segunda-feira, 12 de julho de 2021

RESTARAM AS APRENDIZAGENS ESSENCIAIS... E "NEM SEQUER É UM DECRETO"!

Na sequência de texto sobre a alteração curricular determinada pelo Ministério da Educação na passada semana (aqui).


No passada semana, o Secretário de Estado Adjunto e da Educação assinou um despacho que irá ficar por muito, muito tempo na nossa memória pela mudança radical que introduz no currículo escolar e pelas consequências que terá na aprendizagem, directamente, em todos os níveis de ensino não superior e, indirectamente, no ensino superior.

Trata-se do Despacho n.º 6605-A/2021, de 6 de julho que "procede à definição dos referenciais curriculares das várias dimensões do desenvolvimento curricular, incluindo a avaliação externa". Os referenciais, como em tempos mais recentes se diz, deixam de ser os programas e as metas de aprendizagem (para algumas disciplinas) e curriculares (para outras disciplinas) e passam a ser o Perfil do Aluno à Saída da Escolaridade Obrigatória, a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania as Aprendizagens Essenciais.

De modo mais claro, para a leccionação de cada disciplina, o documento a ter em conta é o que se designa por Aprendizagens EssenciaisO normativo indica que deve entender-se:
"«essencial» não como mínimo, mas como as dimensões que nenhum aluno pode deixar de aprender e que constituem a base para um aprofundamento flexível e enriquecido dos temas e conteúdos de cada disciplina." 
Esta clarificação justifica-se, provavelmente, pelo facto de haver quem diga que o "essencial" é o "mínimo". A palavra "essencial" é, na verdade, equívoca: pode designar aquilo que é fundamental, que não se pode dispensar, mas também pode designar o básico, o rudimentar.

Há que ter boa vontade e tentar perceber a definição acima. Então, entendo que, numa interpretação literal, "essencial" é o que todos os alunos têm mesmo de aprender. Muito bem: isso é a base. Mas a base deverá ser aprofundada, enriquecida (estou a seguir as palavras da explicação) com temas e conteúdos disciplinares... E é aqui que deixo de entender... temas e conteúdos disciplinares que se encontram onde? Nos programas e nas metas não será, uma vez foram todos revogados

Sou, então, levada a pensar que o "essencial" se refere mesmo ao básico, ao rudimentar... ao mínimo... E não estou só na minha interpretação: Paulo Guinote, professor de História, escreveu um artigo de opinião que saiu hoje no Público que tem por título precisamente "Uma Educação Mínima" (aqui). Diz ele (os cortes e destaques são meus):
Enquanto o ano lectivo terminava, os exames nacionais do secundário arrancavam e se discutia quando sairiam as listas de colocação do concurso de professores, eis que é publicado de forma quase despercebida o despacho n.º 6605-A/2021. 
Os menos atentos pensarão: mais um despacho, não deve ser nada de relevante, mais um diploma a juntar a tantos, nem sequer é um decreto. No entanto (...) há campainhas de alarme logo sob a superfície (...), num diploma com menos de 8000 caracteres, mais de 6500 são de preâmbulo explicativo. O que, mesmo para quem é moderadamente iniciado nestas andanças, significa que está ali uma justificação demasiado longa para ser inocente ou tratar-se de matéria pouco importante (...) 
E é assim que as “aprendizagens essenciais”, que correspondem à mesma lógica do que em tempos antigos se designava como “programa mínimo” das disciplinas que tinham exame no secundário, se vão tornar o “referencial” para o nosso ensino básico e secundário. 
Neste sentido, este despacho é a pedra de cunha de todo o edifício iniciado em finais de 2015 com o fim das provas finais de ciclo e continuado com os “decretos gémeos” de 2018 (...). 
Este despacho formaliza uma Educação Mínima, em que o essencial se torna não o mínimo aceitável, mas uma espécie de benchmark a alcançar (...).
Num tempo em que tanta gente escreve sobre a Educação e verte lágrimas de dor pela Escola Pública e pelos mais desfavorecidos, seria importante que entendesse o que esta lógica de Educação Mínima representa para a Escola Pública: a sua redução a um currículo de trivialidades, em que tudo o que não é “essencial” é apelidado de “enciclopédico”. 
Uma Escola Pública que, em vez de democrática e inclusiva, se transforma voluntariamente numa escola para aqueles que não possam pagar a fuga para as escolas privadas, ou seja, que promove activamente o elitismo e a segregação. 
Se o lobby do ensino privado pudesse ter escrito um despacho para regular o ensino público, dificilmente teria escrito um diferente deste.

3 comentários:

Anónimo disse...

Sem água, não há plantas que floresçam.
Sem ensino, as escolas das "aprendizagens inclusivas essenciais" acabarão por secar e morrer.

Dulce Marques da Silva disse...

É com muita tristeza que constato que estamos a assistir ao estertor da missão da escola pública!

Anónimo disse...

Vivemos tempos de mudança. Nas escolas, o novo "paradigma" é:
NÃO ENSINAR OS IGNORANTES!

"O PODER DA LITERATURA". UMA HISTÓRIA, UM LIVRO

Talvez haja quem se recorde de, nos anos oitenta do passado século, certa professora, chamada Maria do Carmo Vieira, e os seus alunos do 11....