Meu último artigo no JL:
Existe no Reino Unido uma longa tradição não só de criação de ciência, mas
também de comunicação de ciência. No século XIX Michael Faraday, que dirigiu a
Royal Institution de Londres, para além dos livros populares que escreveu sobre
física e química, como A História Química de Uma Vela, criou uma série
de palestras públicas de ciência, as Christmas Lectures, que chegaram
aos dias de hoje. Em grande contraste com o que se passa em Portugal, a BBC,
rádio e televisão pública britânica, dá uma forte atenção à ciência, investindo
em documentários, entrevistas e debates sobre temas científicos.
Um dos comunicadores de ciência mais conhecidos actualmente é o físico
teórico Jim Al-Khalili, autor do livro O Mundo Segundo a Física, que
acaba de sair entre nós na Temas e Debates e Círculo de Leitores, sempre atenta
aos novos ensaios de ciências. O nome do autor soa a árabe, porque é mesmo
árabe. Apesar de ser cidadão britânico, Al-Khalili, que hoje tem 59 anos – veio
para o Reino Unido aos 16 – nasceu em Bagdade, no Iraque, de pai iraquiano (engenheiro
da Força Aérea daquele país) e mãe inglesa (bibliotecária). O seu nome completo
é Jameel Sadik Al-Khalili, mas podem-lhe chamar Jim. Fez o doutoramento em Física Nuclear Teórica
em 1989 na Universidade de Surrey, depois de se ter licenciado nessa universidade,
num condado do sudeste inglês que confina com a região metropolitana de
Londres. O bom filho à casa torna: depois de ter feito um pós-doutoramento no
University College de Londres, Al-Khalili voltou para a sua alma-mater,
onde hoje é professor de Física e também de Comunicação de Ciência.
O seu primeiro livro, sobre buracos negros e buracos de minhoca, é de 1999,
e desde então a sua pena não tem parado: O Mundo Segundo a Física (Temas e Debates e Círculo de Leitores) é o
seu 13.º livro e para Abril próximo já está anunciado o 14.º, The Joy of Science,
tal como o último saído originalmente do prelo da Princeton University Press. A
obra agora saída em português é a segunda do autor publicada no nosso país, sendo
a primeira um volume colectivo, ricamente ilustrado, sob o título O Núcleo: Uma
Viagem ao Coração da Matéria, com a participação da física portuguesa
Teresa Peña, que a Porto Editora publicou em 2004.
O novo livro, de 350 páginas, apresenta um excelente resumo da física
contemporânea dirigido em especial aos leigos sobre o estado actual da física
moderna. O livro usa letra que se vê e tem um útil índice remissivo (só é pena
que a bibliografia não indique os títulos que já estão disponíveis na nossa
língua). Logo a abrir, o autor declara que se propõe fazer nada mais nada menos
do que «uma ode à física». E explica a razão: «Apaixonei-me pela física quando
ainda era adolescente.» Os capítulos 2 e 3 expõem o essencial das teorias da relatividade
de Einstein, restrita e geral, enquanto os capítulos 4 e 5 expõem o essencial
da teoria quântica de Bohr, Heisenberg, Schrödinger e outros, o ramo da Física
no qual o autor se especializou: começou por trabalhar nas propriedades de
núcleos atómicos exóticos e hoje trabalha em biologia quântica, isto é, tenta
explicar os fenómenos da vida com base na física fundamental. O capítulo 6
trata de um «velho» problema da Física: «Por que razão o futuro se distingue do
passado?» E o seguinte conta as tentativas – até agora incompletas – de fazer
uma «teoria de tudo», conciliando a teoria da relatividade geral com a teoria
quântica. Os três últimos capítulos, 8 a 10, tratam do futuro da física (que
enfrenta grande enigmas como a energia escura e a matéria escura), a utilidade
da física (onde aborda o campo emergente da computação quântica, que pode vir mudar
o mundo) e o modo de pensamento de um físico (há, de facto, uma maneira de
pensar o mundo segundo a física). Termina, em grande, com um merecido elogio (sei
que sou suspeito!) à física: «A condição humana é ilimitadamente frutuosa. Inventámos
a arte a poesia; criámos sistemas religiosos e políticos; construímos
sociedades, culturas e impérios tão ricos e complexos que é impossível condensá-los
em qualquer formula matemática. Mas, se quisermos saber de onde viemos, onde foram
formados os átomos dos nossos corpos — o «porquê» e o «como» do mundo e do
universo que habitamos, então a física é a via para uma verdadeira compreensão
da realidade. E, com essa compreensão, podemos moldar o nosso mundo e o nosso
destino.»
Al-Khalili não se fica pela palavra escrita, pois também é ágil com a
palavra falada e sabe que uma imagem pode valer mais do que mil palavras. Tem
feito inúmeros programas de rádio, alguns dos quais entrevistas aos seus pares
como Richard Dawkins, Martin Rees, Brian Cox e os veteranos Sir David
Attenborough (95 anos) e James Lovelock (o autor da «Hipótese de Gaia», que tem
uns incríveis 102 anos). Além disso, desde 2004, tem dirigido ou participado em
documentários televisivos, começando em 2004 com O Enigma do Cérebro de
Einstein. Tem também escrito com frequência para a imprensa. Escreveu, tal
como de resto eu próprio durante um rol de anos, uma crónica regular para a Gazeta
de Física, o órgão da Sociedade Portuguesa de Física.
Os seus trabalhos têm conhecido um enorme sucesso. O novo livro, tal como
os outros anteriores, está escrito de forma bastante acessível. Comunica, tal
como os seus programas de rádio e televisão, a paixão pela ciência. Não admira,
por isso, que tenha sido premiado várias vezes: ganhou o prémio Faraday da Royal
Society, a medalha Kelvin do Instituto de Física e a medalha Stephen Hawking de
Comunicação de Ciência, para além de vários títulos honoris causa em universidades
britânicas. Recebeu a Ordem do Império Britânico, pelos seus serviços à
ciência, e foi eleito sócio da Royal Society. Presidiu à associação Humanists
UK, que tem um cunho ateísta. Conforme o próprio Al-Khalali afirmou, apesar
de ter um pai muçulmano e uma mãe cristã praticante, nasceu «sem qualquer osso religioso».
Recomendo O Mundo Segundo a Física a todos os que querem saber como
vai a física. Vai bem e recomenda-se! Tem um grande passado atrás de si e os
problemas que enfrenta actualmente apenas querem dizer que tem um grande futuro
à sua frente. Talvez o melhor ainda esteja para vir.
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