse destemido e arriscado combate, citarei três: Romain Rolland, Bertrand Russell e Stefan Zweig. Romain Rolland provocou, com os textos pacifistas depois recolhidos no seu famoso e vituperado livro AU DESSUS DE LA MÉLÉE, uma reacção violenta, da parte dos belicistas, que o levou a emigrar para a Suíça, de onde continuou a lutar pela paz. Bertrand Russell pagaria com a prisão o seu credo pacifista.

 Curiosamente, dois dos maiores escritores do século XX, Anatole France e Thomas Mann alinharam, por esta altura, com os arautos da guerra, mas não demorariam a mudar de opinião, tendo-se o escritor alemão voltado contra a emergente peste nazi, que lhe valeu o exílio e a perda do título académico que lhe fora dado por uma universidade alemã, para não falar na queima dos seus livros, na praça pública.

 A carnificina nas trincheiras da Europa foi de tal natureza e dimensão, que originou em vários escritores europeus, que tinham vivido o horror da guerra, de um lado e do outro do conflito, o desejo de produzirem obras de ficção, centradas naquele morticínio, com o objectivo de fazer com que ele se não voltasse a repetir: por reacção dos leitores à dramatização daquela monstruosidade. Henri Barbusse, Roger Vercel, Roland Dorgelès, Erich Maria Remarque, Georges Duhamel, Roger Martin du Gard, Ernest Hemingway, na ficção, ou Rupert Brooke e Siegfried Sassoon, na poesia, foram impressionantes testemunhos. Nalguns, como Roger Martin du Gard, a impressão causada por aquele inferno de mortos e mutilados – ele trabalhou no serviço de ambulâncias – foi tal, que ficou irredutivelmente contra a guerra, fosse ela qual fosse. De tal maneira que, sendo um homem de esquerda, quando Hitler começou a devorar a Europa, Martin du Gard disse aos amigos, que tudo era melhor do que resistir ao ditador alemão, originando uma reedição da carnificina de 1914 – 1918. Nada era, para ele, tão mau como uma nova guerra. Mais adiante, mudaria de opinião, quando se apercebeu do que Hitler representava e de que se tornava tragicamente necessário resistir-lhe. O mesmo se passou com Bertrand Russell, que pôs entre parêntesis o seu pacifismo, reconhecendo que esta guerra era inevitável. Todavia, outro enorme escritor francês, Jean Giono, que percorrera os anos da primeira guerra mundial a carregar uma espingarda que nunca disparou, mas a ver o lado mais monstruoso da condição humana, jurou e cumpriu, que nunca mais voltaria a participar numa nova guerra. Pacifista radical, recusou-se a combater os exércitos nazis e escreveu porquê. Para Russell e Martin du Gard, não havia guerras boas, mas havia guerras inevitáveis. Para Giono, havia só guerras más, ponto final. Pertencendo ao Mouvement du Contadour, que se opunha a qualquer conflito armado, pagou-o com a prisão. Pode-se não concordar com a decisão dele, mas não se pode deixar de respeitar a coerência do seu radicalismo. Não há, de facto, guerras boas: são todas más, embora algumas sejam inevitáveis. A corajosa resistência da Ucrânia ao monstruoso poder militar de Putine originou uma guerra má, mas inevitável, ainda que desnecessária. São pessoas como Hitler e Putine que cometem o pecado supremo de originarem guerras inevitáveis. E más como a peste.

Eugénio Lisboa

2 comentários:

Ildefonso Dias disse...

"Ao querermos, enganamo-nos muitas vezes. Mas quando nunca queremos, enganamo-nos sempre."

Romain Rolland

Carlos Ricardo Soares disse...

A humanidade está a um passo de criar uma estrutura mundial, tipo Estado, que detenha o monopólio do uso da força militar para fins militares, com exclusão absoluta de outras estruturas políticas, individuais ou colectivas, do uso desse poder. E, mesmo assim, esse Estado supra nacional, não poderia usar certo tipo de armamentos e teria limites muito rigorosos ao exercício desse super-poder. Ou seja, seria um super-poder numa estrutura de poderes que lhe conferia o poder.
Enquanto não for dado um passo no sentido de libertar a humanidade desta contingência vexatória e vergonhosa para os humanos de poder haver sempre um matraquilho saído de um saco de petrodólares voláteis que incendeia tudo em redor como se estivesse a acender a vela de incenso à sua memória, sem que ninguém possa fazer nada para o impedir, continuaremos a trabalhar para uma desgraça maior, de cada vez que tal acontecer, porque ainda não iniciamos o processo de controlo e de pacificação dos poderes.
Seremos vítimas do terrível paradoxo da guerra que, mais do que a vida e a morte, tem fascinado os homens e alimentado o imaginário e os mitos e as religiões, ao longo dos tempos, porque ela é um fenómeno “transcendente” em que o valor, o significado, a moral, a grandeza, a beleza, a justiça, a glória e os heroísmos, a santidade e os martírios, os sacrifícios, não têm a ver com a gravidade ou hediondez e insuportabilidade dos factos, quaisquer que eles sejam.
Assim, uma bomba lançada pelo invasor é um crime hediondo e repugnante, mas uma bomba, ainda que mais destrutiva, lançada pela vítima, em certas circunstâncias, pode ser sentida e avaliada como acto do maior heroísmo e do mais elevado valor moral. Não é de estranhar, assim, que os valores que falam mais alto estejam associados às situações em que são os mais requeridos e necessários.
A guerra nunca devia começar, porque ela é a instituição do inimigo como a razão da brutalidade ser elevada ao mais alto valor pelo qual um homem se deve sacrificar. E, sendo assim, muito estranho que não sejamos capazes de quebrar esta maldição, como se fosse a mais indesejada e temível fatalidade.

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