Alguns poemas que escrevi na lezíria, longe da minha Bairrada.
I.
O morro é uma ave
No píncaro de uma árvore.
Um corvo num pinheiro.
O morro é o vale inteiro
Onde a voz se perde,
E o velho choupo oriundo
Do espelho de água
E da terra escura e gretada.
O morro é um homem
Que regressa ao cume,
Depois de ao fundo descer.
II.
Amo a rua da minha infância.
As suas clareiras, as casas
E a cruz no poente.
Quando volto, voltam as asas
E gorjeio rente às paredes de pedra.
Cruzo-a, sem relutância,
E espreguiço-me nos seus cristais
Como o sol luzente.
Na rua da minha infância,
Há sempre alguém a passar
Com a cabeça
Enterrada numa gavela de erva,
A crista de um galo
A cacarejar da terra ao céu,
O sorriso de um velho
E o guincho de uma bicicleta.
Na rua da minha infância,
Há sempre a aliança
A brilhar no recanto,
Alguém a acordar,
Nos portões e nos umbrais,
E a esperar a sombra
Ou uma aberta.
Há sempre o esganiçado pranto
De uma criança
Que quer voltar pràs demais.
O rumor da água
No tanque.
O morro
E o domingo
Que a luz doura.
Canto ou digo
A pele, a terra
E a lama
Que a roupa
Dos dias guarda.
Os dedos da mãe
Sem sangue,
Sem lume,
Nas reentrâncias
De pedra.
O vaivém
Do peito
E o fio
Torcido
Que escorre.
Agora, alguém
Te chama,
Pai,
Do perfume
Do céu,
Do estendal dos dias
Ao sol.
Mas a tua voz
Já se perdeu,
E a água
Ainda corre.
IV.
O orvalho da manhã
Nas ervas.
Na várzea,
O olival de nuvens negras.
O vermelho, o amarelo
E a flor
Dos medronhos.
As vespas a zumbir ao sol,
Vomitadas da terra.
O céu a ruir, em lágrimas
E folhas,
E da tarde o arrebol.
Assim fossem
Os meus sonhos.
V.
Como posso cantar sozinho esta beleza,
O sol, como uma açucena rubra,
A pairar nos pinhais do poente,
Se não sou todo este vasto céu
Estendido da varanda ao horizonte?!
Como posso cantar sozinho esta beleza,
O sol, como uma açucena…
Ah, cantá-la-ei com a pouca terra,
A minha terra, tão pobre e dura!
VI.
Não é o sono a fechar-me os olhos,
Nem o silêncio glacial da noite
Ao redor, em volta,
Nem os arrepios.
São as tuas mãos,
A voar ao sol com as gaivotas,
Rente aos meus braços caídos.
VII.
E com a janela aberta.
Levantas sempre o
estore.
O frio perdura e aperta.
Não há pele que
escore,
Por isso te traí
levianamente.
O alvor, mãe, clareia-te o rosto
E estremece o corpo.
Acordam os braços de repente
E voas, pela sílica transparente,
Ao encontro da terra.
O ocaso, mãe, e voltas pelo corgo.
Deténs-te antes da porta
E olhas o clarão ténue e fremente.
Do sol, voltas de rastros.
Dormes, mãe, como no ventre,
Com a janela aberta
E sempre a escutar-me
Os passos.
Antes de voltar ao chão,
Volto a vê-lo de pé,
Com os dedos rachados pelo frio,
A segurar a tigela pela mão,
A beber e a soprar o leite.
Na pocilga, os animais
Poderiam perder a fé.
Tinham de arrostar o dia no cume.
O tempo era sempre escasso.
Ao lume da cozinha,
Do chão não regressou mais.
Agora, volto à infância
E beijo o homem na face crestada.
Arranco-o do que lhe custava,
O eterno e justo descanso.
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